Revolução Na Psiquiatria: Vírus Da Hepatite C é Detectado Em Pacientes Com Esquizofrenia e Bipolaridade
- Lidi Garcia
- 17 de jul.
- 6 min de leitura

Pesquisas mostram que infecções por vírus, como a hepatite C, podem estar ligadas ao surgimento de doenças mentais como esquizofrenia e transtorno bipolar. Cientistas encontraram sinais desses vírus em uma parte do cérebro que atua como barreira de proteção. Embora ainda não se possa dizer que os vírus causam essas doenças, há indícios de que eles influenciem o funcionamento do cérebro e contribuam para alterações ligadas a transtornos psiquiátricos.
Nos últimos anos, muitos estudos mostraram que infecções por vírus podem estar ligadas ao aparecimento de doenças mentais sérias, como esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão maior.
Fatores como nascer em cidades grandes ou em certas épocas do ano também foram observados como possíveis influências nesse risco aumentado. Esses achados ajudaram a formar a ideia de que vírus podem estar envolvidos no desenvolvimento de distúrbios psiquiátricos.
Pesquisas genéticas mostraram que certas regiões do nosso DNA relacionadas ao sistema imunológico (como a chamada região MHC) também estão associadas a essas doenças mentais. Além disso, sinais de inflamação, tanto no sangue quanto em amostras de cérebros de pessoas que morreram com esses transtornos, reforçam a ideia de que infecções podem desempenhar um papel importante no funcionamento do cérebro e no surgimento de problemas psiquiátricos.
Por exemplo, foi observado que mulheres que tiveram gripe durante a gravidez correm maior risco de ter filhos que mais tarde desenvolvam esquizofrenia ou transtorno bipolar. Também foi notado que pessoas com histórico de infecção por certos vírus apresentam maiores chances de desenvolver doenças mentais.
Até mesmo um desequilíbrio no “viroma cerebral”, ou seja, nos vírus presentes no cérebro, foi sugerido como um possível fator relacionado à esquizofrenia.

Apesar de todos esses indícios, ainda não há uma prova direta e clara de que uma infecção viral cause esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressão. Uma das razões para essa dificuldade é que muitos vírus podem permanecer “escondidos” no corpo em estado latente, com pouquíssimos sinais detectáveis.
Além disso, as tecnologias atuais têm dificuldade para identificar todos os tipos de vírus presentes nos tecidos humanos, especialmente no cérebro.
Para tentar superar essas limitações, os cientistas desenvolveram um novo método de detecção. Essa técnica consegue identificar com mais sensibilidade a presença de diferentes vírus em amostras humanas, mesmo quando os vírus estão em pequenas quantidades. Essa nova abordagem foi usada inicialmente em um estudo pequeno, mas ele não teve amostras suficientes para tirar conclusões definitivas.
Outro desafio importante é saber exatamente onde procurar esses vírus no cérebro. Estudos que analisaram uma parte do cérebro chamada córtex pré-frontal em mais de 1.500 pessoas encontraram pouquíssimos vírus. No entanto, sabe-se que a inflamação no cérebro é uma característica comum de doenças como a esquizofrenia. Essa inflamação pode afetar células chamadas endoteliais, que formam parte da barreira de proteção do cérebro.

Por isso, os pesquisadores da The Stanley Medical Research Institute, USA, decidiram estudar uma região diferente e menos explorada: o plexo coroide (PC). Essa estrutura forma uma espécie de filtro entre o sangue e o líquido que banha o cérebro (o líquido cefalorraquidiano). Ele ajuda a proteger o cérebro de invasores, como microrganismos, e controla a entrada e saída de substâncias.
O plexo coroide é conhecido por ser um alvo comum de infecção por vírus, e estudos de imagem mostram que ele costuma estar aumentado em pessoas com esquizofrenia, o que pode indicar uma infecção antiga.
Neste estudo, os cientistas analisaram amostras de plexo coroide de 256 pessoas falecidas, incluindo pacientes com esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão e também pessoas sem doenças mentais. Usando a técnica de detecção sensível, eles procuraram por sinais de infecção viral nessas amostras.

Os resultados foram interessantes: eles identificaram 13 tipos de vírus em amostras de 46 pessoas. O vírus mais fortemente associado à esquizofrenia e ao transtorno bipolar foi o vírus da hepatite C (VHC).
Ao cruzar esses dados com um enorme banco de dados de saúde contendo informações de 285 milhões de pacientes, descobriram que a infecção crônica por vírus da hepatite C era mais comum entre pessoas com esquizofrenia (3,6%) e transtorno bipolar (3,9%) do que entre pessoas com depressão (1,8%) ou sem transtornos (0,5%).
Essas descobertas sugerem que o vírus da hepatite C pode ter algum papel na causa ou agravamento de doenças mentais, e não apenas estar presente por causa de comportamentos de risco, como o uso de drogas injetáveis, já que esse comportamento é comum em todos os três grupos, mas a infecção pelo vírus é mais comum apenas em esquizofrenia e bipolaridade.
Para aprofundar essa análise, os cientistas também estudaram o tecido do hipocampo, uma parte do cérebro envolvida com memória e emoções, das mesmas pessoas que apresentaram sinais de vírus da hepatite C no plexo coroide. Eles não encontraram o vírus diretamente no hipocampo, mas observaram mudanças importantes no funcionamento das células dessa região, possivelmente como resposta à infecção detectada no plexo coroide.

Esta imagem mostra como certos genes se comportam de maneira diferente no cérebro, mais especificamente no hipocampo, de pessoas que tinham o vírus da hepatite C (VHC) detectado no plexo coroide (uma região que atua como filtro entre o sangue e o cérebro). Cada gráfico representa um gene diferente, com os pontos indicando a quantidade de atividade (ou "leitura") desse gene em diferentes pessoas. As barras pretas mostram a média e a variação dos valores. "CTL" representa os 33 indivíduos do grupo controle, que não tinham o vírus da hepatite C, enquanto "HCV" representa os 7 indivíduos que tinham o vírus. Os pontos também variam de cor: quanto mais escuro o azul, maior a idade da pessoa. De forma geral, os gráficos indicam que vários desses genes têm menor atividade (expressão) nas pessoas com o vírus da hepatite C, sugerindo que o vírus pode estar afetando o funcionamento do cérebro mesmo sem estar presente diretamente no tecido cerebral analisado.
Esses resultados reforçam a ideia de que infecções virais, mesmo que não estejam ativamente atacando o cérebro, podem afetar seu funcionamento de forma indireta e persistente. Embora não se possa dizer ainda que o vírus da hepatite C ou outros vírus “causam” transtornos mentais, as evidências apontam para uma ligação entre infecção, inflamação e alterações cerebrais que merecem ser mais investigadas.
LEIA MAIS:
Association of viral RNAs in the choroid plexus with bipolar disorder and schizophrenia and evidence for the hepatitis C virus involvement in neuropathology
Maree J. Webster, Ashwin Balagopal, Jeffrey Quinn, Ou Chen, and Sarven Sabunciyan
Translational Psychiatry. volume 15, Article number: 216 (2025)
Abstract:
Many epidemiological studies have shown an association between infectious agents, particularly viruses, and psychiatric disorders including schizophrenia. However, evidence of a viral infection in the brain that associates with schizophrenia (SCZ), bipolar disorder (BPD), and major depression (MDD) has not been found. A potential reason for this discrepancy may be that viruses are more likely to infect the neuroepithelium than neural tissue. To test this hypothesis, we used viral sequence enrichment technology and performed RNA sequencing in postmortem choroid plexus (CP) isolated from 84 SCZ, 73 BPD, 23 MDD cases and 76 unaffected controls (CNT) from the Stanley Medical Research Institute brain collection. This approach enabled us to identify the presence of 13 viral species in the CP of 46 subjects. We discovered that CP samples collected from subjects with SCZ and BPD are more likely to contain viral sequences. In terms of individual viruses, the Hepatitis C Virus (HCV) was the only viral species that reached the threshold of statistical significance for an association with SCZ and BPD. Therefore, we focused on HCV to characterize the association between psychiatric disorders and viruses. Analysis of the TriNetX electronic health record database with data on 285 million patients revealed that the prevalence of chronic HCV was 3.6 and 3.9 percent in the SCZ and BPD populations respectively. The prevalence of chronic HCV in these populations was almost double that observed for MDD (1.8%) and approximately 7-fold higher than the control population (0.5%). These findings confirm previous studies that report higher HCV prevalence in SCZ and BPD and suggest that HCV infection may be associated with disease pathology rather than behaviors such as intravenous drug injection, since these behaviors are present in all three disorders. We analyzed hippocampus RNA sequencing data from the subjects identified to be HCV positive via sequence capture. We found that although the virus was absent in this tissue, HCV RNA in the CP was associated with consistent host transcriptional changes in the hippocampus that were potentially related to the innate immune response. Our results are consistent with previous studies and provide clues regarding the contribution of viruses to the pathology of psychiatric disorders.



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