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Sua Personalidade Pode Ser a Chave Para Prever o Transtorno Bipolar

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 29 de mai.
  • 6 min de leitura

O transtorno bipolar é uma condição mental grave e de longa duração, com alto risco de recaídas. Traços de personalidade, especialmente quando combinados (como estilos de personalidade), podem ajudar a prever como a doença vai evoluir. Pessoas com certos estilos correm mais risco de desenvolver sintomas como depressão, enquanto outros estilos podem proteger. Entender esses estilos pode ajudar médicos a planejar tratamentos mais eficazes e personalizados, melhorando a vida de quem tem transtorno bipolar.


O transtorno bipolar é uma condição de saúde mental muito séria e duradoura, que afeta o humor das pessoas, fazendo com que passem por episódios de depressão e mania. É uma das principais causas de incapacidade no mundo. Muitas pessoas com essa condição acabam tendo recaídas, ou seja, os sintomas voltam mesmo após o tratamento. 


Estima-se que cerca de 73% das pessoas terão uma recaída em até cinco anos, e metade delas terá várias recaídas. Outros estudos apontam números ainda maiores, chegando a 90%. Além disso, o curso da doença costuma ser imprevisível, o que dificulta muito o planejamento do tratamento e compromete o funcionamento social e emocional das pessoas, causando prejuízos persistentes na vida delas.


Por isso, entender melhor o que pode prever a evolução da doença e quais tratamentos são mais eficazes é essencial para melhorar a vida dos pacientes.


Um caminho que os cientistas têm explorado é investigar se certos traços de personalidade podem nos ajudar a prever como será o curso do transtorno bipolar em cada pessoa.


Ao invés de analisar cada traço isoladamente, alguns pesquisadores propõem uma abordagem mais integrada, que olha para a combinação desses traços, ou seja, o estilo de personalidade da pessoa. Isso pode oferecer uma visão mais completa e eficaz para prever os sintomas e o funcionamento da pessoa ao longo do tempo.

A personalidade de uma pessoa pode ser entendida a partir de um modelo chamado Modelo dos Cinco Fatores (ou FFM, na sigla em inglês), que divide a personalidade em cinco grandes dimensões: neuroticismo, extroversão, abertura à experiência, amabilidade e conscienciosidade. 


Cada uma dessas dimensões é composta por características mais específicas. Por exemplo, o neuroticismo está relacionado com a tendência de sentir emoções negativas como ansiedade e tristeza com frequência. Já a extroversão está ligada a quão sociável e energética uma pessoa é. A abertura está associada à curiosidade e criatividade; a amabilidade reflete o quão gentil e cooperativa a pessoa é; e a conscienciosidade mede o quanto ela é organizada, responsável e disciplinada.


Desses traços, o neuroticismo é o mais fortemente ligado ao transtorno bipolar. Pessoas com esse transtorno geralmente apresentam níveis mais altos de neuroticismo, o que significa que elas têm uma tendência maior a se sentirem angustiadas e emocionalmente instáveis.


Esse traço tem se mostrado relativamente estável ao longo do tempo, mesmo entre pessoas com transtorno bipolar. Isso sugere que ele pode ser um marcador confiável da doença. 

Um grande estudo encontrou um padrão comum entre pessoas com bipolaridade: elas tendem a ter neuroticismo e abertura altos, e níveis baixos de extroversão, amabilidade e conscienciosidade. Esses traços podem ser úteis para prever como a doença vai evoluir e também para criar intervenções terapêuticas mais eficazes.


Muitos estudos até hoje analisaram cada traço de personalidade de forma isolada, mas os traços não funcionam sozinhos. Eles interagem entre si e, juntos, formam estilos de personalidade. Isso significa que a combinação de dois ou mais traços pode influenciar de maneira única o comportamento e a saúde mental da pessoa. 


Por exemplo, alguém que tem alto neuroticismo pode correr mais risco de ter depressão, mas se essa pessoa também tiver alta conscienciosidade (ou seja, for muito organizada e disciplinada), esse risco pode ser reduzido. Por outro lado, se tiver baixa conscienciosidade, o risco pode aumentar ainda mais.


Esses estilos de personalidade combinados vêm sendo estudados há algum tempo. Um exemplo é o estilo chamado “Hipersensível”, que combina alto neuroticismo com alta abertura, essa combinação tem sido ligada a maior risco de depressão. 

Já o estilo “Descontraído”, que junta baixo neuroticismo com alta amabilidade, parece proteger contra a depressão. Outro achado importante é que pessoas com baixa conscienciosidade combinada com baixa extroversão ou amabilidade também correm mais risco de desenvolver sintomas depressivos. 


Isso mostra que olhar para as combinações de traços (e não apenas para os traços isolados) pode nos dar pistas importantes sobre o desenvolvimento de transtornos mentais.


Essa ideia de estilos de personalidade também foi usada em outras áreas da saúde, como na pesquisa sobre a progressão do HIV. Em um estudo, foi observado que homens com HIV que tinham certos estilos de personalidade, como serem extrovertidos, abertos a novas experiências e emocionalmente estáveis, apresentaram uma progressão mais lenta da doença. 


Isso reforça a ideia de que a personalidade influencia não só a saúde mental, mas também a saúde física. O mais interessante é que os estilos de personalidade parecem funcionar melhor em conjunto do que separadamente: as qualidades de um traço podem reforçar ou suavizar os efeitos de outro.

Além de prever riscos, os estilos de personalidade também podem ajudar a personalizar tratamentos. Por exemplo, em pacientes com demência, quando as atividades eram adaptadas aos  estilos de personalidade deles, os resultados foram melhores: eles ficaram mais envolvidos, felizes e apresentaram menos sintomas. 


Isso mostra que conhecer o estilo de personalidade pode tornar o cuidado mais eficaz. Apesar disso, ainda não se sabe ao certo como esses estilos afetam o curso do transtorno bipolar ao longo de muitos anos.


Para tentar responder a essa questão, pesquisadores da  University of Michigan, USA, estudaram duas grandes amostras de pessoas com transtorno bipolar: uma com 489 indivíduos e outra com mais de 2.000. Eles acompanharam essas pessoas por até 14 anos e avaliaram como os estilos de personalidade influenciaram a ocorrência de episódios depressivos e o funcionamento geral da pessoa. 

Eles descobriram que quanto mais estilos de risco a pessoa tinha (ou seja, combinações de traços ligados a desfechos ruins), maior era a chance de ela ter depressão ou dificuldades no dia a dia. 


Cada estilo de risco adicional aumentava as taxas de depressão em cerca de 12% a 15% e os problemas de funcionamento em cerca de 11%. Esses resultados foram confirmados em ambos os grupos estudados, mostrando que os padrões se repetem.


Essa pesquisa reforça a importância de olhar para os estilos de personalidade como ferramenta clínica. Eles podem ajudar os profissionais de saúde a identificar com antecedência quem está mais propenso a ter dificuldades, possibilitando intervenções mais precoces e personalizadas.


Incluir a avaliação dos estilos de personalidade no planejamento de cuidados a longo prazo pode melhorar bastante o tratamento e a qualidade de vida das pessoas com transtorno bipolar.



LEIA MAIS:


Predictive evidence for the impact of personality styles on depression and functioning in two bipolar disorder cohorts

Kelly A. Ryan, Anastasia K. Yocum, Yuhua Zhang, Peisong Han, David F. Marshall, Paul T. Costa, Sarah H. Sperry, Takakuni Suzuki, Melvin G. McInnis, and Sebastian Zöllner 

Journal of Affective Disorders. Volume 380, 1 July 2025, Pages 746-755


Abstract:


Predictors for course of illness in bipolar disorder (BD) with replicable effect are difficult to identify. Potential predictors of outcomes for BD that could inform practice include personality traits, particularly Neuroticism. However, models typically fail to consider the joint effect of multiple personality traits. We examine whether personality trait combinations (styles) enhance our ability to prospectively predict symptoms and functioning across time in two independent longitudinal research cohorts. In a discovery sample of 489 and replication sample of 2072 individuals with BD, we assessed impact of personality styles using the NEO PI-R and NEO-FFI on depression and functioning up to 14 years. Using a model considering all ten possible personality style combinations, the number of risk-related personality styles (styles associated with poor outcomes) relative to number of protective-related personality styles (styles associated with better outcomes) showed that for every additional risk relative to protective style count, the incident rate of depression increased by 11.8–15.0 % and the incident rate for poor life functioning increased by 11.1 %. This similar pattern of increased risk styles being associated with significant increases in depression and functioning was replicated in the independent STEP-BD dataset, although with slightly lower incident rate (5 % and 2.9 %). Cross validation of performance from both cohorts showed similar predictive patterns (5–11.2 % increases). The ability to predict future depression and poor functioning from the combined effects of personality traits can be clinically useful for identifying individuals at risk for poorer outcomes. Personality styles should be evaluated when planning long-term care and developing interventions.

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