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Revolução Genética: DNA Mitocondrial Humano é Editado Com Sucesso Pela Primeira Vez

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 27 de jun.
  • 5 min de leitura
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Cientistas conseguiram, pela primeira vez, corrigir mutações no DNA das mitocôndrias, estruturas que produzem energia nas células, usando uma técnica precisa e segura de edição genética. Essa inovação pode abrir caminho para tratar doenças hereditárias graves que até hoje não tinham cura, como distúrbios neurológicos e metabólicos. O método usa RNA e nanopartículas para entregar a "correção" de forma eficiente, com poucos efeitos colaterais. É um avanço promissor rumo a futuras terapias genéticas para doenças mitocondriais.


As mitocôndrias são estruturas presentes dentro de quase todas as células do nosso corpo, com exceção dos glóbulos vermelhos, e funcionam como verdadeiras usinas de energia, transformando nutrientes em combustível para manter as células e os órgãos em funcionamento.


Ao contrário do restante da célula, elas possuem seu próprio DNA, o DNA mitocondrial (mtDNA), que é herdado exclusivamente da mãe. Mutações nesse material genético podem levar a doenças graves, como síndromes metabólicas e neurológicas, além de estarem associadas ao envelhecimento e a certos tipos de câncer.  Esses distúrbios comprometem a capacidade de produção e distribuição de energia. 


Com menos energia disponível, células importantes podem ser danificadas ou morrer, o que afeta o funcionamento de órgãos inteiros. Regiões que mais precisam de energia, como cérebro, músculos, nervos e coração, são as mais impactadas, levando a sintomas como fraqueza muscular, dificuldades motoras, problemas cardíacos, convulsões, constipação intestinal e perda de visão. 


Essas doenças são hereditárias, transmitidas pela mãe, e apesar de raras, com uma taxa estimada de 12,5 casos para cada 100 mil adultos no mundo, costumam ser graves.


Entre as variantes mais conhecidas estão a Síndrome de Leigh, que afeta o sistema nervoso central e aparece geralmente nos primeiros anos de vida; a Neuropatia Óptica Hereditária de Leber, que causa perda repentina da visão ainda na juventude; e a Miopatia Mitocondrial, que atinge principalmente músculos e nervos, afetando diversas partes do corpo.

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A pequena Indi Gregory que faleceu devido à doença mitocondrial incurável após o desligamento dos aparelhos que a mantinham viva ser autorizada por juízes ingleses. 


Apesar dos avanços na edição genética, como o CRISPR/Cas9, o tratamento dessas doenças continuava um desafio, pois essas ferramentas não conseguem acessar o DNA dentro das mitocôndrias. No entanto, uma nova tecnologia está mudando esse cenário: a edição de bases mitocondriais. 

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Pesquisadores, da University Medical Center Utrecht, Holanda, demonstraram o uso promissor de uma técnica inovadora chamada DdCBE, um editor de base de citosina derivado de uma toxina bacteriana. Essa ferramenta permite alterar com precisão uma “letra” específica do DNA mitocondrial (no caso, a base citosina, convertida em timina), sem a necessidade de cortar o DNA, tornando o processo mais seguro.


Os cientistas usaram o DdCBE para introduzir uma mutação no DNA de organoides hepáticos humanos (pequenos modelos de fígado cultivados em laboratório), reduzindo deliberadamente a produção de energia. Essa intervenção gerou diferentes graus de mutação nas células, o que permitiu aos pesquisadores estudar com mais profundidade como diferentes níveis de mutação afetam a função mitocondrial. 

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Diferenças entre o DNA do núcleo da célula e DNA mitocondrial (mtDNA). Fonte: FISH chromosomes © Applied Imaging, UK; all text material © 2005 by Steven M. Carr


Além de criar modelos de doença, os pesquisadores também mostraram que é possível corrigir mutações reais em células humanas derivadas de pacientes. Usando a mesma ferramenta, corrigiram com sucesso uma mutação específica (m.4291T>C) em células da pele de um paciente com uma síndrome associada à disfunção mitocondrial.


A correção restaurou a capacidade das mitocôndrias de manter sua função energética básica, um sinal de que a célula voltou a operar normalmente nesse aspecto.

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Para tornar a aplicação dessa tecnologia mais próxima da realidade clínica, os cientistas testaram diferentes formas de entregar os editores genéticos às células. Eles descobriram que enviar os editores na forma de RNA mensageiro (mRNA), envolto em nanopartículas lipídicas (um tipo de cápsula de gordura usada também em vacinas de RNA, como as da COVID-19), foi mais eficiente e menos tóxico do que os métodos anteriores baseados em DNA. 


Essa forma de entrega não apenas preservou a viabilidade celular, como também resultou em edições mais precisas e específicas, com mínimos efeitos colaterais indesejados.

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Essa abordagem representa um grande avanço porque, até agora, os estudos com edição  mitocondrial em humanos se limitavam a introduzir mutações para fins de pesquisa, muitas vezes usando vírus como vetor. Neste novo estudo, a correção funcional de mutações reais em células humanas adultas primárias foi demonstrada com sucesso, algo inédito e crucial para transformar a técnica em um tratamento real para pacientes.


Em resumo, os pesquisadores não apenas mostraram que é possível criar modelos precisos de doenças mitocondriais em laboratório, como também deram os primeiros passos concretos rumo à terapia genética mitocondrial personalizada. 


Eles conseguiram reparar mutações em células humanas reais, com uma abordagem segura e promissora. Embora ainda sejam necessários mais testes antes que essas técnicas estejam disponíveis em clínicas, o estudo representa uma luz no fim do túnel para pessoas afetadas por doenças mitocondriais que, até hoje, não tinham opções terapêuticas eficazes.



LEIA MAIS:


Correction of pathogenic mitochondrial DNA in patient-derived disease models using mitochondrial base editors

Indi P. Joore, Sawsan Shehata, Irena Muffels, Jose Castro-Alpízar, Elena Jiménez-Curiel, Emilia Nagyova, Natacha Levy, Ziqin Tang, Kimberly Smit, Wilbert P. Vermeij, Richard Rodenburg, Raymond Schiffelers, Edward E.S. Nieuwenhuis,

Peter M. van Hasselt, Sabine A. Fuchs, and Martijn A. J. Koppens  

PLoS Biol 23(6): e3003207.


Abstract: 


Mutations in the mitochondrial genome can cause maternally inherited diseases, cancer, and aging-related conditions. Recent technological progress now enables the creation and correction of mutations in the mitochondrial genome, but it remains relatively unknown how patients with primary mitochondrial disease can benefit from this technology. Here, we demonstrate the potential of the double-stranded DNA deaminase toxin A-derived cytosine base editor (DdCBE) to develop disease models and therapeutic strategies for mitochondrial disease in primary human cells. Introduction of the m.15150G > A mutation in liver organoids resulted in organoid lines with varying degrees of heteroplasmy and correspondingly reduced ATP production, providing a unique model to study functional consequences of different levels of heteroplasmy of this mutation. Correction of the m.4291T > C mutation in patient-derived fibroblasts restored mitochondrial membrane potential. DdCBE generated sustainable edits with high specificity and product purity. To prepare for clinical application, we found that mRNA-mediated mitochondrial base editing resulted in increased efficiency and cellular viability compared to DNA-mediated editing. Moreover, we showed efficient delivery of the mRNA mitochondrial base editors using lipid nanoparticles, which is currently the most advanced non-viral in vivo delivery system for gene products. Our study thus demonstrates the potential of mitochondrial base editing to not only generate unique in vitro models to study these diseases, but also to functionally correct mitochondrial mutations in patient-derived cells for future therapeutic purposes.

 
 
 

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