Por que Somos Tímidos? Pesquisadores Descobrem o Papel do Cerebelo no Medo Social
- Lidi Garcia
- 13 de nov.
- 4 min de leitura

Estudo com jovens adultos mostrou que pessoas mais tímidas apresentam menor atividade neural espontânea no cerebelo posterior, região ligada ao controle emocional e social. Essa relação é mediada pelo Sistema de Inibição Comportamental (BIS), associado à evitação de riscos e ansiedade. O achado destaca o papel do cerebelo e da motivação de evitação como componentes centrais da timidez.
A timidez, um traço de personalidade marcado por desconforto e inibição em situações sociais, exerce um impacto profundo sobre o funcionamento social e emocional dos indivíduos. Apesar de sua relevância, os mecanismos neurais específicos que sustentam a timidez ainda são pouco compreendidos.
O presente estudo buscou elucidar esses fundamentos, combinando análises de neuroimagem funcional e medidas de traços motivacionais.
De acordo com o modelo 2 × 2 de timidez e sociabilidade, a timidez resulta de um conflito entre motivações de aproximação (desejo de interação social) e motivações de evitação (tendência a evitar possíveis rejeições ou constrangimentos).
Nessa estrutura, dois sistemas neuropsicológicos propostos por Jeffrey Gray, o Sistema de Inibição Comportamental (SIC ou BIS) e o Sistema de Ativação Comportamental (SAC ou BAS), refletem, respectivamente, as tendências de evitação e de aproximação.
O Sistema de Inibição Comportamental é ativado por estímulos associados a punição, novidade ou incerteza, gerando respostas de ansiedade e inibição comportamental; já o Sistema de Ativação Comportamental está relacionado à busca por recompensas e experiências positivas.

Estudos anteriores indicam que indivíduos tímidos apresentam maior sensibilidade do Sistema de Inibição Comportamental e respostas inibitórias mais intensas diante de situações sociais desafiadoras. Em contraste, o papel do Sistema de Ativação Comportamental permanece controverso: embora geralmente associado à extroversão e motivação social, algumas formas de “timidez positiva” também podem envolver componentes de busca por recompensa social.
Com base nesse arcabouço teórico, o presente estudo empregou ressonância magnética funcional em repouso (RMf) e análises para investigar como a timidez se relaciona à atividade neural espontânea e de que modo os sistemas Sistema de Inibição Comportamental e Sistema de Ativação Comportamental modulam essa relação.
A amostra foi composta por 42 estudantes universitários saudáveis com idade média de 21 anos, que responderam escalas de timidez e sensibilidade aos sistemas BIS/BAS antes do exame de imagem.

A análise, que avalia a sincronização da atividade neural em regiões cerebrais localizadas, revelou um achado central: níveis mais altos de timidez estavam associados a menor atividade neural espontânea no cerebelo posterior.
Essa descoberta amplia o entendimento sobre o papel do cerebelo, tradicionalmente vinculado ao controle motor, como modulador de processos emocionais, cognitivos e sociais, incluindo a regulação do medo, da ansiedade e da inibição comportamental.
Além disso, a análise de mediação demonstrou que o sistema Sistema de Inibição Comportamental mediou parcialmente a relação entre a atividade cerebelar reduzida e os níveis de timidez, enquanto o Sistema de Ativação Comportamental não apresentou efeito mediador significativo.
Essa via de mediação foi confirmada por testes de robustez utilizando análise de mediação inversa, reforçando a especificidade e a consistência do modelo proposto.
Esses resultados sugerem que a hipoatividade do cerebelo posterior pode contribuir para a timidez por meio de uma hipersensibilidade do sistema de inibição comportamental, levando a uma maior tendência de evitar situações sociais potencialmente ameaçadoras. Em outras palavras, o cerebelo, ao integrar informações sensório-emocionais e cognitivas, pode modular as respostas de evitação que caracterizam a timidez.

As implicações do estudo são amplas: compreender como as diferenças individuais na sincronia neural e na responsividade ao Sistema de Inibição Comportamental moldam o comportamento tímido abre caminho para intervenções neuropsicológicas direcionadas, voltadas à redução da inibição social e à melhoria da adaptação interpessoal.
Além disso, a utilização de medidas de análises em repouso oferece uma ferramenta promissora para identificar marcadores neurais estáveis de traços de personalidade.
Em conjunto, os achados reforçam a ideia de que a timidez não é apenas um fenômeno psicológico, mas também um reflexo de padrões neurais e motivacionais específicos, nos quais o cerebelo desempenha um papel central na regulação das respostas de evitação, mediadas pelo Sistema de Inibição Comportamental.
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Associations between trait shyness and cerebellar spontaneous neural activity are mediated by behavioral inhibition
Liang Li, Yujie Zhang, Benjamin Becker, and Hong Li
Personality and Individual Differences, Volume 248, January 2026, 113454
Abstract:
Shyness, a personality trait characterized by discomfort and inhibition in social contexts, has a profound impact on individuals' social functioning. Despite its significance, the specific neural mechanisms underlying shyness remain poorly understood. The 2 × 2 model of shyness and sociability posits that shyness arises from a conflict between approach and avoidance motivations. Within this framework, the Behavioral Inhibition System (BIS) and Behavioral Activation System (BAS) are widely regarded as reliable proxies for these opposing motivational tendencies. Therefore, this study employed resting-state fMRI and ReHo analyses to investigate the relationship between trait shyness and spontaneous neural activity in 42 healthy students (Mage = 21.36 ± 2.56), along with the mediating role of the BIS/BAS in this relationship. ReHo analysis revealed a significant association between lower spontaneous neural activity in the posterior cerebellum and higher levels of shyness; moreover, the BIS system partially mediated this link, whereas the BAS system showed no significant mediating effect. Robustness checks using inverse mediation analysis confirmed the specificity and robustness of this hypothesized pathway. These findings highlight the cerebellum's role in modulating individual differences in shyness through localized neural synchrony and emphasize the BIS system as a key mediator, offering potential implications for targeted interventions aimed at enhancing social adaptation in shy individuals.



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