O Novo Panorama do TDAH: Tratamentos, Mitos e Descobertas Recentes
- Lidi Garcia
- há 2 dias
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O TDAH é um transtorno que dificulta manter a atenção, controlar a impulsividade e reduzir a agitação. Ele começa geralmente na infância, mas em muitos casos continua afetando a vida adulta. Existem muitos tipos de tratamento para o TDAH, como medicamentos, terapias, mudanças no estilo de vida e outras intervenções. Como existe muita informação espalhada e, às vezes, até contraditória, pesquisadores fizeram um grande estudo reunindo todos os dados disponíveis. Eles analisaram centenas de pesquisas e criaram uma plataforma online gratuita para mostrar, de forma simples, quais tratamentos funcionam melhor, para quem e com qual nível de certeza científica. Essa plataforma ajuda médicos, pacientes e famílias a tomarem decisões mais informadas sobre o tratamento.
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é uma condição marcada por dificuldades persistentes e incapacitantes de atenção, hiperatividade, impulsividade ou uma combinação desses fatores. Estima-se que aproximadamente 5% das crianças sejam afetadas pelo transtorno, e que, em cerca de 70% dos casos, os sintomas continuem a causar prejuízo na vida adulta.
O TDAH geralmente aparece junto com outros transtornos, como problemas de humor, ansiedade e transtornos relacionados ao uso de substâncias. Além disso, ele costuma vir acompanhado de desafios como desregulação emocional e dificuldades nas chamadas funções executivas, que são habilidades mentais responsáveis pelo planejamento, organização e controle do comportamento.
Por causa desses sintomas e comorbidades, o TDAH está associado a uma série de desfechos negativos na vida das pessoas, como desempenho acadêmico mais baixo, prejuízos nos relacionamentos, maior risco de acidentes, lesões físicas e queda na qualidade de vida. O impacto não é apenas individual: o transtorno também gera um custo econômico expressivo. Nos Estados Unidos, estima-se que gastos sociais anuais cheguem a 19,4 bilhões de dólares para crianças, 13,8 bilhões para adolescentes e 122,8 bilhões para adultos.

As intervenções disponíveis para o manejo dos sintomas do TDAH são variadas e incluem tanto medicamentos quanto abordagens não farmacológicas. Entre os medicamentos, destacam-se os estimulantes, como metilfenidato (Ritalina e Concerta) e anfetaminas, e os não estimulantes, como atomoxetina (Atentah), bupropiona (Wellbutrin), clonidina (Atensina), guanfacina (Intuniv,) e viloxazina (Qelbree). Já as estratégias não medicamentosas incluem terapias comportamentais, intervenções na alimentação e técnicas como neurofeedback.
As diretrizes clínicas atuais geralmente recomendam o uso de medicamentos como primeira escolha, especialmente os estimulantes, associado a intervenções comportamentais ou cognitivas, de modo a oferecer um tratamento mais completo e ajustável às necessidades do paciente.
Apesar de existirem diversas meta-análises avaliando essas intervenções, a utilidade prática desses estudos para profissionais clínicos ainda é limitada. Isso ocorre porque muitas meta-análises se concentram apenas em intervenções ou desfechos muito específicos, não respondendo às perguntas mais frequentes de profissionais e pacientes.
Outro problema é que análises diferentes frequentemente chegam a conclusões contraditórias sobre a mesma intervenção, como no caso do neurofeedback ou do treinamento cognitivo. Além disso, muitas dessas análises não avaliam adequadamente a qualidade das evidências, o que dificulta a implementação de um manejo realmente baseado em provas científicas.

A situação se agrava pela falta de divulgação acessível: resultados científicos costumam ficar restritos a publicações acadêmicas, o que deixa pacientes e familiares sem informações claras e confiáveis sobre terapias, especialmente as não medicamentosas e as relacionadas ao tratamento de comorbidades. Pessoas com experiência vivida de TDAH têm solicitado recursos online mais completos, capazes de resumir evidências de maneira clara e aplicável no dia a dia.
Diante dessas limitações, tornou-se necessária uma revisão abrangente que avaliasse, de forma completa, os efeitos das diferentes intervenções para o TDAH ao longo de toda a vida e ainda examinasse a qualidade das evidências disponíveis.
Essa revisão também deveria ser acompanhada de uma forma eficiente de disseminação dos resultados. Com essa finalidade, e seguindo a metodologia proposta pela estrutura U-REACH, um modelo que integra revisão, avaliação, análise e comunicação de evidências, foi realizada uma revisão ampla das intervenções voltadas a crianças, adolescentes e adultos com TDAH.
O objetivo era avaliar tanto os efeitos quanto o nível de confiança das evidências para diferentes tratamentos e, ao mesmo tempo, tornar essas informações acessíveis para clínicos, pacientes, pessoas com TDAH, elaboradores de diretrizes e demais interessados. Para isso, os pesquisadores desenvolveram também uma plataforma online de acesso aberto, que apresenta os resultados de forma organizada e fácil de navegar.

A revisão teve como objetivo principal avaliar os efeitos das intervenções para o TDAH ao longo da vida e criar uma plataforma online atualizada continuamente, que permitisse às pessoas com experiência vivida no transtorno acompanhar as evidências em tempo real e utilizá-las como suporte para decisões compartilhadas com profissionais de saúde.
O estudo foi estruturado como uma revisão abrangente, combinada com o desenvolvimento de uma ferramenta digital de apoio à decisão. As buscas foram realizadas em seis bases de dados, desde sua criação até janeiro de 2025, e os autores dos estudos foram contatados quando informações adicionais eram necessárias.
Foram consideradas elegíveis revisões sistemáticas que incluíssem meta-análises de ensaios clínicos randomizados comparando qualquer intervenção medicamentosa ou não medicamentosa com um grupo controle passivo em participantes diagnosticados com TDAH.
Os desfechos principais incluíam a gravidade dos sintomas, avaliada por diferentes tipos de observadores (como clínicos, pais, professores ou pelos próprios pacientes), e também em diferentes períodos de acompanhamento, como curto, médio e longo prazo.
Além disso, foram avaliadas a aceitabilidade das intervenções, medida pelo número de desistências por qualquer motivo, e a tolerabilidade, medida pelo número de desistências devido a efeitos colaterais. Entre os desfechos secundários estavam o funcionamento diário, a qualidade de vida, os sintomas de transtornos associados e efeitos colaterais importantes, como problemas de sono e diminuição do apetite.

Entre os 414 artigos analisados integralmente, 115 preencheram os critérios de elegibilidade e 299 foram excluídos. Os artigos incluídos representaram 221 combinações distintas envolvendo tipo de participante, tipo de intervenção, comparador e desfecho. Para cada uma dessas combinações, foi selecionada a meta-análise mais recente e mais robusta metodologicamente, resultando em 221 análises reestimadas, derivadas de 47 relatórios originais.
Os resultados mostraram que, no curto prazo, os agonistas alfa-2, as anfetaminas, a atomoxetina (Atentah), o metilfenidato (Ritalina e Concerta) e a viloxazina (Qelbree) apresentaram efeitos de tamanho médio a grande na redução dos sintomas de TDAH em crianças e adolescentes, com evidências de qualidade moderada a alta.
O metilfenidato, e deve ser usado sob estrita prescrição médica devido ao risco de , em particular, mostrou benefícios consistentes entre diferentes avaliadores, com efeitos significativamente superiores ao placebo. Essas medicações apresentaram tolerabilidade inferior ao placebo, embora esse efeito não tenha sido significativo para metilfenidato e atomoxetina.
Em adultos, intervenções como atomoxetina, metilfenidato, terapia cognitivo-comportamental e, em análises restritas a estudos de alta qualidade, as anfetaminas, apresentaram eficácia com pelo menos confiança moderada, com efeitos de magnitude média.

Medicamentos como metilfenidato, anfetaminas e atomoxetina apresentaram tolerabilidade inferior à do placebo, com maior taxa de desistência devido a efeitos colaterais. Algumas intervenções não medicamentosas, como acupuntura e terapia cognitivo-comportamental em crianças e adolescentes, e mindfulness em adultos, mostraram efeitos grandes sobre os sintomas, mas a certeza das evidências ainda é baixa, o que impede conclusões firmes.
Nenhuma intervenção apresentou evidências de alta certeza no longo prazo.
Como parte do projeto, foi criada uma plataforma online que apresenta de forma interativa os efeitos e o grau de certeza das evidências para cada intervenção, organizados por faixa etária, período de acompanhamento e tipo de desfecho. Esse recurso, disponível publicamente, foi desenvolvido para facilitar sua utilização em consultas clínicas e na tomada de decisões compartilhadas.

A revisão, com sua síntese ampla e atualizada das evidências, fornece uma base sólida para ajudar pacientes, profissionais de saúde e desenvolvedores de diretrizes a escolherem as melhores estratégias para o manejo do TDAH. A plataforma digital associada tem o potencial de tornar esse conhecimento acessível e aplicável à prática clínica cotidiana, promovendo decisões mais informadas, colaborativas e alinhadas às necessidades de cada indivíduo.
LEIA MAIS:
Benefits and harms of ADHD interventions: umbrella review and platform for shared decision making
Corentin J Gosling, Miguel Garcia-Argibay, Michele De Prisco, Gonzalo Arrondo, Anaël Ayrolles, Stéphanie Antoun, Serge Caparos, Ana Catalán, Pierre Ellul, Maja Dobrosavljevic, Luis C Farhat, Giovanna Fico, Luis Eudave, Annabeth P Groenman, Mikkel Højlund, Lucie Jurek, Mikail Nourredine, Vincenzo Oliva, Valeria Parlatini, Constantina Psyllou, Gonzalo Salazar-de-Pablo, Anneka Tomlinson, Samuel J Westwood, Andrea Cipriani, Christoph U Correll, Dong Keon Yon, Henrik Larsson, Edoardo G Ostinelli, Jae Il Shin, Paolo Fusar-Poli, John P A Ioannidis, Joaquim Radua, Marco Solmi, Richard Delorme, and Samuele Cortese
BMJ, 2025;391:e085875
DOI: 10.1136/bmj-2025-085875
Abstract:
To assess the effects of and related evidence certainty of interventions for attention deficit/hyperactivity disorder (ADHD) across an individual’s lifespan, and to develop a continuously updated web platform for people with lived experience of ADHD as a method to disseminate living evidence synthesis for shared decision making. Umbrella review and platform for shared decision making. Six databases from inception to 19 January 2025. Study authors were contacted for additional information when necessary. criteria for selecting studies Systematic reviews that used meta-analyses of randomised controlled trials were eligible if they compared a drug or non-drug intervention with a passive control in individuals with a diagnosis of ADHD. Primary outcomes were severity of ADHD symptoms, analysed by rater type (clinician-rated, parent-rated, teacher-rated, or self-rated) and time point (short term (12 weeks, or study endpoint), medium term (26 weeks), and long term (52 weeks)),acceptability (participants dropping out for any reason), and tolerability (participants dropping out owing to any side effects). Secondary outcomes included daily functioning, quality of life, comorbid symptoms, and key side effects (decreased sleep and appetite). Eligible meta-analyses were re-estimated with a standardised statistical approach. Methodological quality was assessed using AMSTAR-2. Evidence certainty was evaluated using an algorithmic version of the GRADE framework, adapted for drug and non-drug interventions. 115 of 414 full text articles were deemed eligible and 299 were excluded; the eligible articles comprised 221 unique combinations of participants, interventions, comparators, and outcomes. For each combination, the most recent and methodologically robust meta-analysis was selected for re-estimation, which gave 221 re-estimated meta-analyses in total, derived from 47 meta-analytic reports. In the short term, alpha-2 agonists, amphetamines, atomoxetine, methylphenidate, and viloxazine showed medium to large effect sizes in reducing the severity of ADHD symptoms in children and adolescents, with moderate to high certainty evidence. Methylphenidate showed consistent benefits across raters (standardised mean difference >0.75, 95% confidence interval (CI) 0.56 to 1.03; moderate or high certainty evidence). These interventions showed lower tolerability than the placebo, but this effect was not significant for methylphenidate and atomoxetine. In adults, atomoxetine, cognitive behavioural therapy, methylphenidate (and, when restricting analyses to high quality trials, amphetamines) showed at least moderate certainty evidence of efficacy on ADHD symptoms, with medium effect sizes. Methylphenidate, amphetamines, and atomoxetine had worse tolerability than placebo (methylphenidate, risk ratio 0.50, 95% CI 0.36 to 0.69; amphetamines, 0.40, 0.22 to 0.72; atomoxetine, 0.45, 0.35 to 0.58). Some non-drug interventions (acupuncture and cognitive behavioural therapy in children and adolescents, and mindfulness in adults) showed large effect sizes for ADHD symptoms, but with low certainty evidence. No high certainty, long term evidence was found for any intervention. An online platform showing effects and evidence certainty of each intervention across age groups, time points, and outcomes (https://ebiadhd-database.org/) was developed. This review provides updated evidence to inform patients, practitioners, and guideline developers how best to manage ADHD symptoms. The online platform should facilitate the implementation of shared decision making in daily practice.
Trial registration Open Science Framework https://osf.io/ugqy6/.



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