Recarga Celular: Menino De 8 Anos Volta a Andar Após Terapia Inédita Reativar Energia Celular
- Lidi Garcia
- 15 de jul.
- 4 min de leitura

Pesquisadores descobriram uma nova forma de estimular a produção natural de CoQ10 no organismo usando pequenas moléculas chamadas 4-HMA e 4-HB, que são melhor absorvidas que os suplementos tradicionais. Essa abordagem mostrou resultados promissores em camundongos e em um menino com paralisia causada por deficiência genética, ajudando a restaurar a função neurológica. A descoberta abre caminho para terapias mais eficazes em doenças mitocondriais e neurodegenerativas.
A coenzima Q10 (CoQ10) é uma substância natural essencial para a produção de energia nas células e atua também como um potente antioxidante. Ela é especialmente importante para o funcionamento adequado do coração, cérebro e músculos.
Com o passar do tempo, ou em decorrência de doenças crônicas como diabetes, Alzheimer, doenças cardíacas e até mesmo pelo uso de certos medicamentos como as estatinas, os níveis de CoQ10 no organismo podem diminuir significativamente. Essa queda está associada a sintomas musculares, fadiga e alterações neurológicas.
Apesar disso, tentar reverter essa deficiência com suplementos de CoQ10 nem sempre é eficaz, pois a substância tem baixa absorção, principalmente no cérebro, e por isso, não consegue restaurar os níveis adequadamente nos tecidos mais afetados.

Para contornar essa limitação, pesquisadores têm buscado alternativas que ajudem o corpo a produzir sua própria CoQ10 de forma mais eficiente. Um avanço importante ocorreu com a descoberta de uma etapa chave na produção natural da CoQ10 em mamíferos.
Cientistas da NYU Langone identificaram que uma enzima chamada HPDL é responsável por converter uma pequena molécula chamada 4-HMA em outra chamada 4-HB. Essa última, o 4-HB, é o precursor direto da CoQ10, ou seja, é a matéria-prima que as células usam para fabricar essa coenzima vital.
O interessante é que tanto o 4-HMA quanto o 4-HB são moléculas pequenas, que o organismo absorve facilmente, diferentemente da própria CoQ10.
Essa descoberta abriu caminho para tratamentos inovadores. Em testes com camundongos geneticamente modificados para simular uma doença mitocondrial rara e grave, os pesquisadores conseguiram prolongar a vida e melhorar o estado neurológico dos animais ao administrar 4-HMA ou 4-HB.
Essas moléculas foram incorporadas com sucesso à produção de CoQ10 no cérebro dos animais.

Inspirados por esses resultados, os cientistas testaram a abordagem em um menino com uma condição genética rara, ligada a mutações no gene HPDL, que havia provocado paralisia progressiva. Com autorização emergencial, ele passou a receber 4-HB dissolvido em água diariamente.
Em poucas semanas, já apresentava melhoras no equilíbrio e na resistência física, e dois meses depois, foi capaz de caminhar longas distâncias com sua família, algo impensável até então.
Embora o tratamento não tenha revertido completamente os sintomas, o caso marcou a primeira vez que sintomas neurológicos associados à deficiência primária de CoQ10 foram estabilizados ou melhorados por meio de precursores (como o 4-HB), em vez da própria CoQ10.
Essa figura mostra os efeitos do tratamento com 4-HMA em camundongos com deficiência genética de HPDL, uma enzima envolvida na produção da coenzima Q10 (CoQ10), essencial para a geração de energia nas células. A parte (a) da figura apresenta diferentes parâmetros da marcha dos camundongos (como comprimento do passo, tempo de apoio das patas, intensidade de contato com o chão, simetria entre membros, etc.), comparando camundongos normais (Hpdl+/+), portadores de uma cópia alterada do gene (Hpdl+/-) e camundongos com duas cópias alteradas tratados com 4-HMA (Hpdl-/- + 4-HMA). Os resultados mostram que, com o tratamento, os camundongos deficientes conseguem caminhar com parâmetros semelhantes aos dos normais, indicando que o suplemento ajudou a restaurar a função motora. A parte (b) mostra imagens de ressonância magnética (MRI) cerebral de um paciente humano com mutações no gene HPDL, antes e depois de 30 dias de tratamento com 4-HB (um precursor de CoQ10). As imagens mostram melhora na estrutura cerebral, sugerindo que o tratamento também pode ser benéfico em humanos com essa condição rara. Esses resultados indicam um avanço promissor no uso de precursores metabólicos como forma alternativa à suplementação direta de CoQ10, especialmente em doenças mitocondriais.
Segundo os cientistas, o uso de precursores pode representar uma forma mais eficaz de restaurar os níveis da coenzima, especialmente no cérebro, onde a suplementação direta falha. Isso acontece porque essas pequenas moléculas conseguem atravessar barreiras celulares com mais facilidade e são utilizadas pelas células para gerar CoQ10 de maneira natural.
Os pesquisadores também observaram que há um “período crítico” no desenvolvimento do cérebro em que o tratamento com 4-HB ou 4-HMA pode fazer diferença. Depois que essa janela se fecha, os danos causados pela deficiência de CoQ10 podem ser mais difíceis de reverter.

Isso reforça a importância do diagnóstico precoce, especialmente em doenças genéticas raras, mas também pode ter implicações para doenças mais comuns relacionadas ao envelhecimento. Estudos futuros vão focar em identificar o melhor momento e as doses ideais para essa terapia.
Essa linha de pesquisa representa uma mudança de paradigma: ao invés de tentar corrigir diretamente a deficiência com doses elevadas de CoQ10, que o corpo muitas vezes não consegue aproveitar, o novo enfoque foca em entregar os blocos de construção que as células realmente conseguem utilizar para fabricar sua própria reserva.
Assim, essa estratégia com precursores como o 4-HB pode vir a ser uma alternativa promissora e acessível não só para doenças raras, mas também para distúrbios neurodegenerativos e outros quadros em que a CoQ10 está reduzida.
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Coenzyme Q headgroup intermediates can ameliorate a mitochondrial encephalopathy
Guangbin Shi, Claire Miller, Sota Kuno, Alejandro G. Rey Hipolito, Salsabiel El Nagar, Giulietta M. Riboldi, Megan Korn, Wyatt C. Tran, Zixuan Wang, Lia Ficaro, Tao Lin, Quentin Spillier, Begoña Gamallo-Lana, Drew R. Jones, Matija Snuderl, Soomin C. Song, Adam C. Mar, Alexandra L. Joyner, Roy V. Sillitoe, Robert S. Banh, and Michael E. Pacold
Nature, 9 July 2025
Abstract:
Decreased brain levels of coenzyme Q10 (CoQ10), an endogenously synthesized lipophilic antioxidant1,2, underpin encephalopathy in primary CoQ10 deficiencies3,4 and are associated with common neurodegenerative diseases and the ageing process5,6. CoQ10 supplementation does not increase CoQ10 pools in the brain or in other tissues. The recent discovery of the mammalian CoQ10 headgroup synthesis pathway, in which 4-hydroxyphenylpyruvate dioxygenase-like protein (HPDL) makes 4-hydroxymandelate (4-HMA) to synthesize the CoQ10 headgroup precursor 4-hydroxybenzoate (4-HB)7, offers an opportunity to pharmacologically restore CoQ10 synthesis and mechanistically treat CoQ10 deficiencies. To test whether 4-HMA or 4-HB supplementation promotes CoQ10 headgroup synthesis in vivo, here we administered 4-HMA and 4-HB to Hpdl−/− mice, which model an ultra-rare, lethal mitochondrial encephalopathy in humans. Both 4-HMA and 4-HB were incorporated into CoQ9 and CoQ10 in the brains of Hpdl−/− mice. Oral treatment of Hpdl−/− pups with 4-HMA or 4-HB enabled 90–100% of Hpdl−/− mice to live to adulthood. Furthermore, 4-HB treatment stabilized and improved the neurological symptoms of a patient with progressive spasticity due to biallelic HPDL variants. Our work shows that 4-HMA and 4-HB can modify the course of mitochondrial encephalopathy driven by HPDL variants and demonstrates that CoQ10 headgroup intermediates can restore CoQ10 synthesis in vivo.




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