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Tempo de Tela Infantil: Sintoma ou Causa de Distúrbios do Neurodesenvolvimento Como TDAH e Autismo?

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 17 de jan.
  • 5 min de leitura

Pais de crianças com transtornos do neurodesenvolvimento (TND) são frequentemente criticados por permitir que seus filhos passem muito tempo de tela para reduzir as dificuldades parentais, o que pode privar as crianças de oportunidades de adquirir habilidades linguísticas e sociais. Este é o primeiro estudo a mostrar que os riscos genéticos para o TND podem afetar o tempo de tela em crianças. Assim, cuidadores de crianças com os transtornos devem ser ajudados e receber estratégias alternativas de gerenciamento comportamental.


O neurodesenvolvimento (ND) refere-se ao processo pelo qual o sistema nervoso, incluindo o cérebro, a medula espinhal e os nervos periféricos, se desenvolve e se organiza desde a concepção até a maturidade.


Este processo envolve uma série de etapas complexas que permitem a formação das estruturas neurais e a comunicação eficiente entre as células nervosas, ou neurônios. 


O neurodesenvolvimento é fundamental para o crescimento físico, cognitivo, emocional e social de um indivíduo. Os eventos do ND que ocorrem no período Pré-Natal são a Proliferação Neural, que ocorre após a concepção, as células-tronco neurais se multiplicam rapidamente, formando uma grande quantidade de células nervosas. 

Representação dos principais eventos do neurodesenvolvimento no nível celular. Fonte: Michael Aschner, DOI: 10.14573/altex.1604201. Licença CC BY 4.0


Ja fase de diferenciação as células nervosas se especializam em diferentes tipos de neurônios e células da glia (células de suporte). Na fase de Migração Neural, as células neurais recém-formadas migram para diferentes regiões do cérebro, onde se posicionam para formar as estruturas cerebrais. 


Por fim a fase de organização, onde os neurônios começam a formar conexões entre si, criando sinapses. Este é o início da rede neural que permitirá a comunicação entre as diferentes partes do cérebro e o corpo.


No período Pós-Natal (Infância e Adolescência), os eventos do ND são a sinaptogênese, mesmo  após o nascimento, o cérebro continua a formar novas sinapses a uma taxa muito alta. Isso é crucial para o aprendizado e desenvolvimento das habilidades motoras, linguísticas e cognitivas.


Com o tempo, o cérebro elimina sinapses que não são usadas com frequência, um processo conhecido como poda sináptica. Isso ajuda a tornar as conexões neurais mais eficientes. Esse evento é chamado de Poda Sináptica.


O ultimo estagio de desenvolvimento e maturação é a Mielinização. A mielina, uma substância que reveste os axônios dos neurônios, se forma durante a infância e adolescência. Esse revestimento é essencial para a transmissão rápida e eficiente dos impulsos nervosos. 

Imagens de ressonancia magnetica (MRI) mostrando o desenvolvimento cerebral em humanos. Fonte: New Oxford Neurodevelopment Consortium


Durante a adolescência, o cérebro continua a se desenvolver, especialmente no córtex pré-frontal, que está associado ao planejamento, tomada de decisão e controle de impulsos. Este desenvolvimento continua até o início da idade adulta.


O neurodesenvolvimento é influenciado por fatores genéticos e ambientais, como nutrição, estímulos sensoriais e experiências sociais.


Uma interação adequada entre esses fatores é essencial para o desenvolvimento saudável, enquanto interrupções podem levar a distúrbios como autismo e TDAH. Durante a adolescência, o cérebro, especialmente o córtex pré-frontal, continua a amadurecer, o que é vital para o controle de impulsos e a tomada de decisões. 


O neurodesenvolvimento, portanto, molda a capacidade de um indivíduo de aprender, adaptar-se e interagir com o mundo ao longo da vida.


Recentemente, o impacto do tempo de tela na infância sobre o risco de desenvolver distúrbios do neurodesenvolvimento, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), tem gerado muita discussão. 


Alguns estudos sugerem que reduzir o tempo de tela pode proteger contra esses distúrbios, enquanto outros não encontram uma associação direta. Essas diferenças nos resultados tornam difícil afirmar com certeza se existe uma relação causal entre o tempo de tela e os distúrbios do neurodesenvolvimento.

Para explorar melhor essa questão, um estudo recente, publicado por pesquisadores da Nagoya University Graduate School of Medicine, Japão, investigou a ligação entre os riscos genéticos para distúrbios do neurodesenvolvimento e o tempo de tela em crianças. 


Utilizando dados de um estudo de coorte de longo prazo em Hamamatsu, Japão, os pesquisadores acompanharam crianças de 24 a 40 meses de idade, monitorando o tempo de tela relatado pelos pais.


A avaliação incluiu entrevistas baseadas em um questionário padronizado, enquanto os riscos genéticos foram calculados com base em pontuações de risco poligênico para TEA e TDAH.


Os resultados mostraram que as crianças apresentaram diferentes trajetórias de tempo de tela ao longo do tempo. Algumas mantiveram um tempo de tela baixo, enquanto outras experimentaram aumento ou diminuição desse tempo. 


O estudo descobriu que o risco genético para TEA estava associado a maiores durações de tempo de tela, sugerindo que crianças com maior risco genético para TEA podem ser mais atraídas por estímulos de tela.


Por outro lado, o risco genético para TDAH estava associado a aumentos no tempo de tela, o que pode estar relacionado à tendência dessas crianças de se envolverem mais em atividades como jogos.

O estudo também encontrou evidências de que ter irmãos pode atuar como um fator protetor contra o aumento do tempo de tela, possivelmente devido ao maior envolvimento em brincadeiras ao ar livre e desenvolvimento de habilidades sociais.


Isso sugere que o ambiente familiar pode influenciar significativamente o comportamento relacionado ao uso de telas.


Apesar de suas descobertas inovadoras, o estudo reconheceu algumas limitações. O tempo de tela foi auto-relatado pelos pais, o que pode introduzir vieses de subestimação.


Além disso, o tipo de conteúdo consumido durante o tempo de tela não foi diferenciado, o que pode ter implicações diferentes no desenvolvimento infantil. Por fim, o estudo não incluiu diagnósticos formais de TEA e TDAH, o que limita a generalização de suas conclusões.


Essas descobertas destacam a complexidade da relação entre o tempo de tela e o desenvolvimento de distúrbios do neurodesenvolvimento, apontando para a necessidade de apoio aos cuidadores de crianças com riscos genéticos elevados e para mais pesquisas para entender melhor essa dinâmica.



LEIA MAIS:


The association between screen time and genetic risks for neurodevelopmental disorders in children

Nagahide Takahash, Kenji J. Tsuchiya, Akemi Okumura, Taeko Harada, Toshiki Iwabuchi, Md Shafiur Rahman, Hitoshi Kuwabara, Yoko Nomura, and Tomoko Nishimura 

Psychiatry Research, Volume 327, September 2023, 115395


Abstract:


Whether longer screen time in infancy increases risk of neurodevelopmental disorders (NDDs) such as autism spectrum disorder (ASD) and ADHD has long been debated, but no causal relationship between the two remains has been established. Using ongoing longitudinal cohort data, we found that in children 24 to 40 months of age, the genetic risk of ASD was associated with longer screen time and that of ADHD with an increase in screen time over time. These data suggest that prolonged screen time may not be a cause of the genetic risk for NDD, but an early sign of NDDs.

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