Telas e Cérebro Adolescente: Excesso de Telas na Pré-adolescência Prevê TDAH e Crescimento Cerebral Mais Lento
- Lidi Garcia
- 28 de nov.
- 6 min de leitura

Esta pesquisa discute como o aumento do tempo de tela entre adolescentes está relacionado ao sono, comportamento e saúde mental, especialmente aos sintomas do TDAH. Estudos mostram que o uso prolongado de telas pode estar associado a mudanças no cérebro e ao aumento de sintomas de impulsividade e desatenção, embora nem sempre de forma intensa. Um estudo longitudinal com milhares de crianças observou que maior tempo de tela estava ligado ao aumento gradual dos sintomas de TDAH e a pequenas mudanças na estrutura cortical. A relação existe, mas ainda é considerada moderada e necessita de mais pesquisas para entender se é causa ou consequência.
Nos últimos anos, o tempo que adolescentes passam em frente a telas, como celulares, tablets, computadores e televisões, tem aumentado em vários países. Esse crescimento se tornou ainda mais evidente durante e após a pandemia de COVID-19. O tempo dedicado às telas influencia diretamente hábitos importantes da vida diária, como a quantidade de atividade física e a qualidade e duração do sono.
Além disso, pesquisas indicam que esse comportamento pode afetar negativamente a saúde mental, o desenvolvimento do cérebro e o comportamento social dos jovens.
A adolescência é um período especialmente sensível, pois é nessa fase que ocorrem mudanças profundas no corpo, no cérebro e na identidade. Por isso, muitos especialistas recomendam limitar o tempo de tela, mesmo que na prática muitos adolescentes ainda passem longas horas expostos aos dispositivos digitais.
Quando analisamos a relação entre o tempo de tela e a saúde mental, vários estudos mostram que quanto maior o tempo diário em frente às telas, maior é a probabilidade de surgirem comportamentos associados ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Esse transtorno se caracteriza por dificuldades de atenção, impulsividade e, em alguns casos, hiperatividade física. Pesquisas apontam que longos períodos em frente a telas estão associados a um aumento da gravidade desses sintomas e até mesmo a um risco maior de preencher os critérios diagnósticos para TDAH.
No entanto, é importante destacar que outros estudos mostram que essa relação, apesar de existir, costuma ser fraca. Ou seja, o aumento do tempo de tela não significa necessariamente que o adolescente terá TDAH, e em muitos casos o impacto observado não é considerado clinicamente relevante.
Além das questões comportamentais, pesquisadores também investigaram como o uso de telas se relaciona com mudanças estruturais no cérebro. Existem pesquisas que indicam que o tempo de tela pode estar associado a mudanças sutis no desenvolvimento de substância branca e cinzenta em regiões como o córtex pré-frontal, o córtex orbitofrontal e o córtex cingulado anterior, áreas relacionadas ao controle emocional, tomada de decisões e planejamento de ações.
No entanto, outros estudos maiores não encontraram evidências consistentes dessas alterações. Isso sugere que os efeitos podem existir, mas provavelmente são pequenos ou variam de acordo com o tipo de uso, idade, ambiente familiar e outras influências.

Também foram propostos mecanismos que explicam como o tempo de tela pode influenciar sintomas relacionados ao TDAH. Entre esses mecanismos, dois se destacam: a impulsividade e a qualidade do sono. A teoria é que o consumo constante de conteúdos digitais rápidos, com recompensas imediatas, pode estimular comportamentos impulsivos.
Além disso, o uso excessivo de telas, especialmente durante a noite, pode prejudicar o sono, e noites mal dormidas estão relacionadas ao aumento de sintomas de desatenção e hiperatividade.
Outra linha de pesquisa sugere que a relação entre telas e sintomas do TDAH pode envolver mudanças neurológicas, como atraso no desenvolvimento cortical ou redução no volume de substância cinzenta, encontrados tanto em indivíduos com TDAH quanto em jovens expostos a longos períodos de tela.
Apesar do crescente interesse científico, a maioria dos estudos feitos até agora foram transversais, ou seja, analisaram os participantes em apenas um momento. Esse tipo de estudo ajuda a encontrar associações, mas não permite afirmar se o tempo de tela causa mudanças no cérebro ou nos sintomas do TDAH, ou se crianças com predisposição ao TDAH simplesmente buscam mais telas.
Para responder melhor essas questões, pesquisadores utilizaram dados do estudo ABCD, um dos maiores estudos longitudinais sobre desenvolvimento infantil no mundo, envolvendo mais de 11 mil crianças acompanhadas ao longo do tempo.

No presente estudo, os pesquisadores analisaram dados de mais de dez mil crianças entre nove e dez anos de idade e acompanharam parte delas dois anos depois. Eles avaliaram quanto tempo os participantes passavam em frente às telas, a presença e evolução dos sintomas de TDAH e características da estrutura cerebral obtidas por neuroimagem.
A análise indicou que crianças que passavam mais tempo em telas apresentaram ao longo do tempo aumento discreto, porém estatisticamente significativo, nos sintomas de TDAH. Além disso, o maior tempo de tela foi associado a uma redução da espessura cortical em regiões específicas do cérebro. Foi observado também que o volume cortical total teve um papel mediador, embora modesto, na relação entre tempo de tela e sintomas de TDAH.

Essa figura mostra, de forma visual e simplificada, como o tempo que as crianças passam usando telas (como celular, computador, tablet ou TV) está relacionado a mudanças na estrutura do cérebro. As áreas coloridas do cérebro nos mapas (A, B e C) indicam onde essa relação foi observada. Quanto mais forte a cor azul, maior a relação negativa, ou seja, mais tempo de tela está ligado a um volume ou espessura menor nessas regiões. No painel A, vemos as áreas do cérebro relacionadas ao volume do córtex (a parte externa do cérebro). No painel B, a imagem destaca o putâmen direito, uma estrutura interna do cérebro importante para funções como motivação e controle motor, mostrando que ele também parece diminuir com mais tempo de tela. No painel C, as cores representam mudanças na espessura cortical, que é importante porque a espessura dessa camada está ligada ao desenvolvimento cognitivo. Já os gráficos D e E mostram pontos representando milhares de crianças: quanto mais para a direita no gráfico (mais tempo de tela), mais baixo tende a ser o volume do putâmen e do volume cortical total. As linhas azuis indicam a tendência geral dessa relação, mesmo que os pontos sejam espalhados, a inclinação da linha mostra que existe um padrão: maior tempo de tela está ligado a um volume cerebral um pouco menor. Em resumo, a figura indica que mais tempo em frente às telas está associado a pequenas reduções em partes do cérebro envolvidas em funções cognitivas, motoras e emocionais, sugerindo que o uso excessivo pode afetar o desenvolvimento cerebral ao longo do tempo.
Esses resultados sugerem que existe uma relação entre o tempo gasto em frente às telas, mudanças cerebrais e sintomas relacionados ao TDAH, embora os efeitos observados não sejam grandes e ainda precisem ser explorados mais profundamente.
O estudo contribui para a compreensão dos mecanismos que conectam o ambiente digital ao neurodesenvolvimento e reforça a necessidade de mais pesquisas, especialmente experimentais e longitudinais, para determinar se essas mudanças são causais ou resultado de interações mais complexas entre predisposição biológica e estilo de vida.
LEIA MAIS:
Association of screen time with attention-deficit/hyperactivity disorder symptoms and their development: the mediating role of brain structure
Shou Q, Yamashita M, And Mizuno Y.
Transl Psychiatry 15, 447 (2025)
Abstract:
The association among screen time, attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) symptom development, and brain structure, and the neural mechanisms underlying the association between screen time and ADHD symptoms remain unclear. This study examines the relationships between the three using large-scale longitudinal data from the Adolescent Brain Cognitive Development (ABCD) study. Data on screen time, ADHD symptoms (measured via the Child Behavior Checklist), and brain structure were extracted from 10,116 children at baseline (ages 9–10) and 7880 children at a two-year follow-up. A linear mixed-effects model was used to assess the association between baseline screen time and changes in ADHD symptoms and brain structure after two years. Additionally, the mediating role of brain structure on the association between screen time and ADHD symptoms was examined. The results showed that screen time was associated with increased ADHD symptoms (β = 0.032, p = 0.001) and reduced cortical thickness in specific regions (right temporal pole: β = −0.036, false discovery rate (FDR)-corrected p = 0.020; left superior frontal gyrus: β = −0.028, FDR-corrected p = 0.020; and left rostral middle frontal gyrus: β = −0.030, FDR-corrected p = 0.020). Total cortical volume partially mediated the relationship between screen time and ADHD symptoms (β = 0.001, p = 0.023) at baseline. These findings suggest that screen time is associated with ADHD symptoms and brain structure, as well as their development, potentially providing insights into the neural mechanisms underlying the association between screen time and ADHD symptomatology.



Comentários