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Herança Invisível: Traumas da Mãe Podem Afetar o TDAH e Autismo dos Filhos

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 2 de mai.
  • 4 min de leitura

Crianças com TDAH ou autismo costumam ter mais experiências difíceis na infância, como violência ou problemas familiares. O estudo mostrou que essas situações também são comuns na infância das mães dessas crianças, e que isso pode afetar o bem-estar emocional dos filhos. Ou seja, traumas vividos pelos pais podem se refletir nos filhos, o que reforça a importância de cuidar da saúde mental de toda a família.


Experiências adversas na infância, conhecidas como ACEs (sigla em inglês para Adverse Childhood Experiences), são eventos difíceis ou traumáticos que ocorrem nos primeiros 18 anos de vida. Isso inclui situações como abuso físico ou emocional, negligência, separações familiares conturbadas, violência doméstica ou pais com problemas de saúde mental ou vício. 


Em 1998, um estudo mostrou que essas experiências podem causar sérios problemas de saúde física e mental ao longo da vida.


Desde então, muitos outros estudos confirmaram que essas dificuldades podem afetar até mesmo o desempenho escolar de crianças pequenas, como dificuldades com linguagem, matemática e atenção, além de comportamentos como agressividade, ansiedade e depressão.


Pesquisas mais recentes têm mostrado uma ligação entre essas experiências traumáticas e os chamados transtornos do neurodesenvolvimento (TND), como o TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) e o autismo. 

Crianças com esses transtornos costumam estar mais expostas a situações difíceis em casa e na comunidade, como pais separados, pobreza, violência, ou uso de drogas por membros da família.


Por outro lado, crianças que passam por muitas dessas experiências também têm mais chance de apresentar sintomas relacionados a TDAH, o que mostra que a relação pode funcionar nos dois sentidos.


Além disso, crianças com transtornos do neurodesenvolvimento podem sofrer ainda mais com os efeitos das experiências adversas, tanto porque são mais vulneráveis quanto porque muitas vezes têm mais dificuldade de acesso a tratamentos adequados.


Essas experiências também estão ligadas a diagnósticos tardios desses transtornos, o que atrasa o início de intervenções importantes. 


Quando a criança tem tanto um transtorno de neurodesenvolvimento quanto um histórico de experiências adversas, o risco de desenvolver problemas psiquiátricos mais graves, como episódios de mania ou depressão severa, é ainda maior. Isso mostra a importância de olhar para esses dois fatores juntos no cuidado clínico.

Os transtornos do neurodesenvolvimento, como o TDAH e o autismo, também têm um componente genético importante e costumam aparecer em várias pessoas da mesma família. Estudos mostram que muitos pais de crianças com TDAH, por exemplo, também apresentam sintomas do transtorno. 


No entanto, apesar de sabermos que há uma relação entre transtornos do neurodesenvolvimento e ACEs em crianças, ainda não havia estudos que investigassem se essa mesma relação acontece também entre os pais, ou seja, se pais com transtornos do neurodesenvolvimento também têm um histórico maior de experiências adversas na infância.


Outras pesquisas mostram que o impacto das experiências adversas pode se estender de uma geração para outra. Por exemplo, mães que passaram por situações difíceis na infância têm mais risco de desenvolver depressão durante a gravidez e após o parto, e isso pode afetar a saúde física e emocional do bebê. 

Além disso, quando os pais ou cuidadores passaram por várias ACEs, há uma chance maior de que seus filhos também passem por situações semelhantes. Esse fenômeno é chamado de continuidade intergeracional de ACEs. 


Ainda assim, pouco se sabe sobre como isso acontece em famílias em que há transtornos de neurodesenvolvimento. Se essa relação for confirmada, a pontuação de ACEs nos pais poderia ser usada como um alerta precoce para identificar crianças em risco.


Diante disso, o estudo apresentado por pesquisadores da University of Gothenburg, teve três principais objetivos: verificar se existe uma relação entre os traumas vividos pelos pais e os vividos por seus filhos com transtornos do neurodesenvolvimento; investigar se pais com traços de TDAH ou autismo também relataram mais experiências traumáticas na infância; e entender se esses fatores estão ligados a problemas emocionais ou comportamentais nas crianças.

O estudo foi realizado na Suécia com 86 mães, 37 pais e 48 crianças diagnosticadas com TDAH e/ou autismo. Os pais responderam a questionários sobre sua própria infância, traços de transtornos do neurodesenvolvimento e os comportamentos dos filhos. Já as crianças relataram as experiências difíceis que vivenciaram.


Os resultados mostraram que mães que passaram por mais experiências traumáticas na infância tinham filhos que também relataram mais dessas experiências. Além disso, essas mães também apresentaram mais traços de TDAH e autismo. 


Entre as crianças, aquelas que relataram mais ACEs também apresentaram mais problemas emocionais. Outro dado importante foi que os traumas vividos pelas mães estavam ligados a mais dificuldades comportamentais e emocionais nos filhos. Curiosamente, essas mesmas associações não foram observadas nos pais.


Em resumo, o estudo reforça a importância de investigar o histórico de traumas em mães de crianças com TDAH ou autismo. Isso pode ajudar os profissionais da saúde a oferecer um cuidado mais completo, considerando tanto a criança quanto a experiência de vida dos pais. O estudo também sugere que é preciso explorar mais o papel dos pais (homens) nesse contexto em futuras pesquisas.



LEIA MAIS:


Adverse childhood experiences in children with neurodevelopmental disorders and their parents

Maria Davidsson, Frida Ringström, Bibbi Hagberg, Christopher Gillberg and Eva Billstedt

Nordic Journal of Psychiatry. Volume 79, 2025 - Issue 3

DOI: 10.1080/08039488.2025.2469737


Abstract


Adverse childhood experiences (ACEs) are potentially traumatic events associated with negative health outcomes. Children with neurodevelopmental disorders (NDD) are at increased risk of ACEs, however, research on ACEs in children with NDD and their parents, and its possible relation to child problems, is limited. We aimed to explore the association between ACEs in parents and children; if there is an association between parental ACEs and NDD traits, and if ACEs in parents or children are associated with the child’s emotional behavioral problems. The study included 86 mothers, 37 fathers, and 48 children diagnosed with attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) and/or autism spectrum disorder (ASD), recruited from two child psychiatric clinics in Sweden. Parents provided demographic information and reported their own ACEs, NDD traits, and their children’s emotional and behavioral problems. Children responded to measure of ACEs. Maternal ACEs were significantly correlated with child ACEs (r = 0.382, p = 0.034), as well as with maternal ADHD traits (r = 0.451, p < 0.001) and ASD traits (r = 0.451, p < 0.001). Child ACEs also correlated with child emotional problems (r = 0.304, p = 0.038). Regression analysis revealed a relationship between maternal ACEs and child emotional and behavioral problems (β = 0.511, p = 0.036). None of these associations were found in fathers. This study highlights the need for ACE screenings in evaluations of children with ADHD/ASD and suggests clinicians to consider maternal trauma and maternal NDD traits. Future research should explore paternal involvement.

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