Autismo: Estudo Revela Falha em Circuito Cerebral que Afeta o Interesse Social
- Lidi Garcia
- há 4 dias
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O Transtorno do Espectro Autista (TEA) afeta a forma como a pessoa se comunica e se relaciona com os outros. Um dos principais sinais é a dificuldade em prestar atenção e se interessar por interações sociais. Este estudo investigou uma possível explicação para isso, focando em uma parte do cérebro chamada Colículo Superior (CS), que ajuda a direcionar a atenção para estímulos importantes, como rostos.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do desenvolvimento do cérebro que afeta a forma como uma pessoa se comunica, interage socialmente e se comporta.
Pessoas com TEA costumam ter dificuldade para se envolver com outras pessoas e tendem a repetir certos comportamentos ou interesses. Um dos principais desafios enfrentados por quem tem o Transtorno do Espectro Autista é o baixo interesse em interações sociais, o que torna difícil criar laços com os outros.
Muitos cientistas acreditam que isso está ligado a um problema na chamada “motivação social”, ou seja, a vontade natural que sentimos de buscar o contato com outras pessoas e sentir prazer nessas relações.
A teoria da motivação social sugere que as pessoas com TEA têm menos interesse ou prazer em interações sociais. Estudos mostram que elas tendem a prestar menos atenção a sinais sociais, como expressões faciais ou contato visual, e acham menos recompensador esse tipo de interação.
Essa teoria tem guiado muitos estudos e reforça a importância de identificar o autismo o quanto antes, para que as crianças possam receber apoio especializado desde cedo.

Uma ferramenta que tem ajudado muito os cientistas a entender esses comportamentos é o rastreamento ocular, que permite ver exatamente para onde a pessoa está olhando. Esses estudos revelaram que, desde muito pequenas, crianças com TEA olham menos para rostos ou para os olhos das pessoas.
Quando observam cenas sociais mais complexas, o padrão de olhar dessas crianças é muito diferente do de crianças com desenvolvimento típico. Elas focam mais em áreas como a boca ou fora do rosto, ignorando os olhos, região rica em pistas emocionais e sociais.

Além disso, estudos mostram que as crianças com Transtorno do Espectro Autista têm dificuldades para mudar o foco da atenção, o que pode estar ligado ao aparecimento de sintomas do autismo.
Esses comportamentos diferentes aparecem bem cedo na infância, o que indica que há algo diferente nos circuitos cerebrais dessas crianças, especialmente nas áreas envolvidas na percepção e resposta a estímulos sociais.
Um desses circuitos envolve uma região do cérebro chamada Colículo Superior (CS), que está localizada no tronco cerebral e é responsável por ajudar a direcionar a atenção para estímulos visuais importantes.
Em pessoas com Transtorno do Espectro Autista, acredita-se que o funcionamento dessa região pode estar alterado. Estudos em animais mostraram que o Colículo Superior se conecta com áreas do cérebro relacionadas à motivação e ao prazer, como a Área Tegmentar Ventral (ATV), e que essas conexões ajudam a aprender e responder a interações sociais.

Para investigar mais a fundo, este estudo combinou pesquisas com camundongos modificados geneticamente (com uma mutação no gene Shank3, associado ao autismo) e crianças pequenas diagnosticadas com TEA.
Os pesquisadores, da University of Geneva, descobriram que tanto os camundongos quanto as crianças apresentavam dificuldades em prestar atenção a estímulos sociais. Nas crianças, exames de imagem mostraram que havia uma redução na comunicação entre o Colículo Superior e a Área Tegmentar Ventral. Já nos camundongos, os cientistas observaram menos atividade em neurônios que conectam essas duas áreas.
Além disso, essas mudanças nos cérebros dos camundongos estavam ligadas a comportamentos semelhantes aos observados nas crianças com TEA.

a) Esta parte mostra como os camundongos foram criados e como foi feito o teste de orientação social. Esse teste avalia o quanto eles se interessam por outro camundongo jovem colocado diante deles.
b) No painel superior, vemos mapas de calor que mostram onde o estímulo social (outro camundongo) ficou posicionado durante o teste. No painel inferior, os gráficos (em forma de “violino”) mostram quanto tempo os camundongos de dois grupos diferentes passaram olhando para o outro camundongo. Camundongos com uma alteração genética associada ao autismo (Shank3−/−) passaram menos tempo olhando para o estímulo social do que os camundongos típicos (Shank3+/+), indicando menor interesse social. Essa diferença foi estatisticamente significativa.
c) Em humanos, foram usados vídeos para testar o interesse visual por informações sociais (por exemplo, rostos e interações entre pessoas). Os gráficos mostram que crianças com autismo (em verde) prestaram menos atenção às informações sociais do que crianças com desenvolvimento típico (em azul), e essa diferença foi bastante clara.
d) Neste experimento, as crianças assistiram a cenas sociais mais complexas. O índice de proximidade, que mostra o quanto os olhos da criança estavam próximos aos elementos sociais importantes da cena, também foi menor nas crianças com autismo, o que indica uma atenção reduzida às informações sociais mais ricas.
e-f) Esses gráficos mostram a gravidade dos sintomas comportamentais segundo a Escala de Observação para Diagnóstico do Autismo (ADOS). Crianças com autismo apresentaram mais sintomas tanto na área de interação social (e) quanto em comportamentos repetitivos (f), em comparação com crianças com desenvolvimento típico.
g-j) Por fim, estas partes mostram os resultados de testes que medem o desenvolvimento cognitivo em diferentes áreas. Crianças com autismo pontuaram mais baixo em habilidades como percepção visual (g), coordenação motora fina (h), compreensão da linguagem (i) e fala (j), o que mostra atrasos em várias áreas do desenvolvimento.

Os pesquisadores acreditam que essas alterações podem funcionar como um “sinal biológico” (ou biomarcador), ajudando a identificar quais crianças podem se beneficiar mais de intervenções específicas.
Esses achados trazem uma nova compreensão sobre como o cérebro de pessoas com Transtorno do Espectro Autista funciona e indicam possíveis caminhos para tratamentos mais eficazes, que comecem o quanto antes para melhorar o desenvolvimento social dessas crianças.
LEIA MAIS:
Translational research approach to social orienting deficits in autism: the role of superior colliculus-ventral tegmental pathway
Alessandro Contestabile, Nada Kojovic, Giulia Casarotto, Farnaz Delavari, Patric Hagmann, Marie Schaer and Camilla Bellone
Molecular Psychiatry. 5 April 2025
DOI: 10.1038/s41380-025-02962-w
Abstract:
Autism Spectrum Disorder (ASD) is characterized by impairments in social interaction and repetitive behaviors. A key characteristic of ASD is a decreased interest in social interactions, which affects individuals’ ability to engage with their social environment. This study explores the neurobiological basis of these social deficits, focusing on the pathway between the Superior Colliculus (SC) and the Ventral Tegmental Area (VTA). Adopting a translational approach, our research used Shank3 knockout mice (Shank3−/−), which parallel a clinical cohort of young children with ASD, to investigate these mechanisms. We observed consistent deficits in social orienting across species. In children with ASD, fMRI analyses revealed a significant decrease in connectivity between the SC and VTA. Additionally, using miniscopes in mice, we identified a reduction in the frequency of calcium transients in SC neurons projecting to the VTA, accompanied by changes in neuronal correlation and intrinsic cellular properties. Notably, the interneuronal correlation in Shank3−/− mice and the functional connectivity of the SC to VTA pathway in children with ASD correlated with the severity of social deficits. Our findings underscore the potential of the SC-VTA pathway as a biomarker for ASD and open new avenues for therapeutic interventions, highlighting the importance of early detection and targeted treatment strategies.
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