Sono Agitado Pode Ser Sinal Precoce de Doenças Neurológicas Graves
- Lidi Garcia
- 8 de out.
- 6 min de leitura

Pesquisadores descobriram que pessoas com um tipo específico de distúrbio do sono, o transtorno comportamental do sono REM, em que a pessoa “age os sonhos” durante o sono, podem estar mostrando um dos primeiros sinais de doenças neurológicas como o Parkinson e a demência com corpos de Lewy. Usando exames de ressonância magnética, os cientistas encontraram indícios de que essas pessoas já têm uma “faxina cerebral” menos eficiente, o que significa que o cérebro remove pior as substâncias tóxicas acumuladas. Essas alterações, observadas anos antes dos sintomas, podem ajudar a prever quem tem mais risco de desenvolver doenças neurodegenerativas e permitir intervenções precoces no futuro.
O transtorno comportamental do sono REM isolado é uma condição do sono na qual a pessoa perde a paralisia natural dos músculos que normalmente ocorre durante o sono REM, a fase em que sonhamos. Como resultado, o indivíduo pode mover-se, falar ou até agir como se estivesse dentro do sonho, às vezes com movimentos intensos ou agressivos.
Embora pareça apenas um distúrbio do sono, essa condição é hoje considerada um importante sinal precoce de doenças neurológicas graves, como a doença de Parkinson e a demência com corpos de Lewy. Estudos mostram que cerca de nove em cada dez pessoas com esse transtorno desenvolverão alguma dessas doenças após cerca de 15 anos.
Apesar disso, ainda não sabemos bem por que algumas pessoas com esse transtorno evoluem para doenças neurodegenerativas e outras não. Os cientistas buscam entender os mecanismos do cérebro que levam a essa transformação e procuram encontrar marcadores cerebrais, sinais visíveis em exames de imagem, que indiquem quem tem mais risco de desenvolver essas doenças.

Tanto a doença de Parkinson quanto a demência com corpos de Lewy são chamadas de sinucleinopatias, pois envolvem o acúmulo anormal de uma proteína chamada alfa-sinucleína. Essa proteína, quando se acumula de forma incorreta, forma aglomerados que prejudicam o funcionamento das células cerebrais e acabam causando sua morte.
O corpo possui mecanismos naturais para “limpar” resíduos e proteínas tóxicas do cérebro. Um deles é o sistema glinfático, uma rede de canais microscópicos que ajudam a remover esses resíduos, especialmente enquanto dormimos.
Nesse sistema, o líquido cefalorraquidiano, um fluido que envolve e protege o cérebro, entra por volta das artérias, circula entre as células cerebrais, recolhe toxinas e sai por volta das veias, levando os resíduos para fora do sistema nervoso.
Essa limpeza depende de uma proteína chamada aquaporina-4, presente nas chamadas células da glia (os astrócitos), que ajudam a movimentar o líquido de dentro para fora do cérebro. Se o sistema glinfático falha, as toxinas se acumulam, o que pode contribuir para o surgimento de doenças como Parkinson, Alzheimer e outras condições degenerativas.

Não é possível observar diretamente esse sistema em funcionamento, então os cientistas usam uma técnica especial de ressonância magnética chamada imagem por tensor de difusão ao longo do espaço perivascular, ou DTI-ALPS.
Essa técnica mede o movimento da água dentro do cérebro. Se o fluxo da água está reduzido em certas áreas próximas aos ventrículos (câmaras internas cheias de líquido), isso pode indicar que o sistema glinfático está funcionando mal.
Em outras palavras, o índice DTI-ALPS é uma forma indireta, mas não invasiva, de medir a eficiência da “faxina cerebral”. Estudos anteriores já mostraram que esse índice está alterado em pessoas com Parkinson e demência com corpos de Lewy, sugerindo que a limpeza cerebral prejudicada pode ser um fator importante na progressão dessas doenças.
Os pesquisadores queriam descobrir se pessoas com o transtorno comportamental do sono REM isolado já apresentam sinais de mau funcionamento do sistema glinfático antes de desenvolverem uma doença neurológica mais grave, e se esse sinal poderia prever quem tem maior chance de evoluir para Parkinson ou demência com corpos de Lewy.

Para isso, eles realizaram um grande estudo internacional e de longo prazo. Participaram 250 pessoas com o transtorno, diagnosticadas com exames de sono detalhados, e 178 pessoas saudáveis do mesmo grupo de idade para comparação. Todos fizeram exames de ressonância magnética cerebral com duas técnicas:
Uma para ver a estrutura do cérebro (chamada imagem ponderada em T1),
E outra para medir o movimento da água, usada para calcular o índice DTI-ALPS.
Os cientistas mediram esse índice em regiões próximas aos ventrículos cerebrais, que são cavidades centrais do cérebro cheias de líquido. Depois, acompanharam os pacientes com o transtorno por vários anos para observar quem desenvolveria uma doença neurológica (Parkinson, demência com corpos de Lewy ou atrofia multissistêmica).
Com esses dados, eles usaram modelos estatísticos para comparar as diferenças entre os grupos e verificar se o índice DTI-ALPS poderia prever o tempo e a probabilidade de progressão para uma doença neurodegenerativa.

Os resultados foram claros, as pessoas com o transtorno do sono apresentaram um índice DTI-ALPS menor no lado esquerdo do cérebro em comparação com as pessoas saudáveis. Isso indica que o sistema glinfático dessas pessoas já funciona de forma menos eficiente.
Entre os pacientes acompanhados ao longo de aproximadamente seis anos, aqueles que desenvolveram doença de Parkinson tinham índices ainda menores no início do estudo, em comparação com os que não desenvolveram a doença.
O risco de progressão para Parkinson foi cerca de duas vezes e meia maior entre aqueles com menor índice DTI-ALPS.
Outros parâmetros do exame de difusão, como a velocidade e direção geral da água, não mostraram diferenças significativas entre os grupos, reforçando que o índice DTI-ALPS pode ser um marcador mais sensível e específico.

O que isso significa?
Esses resultados indicam que pessoas com o transtorno comportamental do sono REM isolado já têm um sinal precoce de mau funcionamento do sistema glinfático, mesmo antes de desenvolverem Parkinson ou demência. Esse comprometimento da “limpeza cerebral” parece estar relacionado a uma maior chance de a pessoa evoluir para uma dessas doenças ao longo dos anos.
Assim, o índice DTI-ALPS pode se tornar uma ferramenta útil para identificar, através de um exame de ressonância magnética, quem está em maior risco de neurodegeneração. Essa descoberta é muito importante, pois permite que, no futuro, médicos consigam detectar e acompanhar essas alterações muito antes dos sintomas aparecerem, o que é essencial para tentar intervir precocemente e retardar a progressão das doenças neurodegenerativas.
LEIA MAIS:
Association of DTI-ALPS Glymphatic Index With Differential Phenoconversion in Isolated REM Sleep Behavior DisorderA Multi-Cohort MRI Study
Violette Ayral, Alexandre Pastor-Bernier, Véronique Daneault,
Christina Tremblay, Marie Filiatrault, Celine Haddad,
Jean-François Gagnon, Ronald B. Postuma, Petr Dušek, Stanislav Marecek,
Zsoka Varga, Johannes C. Klein, Michele, T. Hu, Stéphane Lehéricy,
Isabelle Arnulf, Marie Vidailhet, Jean-Christophe Corvol, for the ICEBERG Study Group, and Shady Rahayel
Neurology. October 7, 2025. Volume 105 number (7)
Abstract:
Isolated REM sleep behavior disorder (iRBD) is the strongest prodromal marker of synucleinopathies, including Parkinson disease (PD) and dementia with Lewy bodies (DLB). Identifying brain biomarkers that predict progression and distinguish phenoconversion trajectories remains a challenge. The glymphatic system is involved in interstitial waste clearance, and its dysfunction has been associated with pathologic protein accumulation and neurodegeneration. Diffusion tensor imaging along the perivascular space (DTI-ALPS) has been proposed as a noninvasive proxy for glymphatic function. The aim of this study was to determine whether patients with iRBD show a reduced DTI-ALPS index compared with controls and whether a lower DTI-ALPS index predicts future phenoconversion to PD or DLB. We conducted a longitudinal, multicenter cohort study using brain MRI scans from patients with polysomnography-confirmed iRBD and healthy controls recruited across 5 international centers. All participants underwent T1-weighted and diffusion-weighted MRI. DTI-ALPS indices were computed from diffusivity along projection and associative fibers adjacent to the lateral ventricles. The primary outcome was time to phenoconversion to synucleinopathy. Linear models assessed baseline group differences and clinical correlates, and Cox proportional hazard models assessed the predictive value of DTI-ALPS for time to phenoconversion. A total of 250 patients with iRBD (mean age: 66.5 ± 6.8 years; 87% male) and 178 controls (65.7 ± 6.8 years; 81% male) were included. Patients with iRBD showed a lower left DTI-ALPS index compared with controls (mean difference = −0.034, 95% CI −0.067 to −0.001; p = 0.043). Of 224 patients with iRBD followed for a mean of 6.1 ± 3.5 years, 65 phenoconverted to a synucleinopathy. Converters had a lower left DTI-ALPS index than nonconverters (mean difference = −0.050, 95% CI −0.098 to −0.003; p = 0.038). Lower left DTI-ALPS index was associated with an increased risk of conversion to PD over time (hazard ratio = 2.43, 95% CI 1.13–5.25; p = 0.012). Other diffusion metrics inside periventricular masks, namely fractional anisotropy, diffusivity metrics, and free water, did not differ between groups. Patients with iRBD exhibit a reduced DTI-ALPS index, suggesting altered glymphatic function. This reduction was associated with future phenoconversion to PD, supporting the DTI-ALPS index as a potential prognostic MRI biomarker of progression in prodromal synucleinopathies.



Comentários