Uma Nova Forma de Criar Sangue Humano em Laboratório
- Lidi Garcia
- 16 de out.
- 4 min de leitura

Cientistas da Universidade de Cambridge conseguiram criar, em laboratório, estruturas que imitam embriões humanos e produzem sangue de forma natural. Essas estruturas, chamadas “hematoides”, se auto-organizam a partir de células-tronco e geram tanto sangue quanto células cardíacas. A descoberta ajuda a entender como o sangue se forma no início da vida e pode levar à criação de sangue compatível com cada paciente, beneficiando o tratamento de doenças como a leucemia e abrindo novas possibilidades na medicina regenerativa.
Pesquisadores da Universidade de Cambridge descobriram uma maneira inédita de produzir células sanguíneas humanas em laboratório, recriando de forma muito próxima o processo natural que ocorre dentro de embriões humanos.
Essa conquista marca um avanço importante na biomedicina, pois permite estudar como o sangue se forma nas fases iniciais da vida e pode, no futuro, ajudar no tratamento de doenças como a leucemia, além de possibilitar a criação de células-tronco sanguíneas para transplantes.
O experimento começou com células-tronco humanas, células especiais capazes de se transformar em qualquer tipo de célula do corpo. A equipe estimulou essas células para que se auto-organizassem em estruturas tridimensionais semelhantes a embriões humanos em desenvolvimento. Essas estruturas foram chamadas de “hematoides”. Elas começaram, sozinhas, a formar camadas e tecidos de forma muito parecida com o que acontece naturalmente durante as primeiras semanas de gestação.

No segundo dia de observação, os hematoides começaram a se organizar em três camadas básicas chamadas ectoderme, mesoderme e endoderme. Essas camadas são como o alicerce do corpo humano: delas surgem todos os órgãos e tecidos, incluindo o sistema nervoso, o coração e o sangue.
No oitavo dia, os cientistas observaram células cardíacas pulsando, um indício de que o sistema estava funcionando de maneira coordenada. Finalmente, no décimo terceiro dia, pequenas manchas vermelhas começaram a aparecer nas estruturas, eram as primeiras células sanguíneas formadas naturalmente, visíveis até mesmo a olho nu.
Essas células sanguíneas se desenvolvem em um estágio que corresponde aproximadamente à quarta ou quinta semana de um embrião humano real. É um momento do desenvolvimento que não pode ser estudado diretamente em humanos, porque nessa fase o embrião já está implantado no útero da mãe. Por isso, modelos como os hematoides são extremamente valiosos: eles permitem observar e compreender fenômenos biológicos que antes eram invisíveis à ciência.

Modelos de embriões derivados de células-tronco chamados hematoides com 14 dias de desenvolvimento.
Os hematoides, embora imitem muitos aspectos do desenvolvimento humano, não são embriões de verdade. Eles não têm estruturas essenciais como o saco vitelínico, a placenta ou outros tecidos que sustentam o crescimento de um embrião real. Assim, não existe possibilidade de que se desenvolvam em um ser humano completo. Isso os torna uma ferramenta segura e ética para a pesquisa biomédica.
Um dos aspectos mais inovadores dessa descoberta é que, ao contrário de outros métodos existentes, os cientistas não precisaram adicionar proteínas ou substâncias externas para guiar o desenvolvimento das células.
O próprio ambiente interno dos hematoides criou as condições ideais para que as células-tronco se transformassem em sangue e até mesmo em células cardíacas pulsantes, dentro do mesmo sistema. Isso representa uma grande mudança: em vez de forçar as células a se comportarem de um modo específico, os pesquisadores simplesmente recriaram o ambiente natural em que elas “sabem” o que fazer.
As células-tronco usadas no estudo podem ser obtidas a partir de qualquer célula do corpo humano. Isso significa que, no futuro, será possível produzir sangue totalmente compatível com o organismo de um paciente, um avanço fundamental para a medicina personalizada. Essa tecnologia pode reduzir os riscos de rejeição em transplantes e oferecer alternativas mais seguras e duradouras para pacientes com doenças hematológicas graves.

O estudo também abre caminho para novas formas de simular doenças sanguíneas, como a leucemia, em laboratório. Isso permitirá que cientistas testem medicamentos e compreendam melhor como as células anormais surgem e se multiplicam. Além disso, como as células do sistema imunológico também se originam das células-tronco do sangue, os hematoides podem ajudar a entender o desenvolvimento das defesas do corpo humano.
Os resultados foram publicados na revista científica Cell Reports, e o trabalho recebeu aprovação de comitês de ética, seguindo as normas rigorosas que regulamentam o estudo de modelos de embriões humanos. O grupo de pesquisa também registrou uma patente por meio da Cambridge Enterprise, o setor de inovação da Universidade de Cambridge, para garantir que essa tecnologia possa, futuramente, ser desenvolvida de forma segura e aplicada na medicina.

De acordo com o professor Azim Surani, um dos líderes do estudo, a descoberta representa “um passo significativo em direção às terapias regenerativas do futuro”, tratamentos que usam as próprias células do paciente para reparar tecidos danificados.
Já o pesquisador Jitesh Neupane, que liderou os experimentos no laboratório, descreveu o momento em que viu o vermelho do sangue surgir nas placas como “emocionante e inesquecível”. A cientista Geraldine Jowett, também integrante da equipe, destacou que os hematoides permitem observar uma “segunda onda” de formação do sangue, que dá origem a células do sistema imunológico especializadas, como as células T, fundamentais para combater infecções e até o câncer.
Assim, essa descoberta não apenas ajuda a entender como o sangue humano se forma nos primeiros dias da vida, mas também inaugura uma nova era na pesquisa biomédica, aproximando a ciência de um futuro em que poderemos criar sangue sob medida para cada pessoa.
LEIA MAIS:
A post-implantation model of human embryo development includes a definitive hematopoietic niche
Neupane, J. et al
Cell Reports, October 2025.
DOI: 10.1016/j.celrep.2025.116373



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