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Da Genética ao Tratamento Personalizado: Descoberto Único Gene Capaz de Causar Transtornos Mentais

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • há 3 dias
  • 6 min de leitura
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Pesquisadores descobriram que alterações raras e graves no gene GRIN2A podem aumentar muito o risco de desenvolver transtornos mentais, como esquizofrenia, especialmente quando aparecem ainda na infância ou adolescência. Alguns pacientes tratados com L-serina, uma substância capaz de melhorar o funcionamento de um receptor cerebral relacionado a esse gene, apresentaram melhora, indicando uma possível nova forma de tratamento direcionado ao perfil genético.


Os transtornos mentais afetam milhões de pessoas no mundo e representam um impacto profundo não apenas na vida de quem sofre com eles, mas também no funcionamento da sociedade. Doenças como ansiedade, depressão, transtornos alimentares e esquizofrenia podem comprometer o bem-estar, a autonomia e os relacionamentos. Apesar de serem tão comuns, o avanço nos tratamentos tem sido lento porque ainda conhecemos pouco sobre suas causas biológicas profundas.


Nos últimos anos, estudos mostraram que os transtornos mentais resultam de uma combinação muito complexa de fatores, incluindo ambiente, experiências de vida e, principalmente, genética. Pessoas que têm familiares próximos com um transtorno mental apresentam maior risco de também desenvolvê-lo.


Isso acontece porque os genes podem influenciar características do cérebro, como a forma como neurônios se comunicam, como substâncias químicas cerebrais atuam e como o cérebro se desenvolve durante a infância e adolescência.


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Durante muito tempo acreditou-se que essas doenças eram causadas por milhares de pequenas mudanças no DNA, cada uma contribuindo com um risco muito pequeno, somando-se como peças de um quebra-cabeça. Porém, pesquisas recentes começaram a revelar algo adicional: algumas alterações genéticas raras, embora muito menos comuns, podem ter um impacto muito maior, aumentando de forma significativa o risco de desenvolver transtornos mentais graves. 


Um exemplo disso são as chamadas variantes nulas, que podem desligar completamente um gene importante, impedindo a formação adequada de certas proteínas essenciais para o funcionamento cerebral.


Entre os transtornos psiquiátricos, a esquizofrenia, uma condição marcada por alucinações, delírios e mudanças no pensamento e comportamento,  é um dos que apresenta maior influência genética. Entretanto, as pessoas com esquizofrenia costumam ter menos filhos, o que reduz a transmissão dessas variantes ao longo das gerações.


Assim, variantes com grande impacto muitas vezes surgem de forma espontânea, sem estarem presentes nos pais. Essas mudanças genéticas novas, chamadas mutações de novo, podem afetar grandes regiões dos cromossomos ou genes específicos importantes para o cérebro.


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Algumas dessas alterações já foram identificadas. Por exemplo, a deleção (ou perda) de um trecho específico do cromossomo 22 está associada a um risco elevado de esquizofrenia e outras condições. Outro alvo importante de estudos é o gene chamado GRIN2A, responsável pela produção de uma peça específica de um receptor cerebral chamado NMDA. Esse receptor participa de processos fundamentais para a comunicação entre neurônios, incluindo memória, aprendizagem e desenvolvimento cerebral normal.


Um estudo recente analisou 235 pessoas no mundo com alterações identificadas no gene GRIN2A. Para entender melhor os sintomas psiquiátricos associados, os cientistas coletaram dados médicos ao longo da vida desses indivíduos, incluindo histórico de diagnóstico, idade de início dos sintomas, relação com epilepsia e possíveis tratamentos.


Eles compararam essas informações com dados de uma grande base populacional para avaliar se os transtornos mentais estavam de fato acontecendo com maior frequência nessa população genética específica.


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Os resultados mostraram que indivíduos com perda completa da função do gene GRIN2A apresentavam uma chance muito maior de desenvolver diferentes transtornos mentais, incluindo esquizofrenia, depressão, ansiedade, transtorno bipolar e distúrbios comportamentais.


Também foi observado que, nesses casos, os sintomas geralmente apareciam muito mais cedo do que o esperado,  frequentemente durante a infância ou adolescência, enquanto na população geral esses quadros tendem a surgir na vida adulta.


O estudo também revelou uma relação interessante com epilepsia. Muitas pessoas com alteração no gene GRIN2A tinham epilepsia, mas, em grande parte dos casos, os transtornos mentais surgiam somente depois de as crises epilépticas terem desaparecido. Isso sugere que a origem dos sintomas psiquiátricos não está diretamente ligada às crises epilépticas, mas sim ao papel crítico que esse gene exerce no desenvolvimento cerebral. 


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A imagem mostra como alterações no gene GRIN2A estão relacionadas ao surgimento de transtornos mentais ao longo da infância e adolescência. Nos gráficos da parte superior, é possível ver que a população geral quase não desenvolve ansiedade, depressão ou psicose antes dos 15 anos, enquanto pessoas com uma mutação grave nesse gene (linha vermelha) apresentam um aumento progressivo e significativo desses transtornos já nos primeiros anos de vida, especialmente entre os 8 e 15 anos. A mutação mais leve (linha azul) mostra um risco um pouco maior que o da população geral, mas ainda muito menor que o observado nas mutações graves. Já os gráficos inferiores confirmam esses achados ao quantificar o risco: para quem tem uma alteração grave no gene GRIN2A (painel b), o risco de ter ansiedade, transtornos do humor ou psicose pode ser até dezenas de vezes maior do que na população geral, indicando uma relação forte e estatisticamente confiável; enquanto no caso das mutações leves (painel c), o risco não se mostra significativamente maior. Em resumo, a imagem demonstra que mutações graves no gene GRIN2A estão fortemente associadas ao desenvolvimento precoce de transtornos mentais, enquanto mutações mais leves parecem ter pouco ou nenhum impacto mensurável no risco.


Outro aspecto promissor da pesquisa foi a análise de um possível tratamento. O gene GRIN2A está ligado ao funcionamento do receptor NMDA e sabe-se que uma substância chamada L-serina pode ajudar esse receptor a funcionar melhor. Quatro pessoas com transtornos mentais associados a alterações no gene foram tratadas com L-serina e apresentaram melhora nos sintomas.


Embora o número seja pequeno, o resultado é importante porque abre caminho para o desenvolvimento de tratamentos personalizados baseados no tipo específico de alteração genética do paciente.


Esse conjunto de descobertas sugere algo inovador: pela primeira vez, um único gene pode estar associado a transtornos mentais graves e precoces, como esquizofrenia, mesmo quando não há outros sintomas clínicos evidentes. Isso significa que testes genéticos podem futuramente ser usados para ajudar no diagnóstico e na escolha de tratamentos específicos, marcando um passo significativo rumo à medicina de precisão em saúde mental.


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“Nossos resultados atuais indicam que o GRIN2A é o primeiro gene conhecido que, por si só, pode causar uma doença mental. Isso o diferencia das causas poligênicas de tais transtornos que eram presumidas até então”, afirma o Professor Johannes Lemke, autor principal do estudo e Diretor do Instituto de Genética Humana do Centro Médico da Universidade de Leipzig.



LEIA MAIS:


GRIN2A null variants confer a high risk for early-onset schizophrenia and other mental disorders and potentially enable precision therapy

Johannes R. Lemke, Andrea Eoli, Ilona Krey, Bernt Popp, Vincent Strehlow, Dirk A. Wittekind, Anna-Leena Vuorinen, Hesham M. Aldhalaan, Sarah Baer, Anne de Saint Martin, Trine B. Hammer, Isabella Herman, Frauke Hornemann, Trine Ingebrigtsen, Damien Lederer, Gaetan Lesca, Dana Marafie, Mikael Mathot, Jill A. Rosenfeld, Rikke S. Møller, Helenius J. Schelhaas, Chelsey Stillman, Alessandro Orsini, Anup D. Patel, Juliette Piard, Pierangelo Veggiotti, Danique R. M. Vlaskamp, Sarah Weckhuysen, Stephen F. Traynelis, Tim A. Benke, Henrike O. Heyne, and Steffen Syrbe 

Molecular Psychiatry (2025). 


Abstract:


Rare genetic factors have been shown to substantially contribute to mental illness, but so far, no precision treatments for mental disorders have been described. It was recently identified that rare variants in GRIN2A encoding the GluN2A subunit of the N-methyl-D-aspartate receptor (NMDAR) confer a substantial risk for schizophrenia. To determine the prevalence of mental disorders among individuals with GRIN2A-related disorders, we enquired the presence of psychiatric symptoms in 235 individuals with pathogenic variants in GRIN2A who had previously enrolled in our global GRIN registry. We identified null variants in GRIN2A (GRIN2Anull) to be significantly associated with a broad spectrum of mental disorders including schizophrenia compared to a longitudinal population cohort (FinRegistry) as well as missense variants (GRIN2Amissense). In our cohort, GRIN2Anull-related mental disorders manifest in early childhood or adolescence, which is substantially earlier than the average adult onset in the general population. In 68% of co-incident epilepsy and mental disorder, mental disorders start after epilepsy offset and the age of epilepsy offset correlated with mental disorder onset. GRIN2Anull-related phenotypes appear to occasionally even manifest as isolated mental disorder, i.e. as schizophrenia or mood disorder without further GRIN2A-specific symptoms, such as intellectual disability and/or epilepsy. As L-serine is known to mediate co-agonistic effects on the NMDAR, we applied it to four individuals with GRIN2Anull-related mental disorders, all of whom experienced improvements of their neuropsychiatric phenotype. GRIN2Anull appears to be the first monogenic cause of early-onset and even isolated mental disorders, such as early-onset schizophrenia. Genetic testing should be considered in the diagnostic work-up of affected individuals to improve diagnosis and potentially offer personalized treatment as increasing brain concentrations of NMDAR co-agonists appears to be a promising precision treatment approach successfully targeting deficient glutamatergic signaling in individuals with mental disorders, i.e. due to GRIN2Anull.


 
 
 

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