Transtorno Do Estresse Pós-Traumático: O Curto-Circuito Cerebral Causado Pelo Trauma
- Lidi Garcia
- 1 de jul.
- 5 min de leitura

Pesquisadores estudaram cérebros de pessoas com TEPT e descobriram que várias células diferentes, como neurônios e células de defesa do cérebro, apresentam mudanças nos genes e em como eles são ativados. Essas alterações afetam a forma como o cérebro responde ao estresse e processa emoções. O estudo também mostrou que essas mudanças variam entre pessoas com TEPT e pessoas com depressão, e que certos genes ligados ao estresse e à inflamação estão especialmente envolvidos. Essas descobertas ajudam a entender melhor como o trauma afeta o cérebro e podem, no futuro, ajudar a criar tratamentos mais eficazes.
O transtorno de estresse pós-traumático, conhecido como TEPT, é uma condição de saúde mental que pode surgir após a vivência de eventos extremamente traumáticos, como guerras, abusos, acidentes graves ou perdas intensas. Embora muitas pessoas se recuperem emocionalmente com o tempo, algumas desenvolvem sintomas persistentes como flashbacks, pesadelos, ansiedade intensa ou dificuldade de concentração.
Estima-se que entre 6% a 8% da população geral desenvolva transtorno de estresse pós-traumático em algum momento da vida. Além disso, sabe-se que essa condição pode ter uma origem genética, ou seja, parte do risco de desenvolver TEPT está nos genes herdados, embora também dependa de fatores ambientais.
Mas, apesar de ser relativamente comum, os mecanismos biológicos exatos que causam o transtorno de estresse pós-traumático ainda não são totalmente compreendidos.
Nos últimos anos, a ciência avançou muito na investigação da biologia do cérebro de pessoas que tiveram TEPT. Estudos com cérebros de doadores que faleceram permitiram analisar, em especial, regiões-chave como o córtex pré-frontal (envolvido no controle das emoções) e a amígdala (ligada ao medo e à memória emocional).

Nesses estudos, foram observadas alterações em genes e processos ligados à regulação emocional, como a sinalização de neurotransmissores (substâncias que transmitem informações entre neurônios), a resposta imune e a inflamação cerebral.
Também se percebeu que o sistema do hormônio do estresse, controlado pelos glicocorticoides, está alterado em pessoas com TEPT. No entanto, como essas mudanças afetam muitas áreas e funções do cérebro, os cientistas concluíram que não se pode culpar um único tipo de célula, o problema é mais complexo e envolve múltiplas células e interações.
O novo estudo abordado aqui dá um passo adiante: os pesquisadores analisaram mais de dois milhões de núcleos de células cerebrais, retirados de uma região chamada córtex pré-frontal dorsolateral (que ajuda a controlar pensamentos e comportamentos), em cérebros de três grupos de pessoas, aquelas com TEPT, aquelas com depressão maior e aquelas sem doenças mentais (grupo controle).

Para isso, usaram técnicas modernas que permitem estudar, célula por célula, tanto quais genes estão ativos (usando sequenciamento de RNA) quanto quais regiões do DNA estão acessíveis e podem ser ativadas (através de uma técnica chamada ATAC-seq). Essas duas abordagens juntas ajudam a entender não só o que está acontecendo nos genes, mas também como e por que isso ocorre.
Eles identificaram todos os principais tipos de células presentes nessa área do cérebro, incluindo neurônios excitatórios (que ativam sinais), neurônios inibitórios (que freiam sinais), e células não neuronais, como microglia (ligada à defesa imunológica do cérebro) e células endoteliais (que revestem os vasos sanguíneos).
Foi possível ver quais genes estavam ativados ou desativados de maneira anormal no TEPT, e comparar essas mudanças com o que se via na depressão, notando pontos em comum e diferenças entre os dois transtornos.
Usando outra técnica chamada transcriptômica espacial, que mostra onde exatamente essas mudanças ocorrem no tecido cerebral, os cientistas confirmaram que células como interneurônios que produzem somatostatina (SST) e a microglia estão profundamente afetadas no TEPT. Essas células parecem perder parte de sua capacidade de se comunicar com outras células cerebrais. Além disso, observaram que genes relacionados ao estresse, como o FKBP5, estão fortemente alterados.

A imagem mostra uma parte do cérebro chamada córtex pré-frontal (CPF), comparando pessoas sem TEPT (grupo controle) e pessoas com TEPT. Os cientistas analisaram onde exatamente um gene chamado FKBP5 está ativo. Esse gene, ligado ao estresse, aparece marcado em roxo escuro nas imagens. Cada pontinho colorido representa um núcleo de célula, sendo que as células dos vasos sanguíneos (chamadas endoteliais) estão em roxo claro. No grupo sem TEPT, há pouca atividade do FKBP5, mas em uma área ampliada da imagem é possível ver um vaso com maior expressão desse gene. Já no grupo com TEPT, a imagem mostra mais pontos escuros, indicando que o gene FKBP5 está mais ativo, especialmente nas células dos vasos. Isso ajuda a entender como o TEPT altera a atividade de certos genes em células específicas do cérebro.
Um dos grandes avanços do estudo foi a construção de um mapa detalhado de como os elementos reguladores do DNA, como os intensificadores (ou “enhancers”) e os promotores de genes, controlam a ativação genética em tipos específicos de células.
Isso permitiu aos cientistas localizar com precisão oito regiões do DNA que estão associadas ao risco genético de TEPT, e que influenciam genes importantes como ELFN1, MAD1L1 e KCNIP4, todos envolvidos na função cerebral e na regulação do estresse.
Curiosamente, uma descoberta inesperada foi que algumas das maiores alterações no sistema hormonal do estresse estavam presentes nas células endoteliais, que não são neurônios, mas sim células que revestem os vasos sanguíneos do cérebro.
Por fim, o estudo mostrou que os interneurônios liberadores de somatostatina, que normalmente ajudam a equilibrar a atividade cerebral e prevenir respostas exageradas, estão particularmente vulneráveis no TEPT.

Neuronios liberadores de somatostatin (verde). Image by Therese Riedemann
A redução de sua atividade e das mensagens químicas que transmitem pode contribuir para os sintomas da doença. No geral, a pesquisa oferece um retrato muito detalhado de como diferentes tipos de células no cérebro respondem ao trauma, mostrando que o TEPT não afeta apenas um sistema, mas envolve uma ampla rede de alterações genéticas e epigenéticas (ou seja, alterações que regulam os genes sem mudar o DNA em si).

Esses resultados não só ampliam o entendimento sobre como o trauma altera o cérebro em nível molecular, como também abrem portas para novos tratamentos, mais personalizados, que levem em conta os diferentes tipos celulares e vias envolvidas na doença.
A esperança é que, com esse conhecimento, possamos desenvolver terapias mais eficazes para ajudar quem sofre com TEPT a ter uma melhor qualidade de vida.
LEIA MAIS:
Single-cell transcriptomic and chromatin dynamics of the human brain in PTSD
Ahyeon Hwang, Mario Skarica, Siwei Xu, Jensine Coudriet, Che Yu Lee, Lin Lin, Rosemarie Terwilliger, Alexa-Nicole Sliby, Jiawei Wang, Tuan Nguyen, Hongyu Li, Min Wu, Yi Dai, Ziheng Duan, Shushrruth Sai Srinivasan, Xiangyu Zhang, Yingxin Lin, Dianne Cruz, P. J. Michael Deans, Traumatic Stress Brain Research Group, Bertrand R. Huber, Daniel Levey, Jill R. Glausier, David A. Lewis, Joel Gelernter, Paul E. Holtzheimer,
Matthew J. Friedman, Mark Gerstein, Nenad Sestan, Kristen J. Brennand, Ke Xu, Hongyu Zhao, John H. Krystal, Keith A. Young, Douglas E. Williamson,
Alicia Che, Jing Zhang, and Matthew J. Girgenti
Nature (2025). 18 June 2025
Abstract:
Post-traumatic stress disorder (PTSD) is a polygenic disorder occurring after extreme trauma exposure. Recent studies have begun to detail the molecular biology of PTSD. However, given the array of PTSD-perturbed molecular pathways identified so far1, it is implausible that a single cell type is responsible. Here we profile the molecular responses in over two million nuclei from the dorsolateral prefrontal cortex of 111 human brains, collected post-mortem from individuals with and without PTSD and major depressive disorder. We identify neuronal and non-neuronal cell-type clusters, gene expression changes and transcriptional regulators, and map the epigenomic regulome of PTSD in a cell-type-specific manner. Our analysis revealed PTSD-associated gene alterations in inhibitory neurons, endothelial cells and microglia and uncovered genes and pathways associated with glucocorticoid signalling, GABAergic transmission and neuroinflammation. We further validated these findings using cell-type-specific spatial transcriptomics, confirming disruption of key genes such as SST and FKBP5. By integrating genetic, transcriptomic and epigenetic data, we uncovered the regulatory mechanisms of credible variants that disrupt PTSD genes, including ELFN1, MAD1L1 and KCNIP4, in a cell-type-specific context. Together, these findings provide a comprehensive characterization of the cell-specific molecular regulatory mechanisms that underlie the persisting effects of traumatic stress response on the human prefrontal cortex.



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