Parkinson Pode Começar e Ser Alimentado por Bactérias do Intestino
- Lidi Garcia
- 1 de out.
- 4 min de leitura

Pesquisadores descobriram que uma bactéria comum, o Streptococcus mutans, pode contribuir para a Doença de Parkinson ao produzir uma molécula chamada propionato de imidazol, capaz de atingir o cérebro e causar inflamação, perda de neurônios e sintomas motores típicos da doença. O estudo reforça o papel do intestino no desenvolvimento do Parkinson e aponta novos caminhos para prevenção e tratamento.
A Doença de Parkinson é a segunda condição neurodegenerativa mais comum no mundo, ficando atrás apenas da Doença de Alzheimer. Estima-se que mais de 10 milhões de pessoas vivam com Parkinson em todo o mundo, e o número tende a aumentar com o envelhecimento da população.
Essa doença é marcada principalmente pela morte progressiva de neurônios produtores de dopamina em uma região do cérebro chamada substância negra. A dopamina é um neurotransmissor essencial para controlar os movimentos, e a perda desse sistema gera sintomas como tremores, rigidez muscular e lentidão para realizar movimentos.
Embora fatores genéticos possam contribuir, a maioria dos casos é considerada idiopática, ou seja, sem causa claramente definida. Isso sugere que fatores ambientais, como exposição a pesticidas, metais pesados, vírus e até hábitos alimentares, desempenham um papel importante.

Nos últimos anos, a atenção dos cientistas se voltou para o intestino e seu microbioma, ou seja, a comunidade de trilhões de bactérias que vivem no trato digestivo. Estudos mostram que pessoas com Parkinson apresentam uma composição de microbiota intestinal diferente daquela de indivíduos saudáveis.
Em experimentos com animais, quando se transplanta a microbiota de pessoas com Parkinson para camundongos, esses animais desenvolvem sintomas semelhantes aos da doença. Isso sugere que microrganismos intestinais e suas moléculas podem participar do desenvolvimento da condição.
A conexão entre intestino e cérebro, chamada eixo intestino-cérebro, pode permitir que substâncias produzidas por bactérias no intestino cheguem até o sistema nervoso central e influenciem os neurônios.
Entre as hipóteses mais estudadas, está a possibilidade de que metabólitos microbianos, pequenas moléculas produzidas pelas bactérias, possam atravessar barreiras biológicas e chegar ao cérebro. Uma classe importante dessas moléculas são os ácidos graxos de cadeia curta, derivados da fermentação de fibras alimentares pelas bactérias intestinais.

Bactéria Streptococcus mutans
Em alguns experimentos, eles foram capazes de intensificar processos inflamatórios no cérebro, prejudicando ainda mais os neurônios dopaminérgicos. Além disso, pacientes com Parkinson apresentam níveis reduzidos de bactérias que produzem substâncias protetoras, como o butirato, o que reforça a ideia de um desequilíbrio microbiano nocivo.
Para investigar esse fenômeno, um grande estudo analisou as fezes de quase 500 pessoas com Parkinson e de mais de 200 idosos saudáveis. Usando técnicas modernas de sequenciamento genômico, os pesquisadores mapearam em detalhes a composição microbiana e identificaram diferenças significativas entre os dois grupos.
Uma das descobertas mais marcantes foi a presença aumentada da bactéria Streptococcus mutans, mais conhecida por causar cáries dentárias, mas que também pode colonizar o intestino. Essa bactéria produz uma enzima chamada urocanato redutase (UrdA), que transforma uma substância natural do corpo chamada urocanato em outra molécula chamada propionato de imidazol (ImP).
Na parte experimental do estudo, os cientistas colonizaram camundongos com Streptococcus mutans ou com Escherichia coli modificada para carregar a mesma enzima. O resultado foi um aumento dos níveis de propionato de imidazol tanto no sangue quanto no cérebro desses animais.
Esse aumento foi acompanhado pelo aparecimento de sintomas semelhantes ao Parkinson: perda progressiva de neurônios dopaminérgicos, inflamação no cérebro e dificuldades motoras.

Essa imagem mostra os efeitos da bactéria E. coli modificada para produzir a enzima UrdA em comparação com a versão normal da bactéria (E. coli controle). À esquerda, vemos imagens do cérebro de camundongos. Os animais expostos à bactéria com UrdA perderam muito mais neurônios dopaminérgicos (células que produzem dopamina) em uma região chamada substância negra, que é justamente a área mais afetada na Doença de Parkinson. À direita, os gráficos confirmam essa perda: há menos neurônios dopaminérgicos (TH e Nissl) e menor densidade de fibras de dopamina nos animais com a bactéria modificada, enquanto o número total de neurônios de outra região não mudou.
Quando o propionato de imidazol foi administrado isoladamente, sem as bactérias, os animais também desenvolveram as principais características da doença. Isso confirmou que a molécula por si só é capaz de provocar alterações compatíveis com Parkinson.
O estudo também mostrou que essa molécula ativa uma via de sinalização celular chamada mTORC1, já conhecida por estar envolvida em processos de envelhecimento e neurodegeneração. Assim, a pesquisa sugere que a produção de propionato de imidazol pelas bactérias intestinais pode ser um elo direto entre o microbioma e a degeneração cerebral observada no Parkinson.
Esses resultados não apenas reforçam o papel do intestino na doença, mas também abrem caminho para novas estratégias terapêuticas. Intervenções que modifiquem o microbioma, reduzam a presença de bactérias como Streptococcus mutans ou neutralizem os efeitos do propionato de imidazol podem, no futuro, se tornar ferramentas importantes para prevenir ou tratar o Parkinson.

O resumo gráfico ilustra que o eixo UrdA-ImP está elevado no microbioma intestinal de pacientes com doença de Parkinson (DP). Usando modelos murinos, demonstramos que isso contribui causalmente para a patologia da DP por meio da ativação do mTORC1. Essas descobertas identificam o UrdA como um potencial alvo terapêutico baseado no microbioma intestinal para distúrbios do eixo intestino-cérebro, como a DP. Criado em BioRender. Kim, J. (https://BioRender.com/vg7s2sy).
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Gut microbial production of imidazole propionate drives Parkinson’s pathologies
Hyunji Park, Jiwon Cheon, Hyojung Kim, Jihye kim, Jihyun Kim, Jeong-Yong Shin, Hyojin Kim, Gaeun Ryu, In Young Chung, Ji Hun Kim, Doeun Kim, Zhidong Zhang, Hao Wu, Katharina R. Beck, Fredrik Bäckhed, Han-Joon Kim, Yunjong Lee, and Ara Koh
Nature Communications. volume 16, Article number: 8216 (2025).
Abstract:
Parkinson’s disease (PD) is characterized by the selective degeneration of midbrain dopaminergic neurons and aggregation of α-synuclein. Emerging evidence implicates the gut microbiome in PD, with microbial metabolites proposed as potential pathological mediators. However, the specific microbes and metabolites involved, and whether gut-derived metabolites can reach the brain to directly induce neurodegeneration, remain unclear. Here we show that elevated levels of Streptococcus mutans (S. mutans) and its enzyme urocanate reductase (UrdA), which produces imidazole propionate (ImP), in the gut microbiome of patients with PD, along with increased plasma ImP. Colonization of mice with S. mutans harboring UrdA or Escherichia coli expressing UrdA from S. mutans increases systemic and brain ImP levels, inducing PD-like symptoms including dopaminergic neuronal loss, astrogliosis, microgliosis, and motor impairment. Additionally, S. mutans exacerbates α-synuclein pathology in a mouse model. ImP administration alone recapitulates key PD features, supporting the UrdA–ImP axis as a microbial driver of PD pathology. Mechanistically, mTORC1 activation is crucial for both S. mutans- and ImP-induced PD pathology. Together, these findings identify microbial ImP, produced via UrdA, as a direct pathological mediator of the gut-brain axis in PD.



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