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O Que o Pâncreas Tem a Ver Com o Humor? Descoberta a Conexão Surpreendente Da Insulina Com o Transtorno Bipolar

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 26 de ago.
  • 4 min de leitura
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Pesquisadores descobriram que o gene RORβ, ligado ao transtorno bipolar, pode afetar tanto o pâncreas quanto o cérebro. Em modelos de laboratório e em camundongos, o excesso desse gene reduziu a liberação de insulina durante o dia, causando hiperatividade no hipocampo e sintomas depressivos. À noite, o processo se invertia: a insulina aumentava, o hipocampo ficava menos ativo e surgiam sintomas de mania. Esse mecanismo revela um circuito de feedback entre pâncreas e cérebro, regulado pelo ciclo dia-noite, que pode explicar as oscilações de humor no transtorno bipolar e abrir novos caminhos de tratamento.


O transtorno bipolar é uma condição de saúde mental caracterizada por mudanças intensas e recorrentes no humor, que variam entre episódios de depressão profunda e fases de mania ou hipomania, marcadas por energia excessiva, impulsividade e euforia. 


Essas oscilações vão muito além das variações emocionais comuns do dia a dia e podem afetar de forma significativa a vida pessoal, profissional e social da pessoa. Embora suas causas sejam multifatoriais, envolvendo genética, funcionamento cerebral, fatores ambientais e, possivelmente, processos metabólicos, avanços recentes da ciência têm revelado novas conexões que ajudam a compreender melhor essa complexa condição.


Pesquisas recentes têm mostrado que muitas pessoas com transtornos psiquiátricos, especialmente o transtorno bipolar, também apresentam alterações metabólicas, como dificuldades no controle da glicose ou na secreção de insulina. Essa associação já era bem documentada, mas até agora não se entendia exatamente qual era o elo biológico entre os sintomas metabólicos e as oscilações de humor.  


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Um estudo inovador, publicado na Nature e realizado por pesquisadores da Tsinghua University, China, trouxe novas respostas ao revelar uma ligação surpreendente entre o pâncreas e o cérebro, regulada pelo ritmo circadiano, o ciclo biológico de claro e escuro ao longo do dia.


Para investigar essa conexão, os cientistas usaram células-tronco pluripotentes induzidas de indivíduos com transtorno bipolar e conseguiram gerar ilhotas pancreáticas em laboratório, estruturas responsáveis pela produção de insulina. 


Essas ilhotas apresentaram um defeito marcante: liberavam menos insulina do que o esperado. Esse problema estava associado a uma expressão aumentada do gene RORβ, já conhecido como fator de risco genético para o transtorno bipolar.


Em seguida, os pesquisadores modelaram a condição em camundongos. Eles criaram animais geneticamente modificados para expressar em excesso o gene RORβ especificamente nas células β pancreáticas, as células responsáveis pela produção de insulina. 


Os resultados foram impressionantes: durante a fase clara do dia, esses camundongos apresentavam comportamentos semelhantes à depressão e, na fase escura, desenvolviam comportamentos semelhantes à mania. Isso reflete de maneira surpreendente os ciclos de humor típicos do transtorno bipolar em humanos.


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No nível celular, os mecanismos eram claros. Durante a fase clara, a superexpressão de RORβ reduzia a liberação de insulina pelas ilhotas pancreáticas. Essa queda de insulina estava diretamente associada a uma hiperatividade do hipocampo, uma região do cérebro essencial para a regulação do humor, da memória e da resposta ao estresse. 


Essa hiperatividade no hipocampo não era apenas um efeito imediato: ela provocava um impacto atrasado que se manifestava na fase escura. Nesse período, a liberação de insulina aumentava, a atividade do hipocampo diminuía e surgiam comportamentos semelhantes à mania.


Esse padrão revelou um mecanismo até então desconhecido: um circuito de retroalimentação entre o pâncreas e o hipocampo, que funciona de maneira bidirecional e é regulado pelo ritmo circadiano. Em outras palavras, mudanças metabólicas no pâncreas afetam a atividade do cérebro, e as alterações cerebrais, por sua vez, modificam a função pancreática, criando um ciclo que pode explicar as oscilações de humor do transtorno bipolar.


As descobertas não apenas oferecem uma explicação biológica para a coexistência de alterações metabólicas e sintomas psiquiátricos, mas também ampliam a visão do transtorno bipolar. 


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Essa condição pode não ser apenas uma doença do cérebro, mas sim um distúrbio sistêmico, em que corpo e mente estão profundamente conectados. Isso abre caminho para novas estratégias de tratamento, como intervenções que atuem na função pancreática, na regulação da insulina ou no ajuste dos ritmos circadianos por meio de medicamentos, terapia de luz ou até hábitos alimentares.


Embora mais estudos em humanos sejam necessários para confirmar esse mecanismo, o modelo integrativo proposto pelos pesquisadores já representa um avanço importante. Ele ajuda a compreender como fatores genéticos, metabólicos e cerebrais se unem para gerar os ciclos de humor característicos do transtorno bipolar e aponta novas possibilidades para terapias que tratem o corpo e o cérebro em conjunto.



LEIA MAIS:


A pancreas–hippocampus feedback mechanism regulates circadian changes in depression-related behaviors

Yao-Nan Liu, Qiu-Wen Wang, Xin-Yu She, Li-Jun Li, Bing Wang, Ruilan Yang, Qian Li, Si-Yao Lu, Ying-Han Wang, Wei Shen, Chong-Lei Fu, Dan Li, Lan Yi, Chun-Xue Wang, Wei Shi, Xin Cheng, Liping Cao, Shuangli Mi, and Jun Yao

Nature Neuroscience, 11 August 2025


Abstract: 


Individuals with neuropsychiatric disorders often show metabolic symptoms. However, the mechanisms underlying this co-occurrence remain unclear. Here we show that induced pluripotent stem cell-derived pancreatic islets from individuals with bipolar disorder have insulin secretion deficits caused by increased expression of RORβ, a susceptibility gene for bipolar disorder. Enhancing RORβ expression in mouse pancreatic β cells induced depression-related behaviors in the light phase and mania-like behaviors in the dark phase. Pancreatic RORβ overexpression in the light phase reduced insulin release from islets, inducing hippocampal hyperactivity and depression-like behaviors. Furthermore, this hippocampal hyperactivity in the light phase had the delayed effect of promoting insulin release in the dark phase, resulting in mania-like behaviors and hippocampal neuronal hypoactivity. Our results in mice point to a pancreas–hippocampus feedback mechanism by which metabolic and circadian factors cooperate to generate behavioral fluctuations and which may play a role in bipolar disorder.

 
 
 

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