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Psicologia do Combate: O Impacto Real de Tirar Uma Vida na Guerra

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 4 de abr.
  • 5 min de leitura

O impacto psicológico de matar em combate (KIC) na saúde mental de longo prazo dos veteranos é um tema complexo e depende do contexto em que o soldado foi destacado. O estudo permite comparar diretamente os efeitos do KIC entre diferentes contextos operacionais, ajudando a entender como fatores como regras de combate e expectativas da missão influenciam a saúde mental dos veteranos. Compreender essas diferenças é fundamental para oferecer melhor suporte psicológico a ex-soldados e desenvolver estratégias eficazes de tratamento para aqueles que enfrentam dificuldades emocionais após a guerra.


Para a maioria das pessoas, matar outro ser humano é algo raro e, em tempos de paz, considerado altamente imoral. No entanto, para soldados em guerra, essa ação pode ser necessária e até mesmo esperada. 


Esse contraste entre a moral civil e a realidade militar levanta questões importantes sobre como o ato de matar pode afetar a saúde mental dos veteranos. Além disso, as regras de combate (ROEs), que estabelecem quando e como os soldados podem usar a força letal, variam de acordo com a missão e influenciam a percepção moral do ato de matar.


Alguns pesquisadores argumentam que o ser humano tem uma resistência natural a matar seus semelhantes e que o KIC pode ser uma experiência extremamente traumática para um soldado. No entanto, outros estudiosos sugerem que os humanos, ao longo da evolução, se adaptaram para usar a violência sob certas condições.  

Dessa forma, o impacto psicológico de matar dependeria menos de uma aversão natural e mais do contexto em que ocorre, ou seja, se o soldado percebe que suas ações estão alinhadas com as normas do grupo ao qual pertence.


Em missões militares, as ROEs moldam a maneira como os soldados interpretam suas ações e definem o que é moralmente aceitável. ROEs (Rules of Engagement) são as Regras de Engajamento que determinam quando, onde e como os militares podem usar a força durante uma missão. Elas variam conforme o contexto da operação e servem para garantir que as ações dos soldados estejam alinhadas com as leis internacionais, diretrizes da missão e objetivos estratégicos. Por exemplo:


  • Em missões de combate, as ROEs podem permitir o uso de força letal contra inimigos identificados.


  • Em missões de manutenção da paz, as ROEs podem ser mais restritivas, permitindo o uso de força apenas em autodefesa.


Essas regras influenciam diretamente o comportamento dos soldados e o impacto psicológico das ações que realizam. Essas diretrizes variam dependendo do objetivo da missão e da organização que a lidera, como a OTAN ou a ONU.


Para os soldados, as ROEs não são apenas regras abstratas, mas moldam diretamente suas decisões no campo de batalha, incluindo se devem ou não matar um inimigo em determinadas circunstâncias.


Nos últimos anos, os impactos psicológicos do KIC começaram a ser analisados sob a ótica da "lesão moral" (MI). A lesão moral refere-se ao sofrimento emocional causado quando alguém realiza ou testemunha atos que vão contra suas crenças morais profundas.  

Isso pode levar a sentimentos de culpa, vergonha e arrependimento, que não são explicados apenas pelo estresse pós-traumático tradicional. A pesquisa sugere que o KIC pode ser um dos principais eventos que desencadeiam lesão moral, mas o impacto varia dependendo do contexto e da percepção do soldado sobre suas ações.


A complexidade de estudar os efeitos do KIC se deve, em parte, à natureza única do trauma em zonas de guerra. Diferente de traumas civis, como desastres naturais ou crimes violentos, os soldados enfrentam situações contínuas de estresse, podem vivenciar ameaças diretas à vida e testemunhar grande sofrimento ao longo de períodos prolongados. Isso torna difícil separar os impactos psicológicos específicos do KIC de outros fatores estressantes da guerra.


Este estudo analisou dois grupos de veteranos noruegueses: aqueles que participaram de missões de combate no Afeganistão (2001–2011) e aqueles que atuaram em missões de manutenção da paz no Líbano (1978–1998). O objetivo foi entender como diferentes experiências na guerra, como sofrer ameaças diretas, testemunhar mortes e ferimentos, e matar em combate, afetam a saúde mental a longo prazo, o consumo de álcool e a qualidade de vida dos veteranos.

Foram formuladas duas hipóteses:


  1. O impacto psicológico do KIC seria maior entre veteranos de missões de paz no Líbano do que entre veteranos de missões de combate no Afeganistão.


  2. Tanto para veteranos de combate quanto para os de manutenção da paz, sofrer ameaças diretas e testemunhar sofrimento impactaria negativamente a saúde mental, o consumo de álcool e a qualidade de vida.


O impacto psicológico de matar em combate (KIC) na saúde mental de longo prazo dos veteranos é um tema complexo e depende do contexto em que o soldado foi destacado.  

Os resultados indicam que, para os soldados que participaram de missões de combate no Afeganistão, sofrer ameaças diretas e testemunhar mortes tiveram um impacto negativo na saúde mental, mas matar em combate (KIC) não teve esse mesmo efeito. 


Já para os veteranos que atuaram como mantenedores da paz no Líbano, todas essas experiências, ameaças pessoais, ver mortes e ferimentos, e KIC, contribuíram significativamente para transtornos como estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade, insônia, aumento do consumo de álcool e redução da qualidade de vida. 


Isso sugere que o impacto psicológico de matar em combate pode depender fortemente do contexto da missão em que ocorreu.


O estudo permite comparar diretamente os efeitos do KIC entre diferentes contextos operacionais, ajudando a entender como fatores como regras de combate e expectativas da missão influenciam a saúde mental dos veteranos.


Compreender essas diferenças é fundamental para oferecer melhor suporte psicológico a ex-soldados e desenvolver estratégias eficazes de tratamento para aqueles que enfrentam dificuldades emocionais após a guerra.



LEIA MAIS:


Killing in Combat as a Potentially Morally Injurious Event: The Diverging Psychological Impact of Killing on Peacekeepers and Combat-Oriented Troops. 

Nordstrand, A.E., Noll, L. K., Huffman, A. H., Gjerstad, C. L., Tveitstul, T., Reichelt, J. G., Bakker, L.-P., Kennair, L. E. O., Kristoffersen, R. H., Bøe, H. J., & Wickham, R. E.

Armed Forces & Society, 0 (0). (2025). 


Abstract:


The impact of killing in combat (KIC) on veterans’ long-term psychological health is multifaceted and influenced by deployment contexts. This study compared two samples of Norwegian veterans from combat-oriented (Afghanistan 2001–2011, N = 4,053) and peacekeeping (Lebanon 1978–1998, N = 10,605) missions to examine how personal threats, witnessing death/injury, and KIC uniquely predicted long-term mental health, alcohol use, and quality of life (QoL). In the combat-oriented sample, personal threats and witnessing death/injury predicted negative outcomes, while KIC did not. Among peacekeepers, personal threats, witnessing death/injury, and KIC independently predicted posttraumatic stress disorder (PTSD), depression, anxiety, alcohol use, insomnia, and lower QoL. These findings reveal diverging effects of KIC on veterans from combat-oriented and peacekeeping missions, respectively, suggesting that the impact of potentially morally injurious events like KIC is shaped by mission-specific contextual factors.

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