Uma Mesma Proteína, Dois Destinos: O Enigma Entre Bebês e o Alzheimer
- Lidi Garcia
- 15 de jul.
- 5 min de leitura

A proteína tau é essencial para o desenvolvimento do cérebro, ajudando no crescimento dos neurônios. Em recém-nascidos, ela aparece em níveis muito altos e é importante para a formação saudável do cérebro. No entanto, em idosos, o acúmulo anormal da mesma proteína está ligado à Doença de Alzheimer. Um novo estudo mostrou que os níveis de tau fosforilada no sangue são naturalmente altos nos bebês, mas caem com o tempo. Entender esse processo pode ajudar a criar tratamentos para prevenir ou combater doenças como o Alzheimer no futuro.
A proteína tau tem um papel fundamental no funcionamento do cérebro. Ela ajuda a manter a estabilidade das células nervosas, especialmente na estrutura chamada microtúbulo, como se fosse um trilho que transporta nutrientes e substâncias importantes dentro das células.
A tau também auxilia no crescimento dos neurônios durante o desenvolvimento do cérebro. Essas funções são reguladas por um processo chamado fosforilação, que consiste em adicionar pequenas moléculas (fosfatos) em locais específicos da proteína, funcionando como interruptores que controlam sua atividade.
Durante a fase fetal, o cérebro produz principalmente uma forma mais simples da tau, chamada tau 3R, que tem três regiões de ligação aos microtúbulos. Já no cérebro adulto, há uma mistura entre as formas 3R e 4R, sendo esta última um pouco mais longa e com quatro regiões de ligação, o que permite uma regulação mais complexa da função da tau.
Além disso, a tau adulta pode ter diferentes variações (chamadas isoformas), dependendo da presença ou não de certas inserções na ponta da proteína (0N, 1N ou 2N), o que contribui para a diversidade de suas funções.

Na Doença de Alzheimer (DA), a fosforilação da tau foge do controle. Em vez de ajudar, ela passa a atrapalhar o funcionamento normal das células cerebrais. A tau fosforilada em excesso perde sua função de suporte aos microtúbulos e começa a se agrupar de maneira anormal, formando emaranhados tóxicos dentro dos neurônios. Esses emaranhados são uma das marcas registradas da DA e contribuem diretamente para a morte das células cerebrais e o avanço dos sintomas da doença.
Curiosamente, níveis elevados de tau fosforilada (p-tau) também são encontrados naturalmente no cérebro de fetos em desenvolvimento, sem causar nenhum dano. Na verdade, nesse estágio, a fosforilação da tau é benéfica e necessária para o crescimento e plasticidade do cérebro.
Além disso, já foi detectado que recém-nascidos têm níveis aumentados de p-tau no líquido cefalorraquidiano (LCR), o fluido que banha o cérebro e a medula.
O que ainda não se sabia era se essa quantidade aumentada de p-tau também poderia ser medida no sangue desses bebês usando os exames laboratoriais modernos, e se esses níveis poderiam ter algum significado clínico.
Entre as diferentes formas de tau fosforilada, a p-tau217 tem se destacado como um dos marcadores mais sensíveis para identificar a Doença de Alzheimer, mesmo antes do aparecimento dos sintomas.

Altos níveis dessa proteína no sangue têm sido fortemente associados à presença de placas amiloides no cérebro (que são outro sinal clássico da DA) e com a gravidade da doença, tanto em exames de imagem (PET) quanto em achados de autópsia. Por isso, muitos pesquisadores consideram a p-tau217 um marcador "dependente de amiloide".
No entanto, essa ideia tem sido desafiada. Estudos recentes mostraram que a p-tau217 também pode aumentar em outras doenças neurológicas que não envolvem amiloide, como Niemann-Pick tipo C, Doença de Creutzfeldt-Jakob e esclerose lateral amiotrófica.
Além disso, níveis elevados temporários dessa proteína também são vistos em situações agudas como traumatismos cranianos e paradas cardíacas, indicando que a fosforilação da tau pode ser um sinal de estresse cerebral em geral, e não apenas de Alzheimer.
Para entender melhor o papel da tau fosforilada no início e no fim da vida, pesquisadores de vários centros se reuniram em um estudo que envolveu 462 pessoas, incluindo recém-nascidos saudáveis (a termo e prematuros), adultos jovens, idosos saudáveis e pacientes com Alzheimer. Eles mediram os níveis da tau217 fosforilada no sangue de todos os participantes.
Os resultados foram surpreendentes: os recém-nascidos apresentaram os níveis mais altos de p-tau217 no sangue, ainda maiores do que os encontrados em pacientes com Alzheimer. Isso sugere que a presença elevada dessa proteína no início da vida é uma parte natural e saudável do desenvolvimento cerebral.

Níveis de p-tau217 no sangue em recém-nascidos, controles saudáveis, e doença de Alzheimer. A figura mostra uma comparação das concentrações plasmáticas de p-tau217 (pg/mL) entre quatro grupos.
Além disso, em bebês prematuros, os níveis de p-tau217 foram diminuindo gradualmente nos primeiros meses de vida, chegando a valores semelhantes aos observados em adultos jovens, indicando que há um controle natural sobre a fosforilação da tau após o nascimento.
Por outro lado, em pessoas mais velhas com Alzheimer, os níveis aumentados de p-tau217 no sangue estavam relacionados à presença da doença e à sua gravidade, reforçando seu papel como marcador diagnóstico e prognóstico.
Esses achados mostram que a fosforilação da tau tem um papel duplo: durante o desenvolvimento, é um mecanismo saudável e necessário para o crescimento cerebral; mas na velhice, pode se tornar patológico, levando à degeneração neuronal.

Entender por que os altos níveis de p-tau217 no início da vida não causam problemas, enquanto níveis semelhantes mais tarde levam ao Alzheimer, pode ajudar os cientistas a desenvolver formas de prevenir ou até reverter os danos causados pela tau nas doenças neurodegenerativas.
Por isso, os pesquisadores destacam a importância de continuar investigando os mecanismos que regulam a fosforilação da tau em diferentes fases da vida. A esperança é que, ao aprender com o cérebro em desenvolvimento, possamos descobrir novas estratégias terapêuticas para proteger o cérebro envelhecido.
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The potential dual role of tau phosphorylation: plasma phosphorylated-tau217 in newborns and Alzheimer’s disease
Fernando Gonzalez-Ortiz, Jakub Vávra, Emma Payne, Bjørn-Eivind Kirsebom, Ulrika Sjöbom, Cristiano Santos, Jordi Júlvez, Kaitlin Kramer, David Zalcberg, Laia Montoliu-Gaya, Michael Turton, Peter Harrison, Ann Hellström, Henrik Zetterberg, Tormod Fladby, Marc Suárez-Calvet, Robert D Sanders, and Kaj Blennow
Brain Communications, Volume 7, Issue 3, 2025, fcaf221
Abstract:
Tau phosphorylation plays an important role in brain physiology and pathology. During foetal development, it supports microtubule dynamics and neuroplasticity, whereas in Alzheimer’s disease (AD), it drives pathological tau aggregation and tangle formation. In this multicentre study (n = 462), we measured plasma phosphorylated-tau217 in healthy newborns, premature infants, patients with AD and healthy controls across various age groups. Plasma phosphorylated-tau217 levels were significantly higher in newborns compared to healthy individuals of any age group and even exceeded levels observed in patients with AD. In newborns, plasma phosphorylated-tau217 levels inversely correlated with perinatal factors such as gestational age. Longitudinal analysis of preterm infants demonstrated a decline in serum phosphorylated-tau217 levels over the first months of life, approaching levels observed in young adults. In contrast, elevated plasma phosphorylated-tau217 in older individuals was associated with AD pathology. Our findings corroborate the crucial role of tau phosphorylation in early brain development. However, in AD, tau phosphorylation transitions into a pathological mechanism. The high levels of blood-based phosphorylated-tau217 observed at birth and subsequent clearance might indicate distinct regulatory mechanisms that prevent tau aggregation in early life. Further studies are needed to explore the shared mechanisms of tau phosphorylation in newborns and AD.



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