O Segredo Das Alturas: Pistas Para Tratar o Parkinson Vêm Do Ar Rarefeito Das Montanhas
- Lidi Garcia
- 21 de ago.
- 5 min de leitura

A doença de Parkinson acontece quando células do cérebro que produzem dopamina, uma substância essencial para controlar os movimentos, começam a morrer. Pesquisas recentes mostram que esse processo está ligado a problemas nas mitocôndrias, que são as “usinas de energia” das células. Um estudo curioso descobriu que reduzir a quantidade de oxigênio no ar pode proteger essas células e até melhorar os sintomas em animais com Parkinson. Isso abre a possibilidade de, no futuro, novas formas de tratamento usarem esse mecanismo para retardar a doença.
A doença de Parkinson é um transtorno neurológico progressivo que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Ela se manifesta principalmente por sintomas motores, como tremores nas mãos, rigidez muscular, lentidão dos movimentos e dificuldade para iniciar ações, além da instabilidade postural que compromete o equilíbrio.
No entanto, os sintomas não se limitam ao corpo. Muitos pacientes também sofrem com distúrbios do sono, alterações no humor, dificuldades cognitivas e problemas digestivos. Por isso, o impacto da doença vai muito além dos movimentos visíveis.
No cérebro, a principal característica da doença de Parkinson é a perda gradual de neurônios que produzem dopamina. Esses neurônios estão concentrados em uma região chamada substância negra, localizada no mesencéfalo, que é essencial para o controle dos movimentos. Além da perda desses neurônios, há também o acúmulo de estruturas anormais dentro das células nervosas, conhecidas como corpos de Lewy e neuritos de Lewy.

Esses depósitos são formados, em grande parte, por uma proteína chamada alfa-sinucleína. Embora o papel normal dessa proteína ainda não seja completamente compreendido, sabe-se que quando ela se agrupa em fibrilas, pode se tornar tóxica para as células nervosas, danificando principalmente as mitocôndrias.
As mitocôndrias funcionam como “usinas de energia” das células, responsáveis por gerar a maior parte da energia necessária para o funcionamento do cérebro. Na doença de Parkinson, a alfa-sinucleína em sua forma anormal interfere no funcionamento do Complexo I, uma parte essencial das mitocôndrias.
Esse bloqueio prejudica a produção de energia, fragmenta as mitocôndrias, altera o transporte de nutrientes e aumenta a produção de moléculas agressivas chamadas espécies reativas de oxigênio.
Essas moléculas em excesso causam estresse oxidativo, enfraquecendo e destruindo gradualmente os neurônios produtores de dopamina. Não por acaso, substâncias químicas que bloqueiam o Complexo I, como pesticidas e alguns compostos sintéticos, podem provocar sintomas semelhantes ao
Parkinson em humanos e animais.

Pesquisas com modelos animais reforçam essa ligação. Camundongos geneticamente modificados que perdem o funcionamento adequado do Complexo I desenvolvem sintomas semelhantes ao Parkinson. Isso mostra que o mau funcionamento das mitocôndrias não é apenas uma consequência da doença, mas pode estar na sua raiz.
Infelizmente, até hoje não existe um tratamento capaz de interromper ou reverter essa degeneração; os medicamentos disponíveis apenas aliviam os sintomas.
Curiosamente, estudos com animais trouxeram uma descoberta inesperada: reduzir os níveis de oxigênio pode proteger os neurônios. Isso acontece porque a chamada hipóxia, ou seja, a exposição a um ar com menos oxigênio, parece reduzir os danos causados pela disfunção mitocondrial.
Em camundongos com mutações que simulam uma doença mitocondrial grave chamada síndrome de Leigh, manter os animais em ambientes com menor concentração de oxigênio não só retardou a neurodegeneração como chegou a aumentar em cinco vezes sua expectativa de vida. E mais surpreendente: mesmo em estágios avançados, a hipóxia foi capaz de interromper e até reverter parte da degeneração.

No caso específico da doença de Parkinson, testes em camundongos mostraram que a exposição contínua a níveis de oxigênio reduzidos protegeu os neurônios produtores de dopamina e preveniu a perda de movimentos.
Quando esses animais eram expostos a fibrilas de alfa-sinucleína, que normalmente aceleram a morte neuronal, aqueles que respiravam oxigênio em concentração normal (21% de oxigênio) desenvolveram sintomas motores e lesões cerebrais. Já os que respiravam ar com menos oxigênio (11%) ficaram protegidos: seus neurônios resistiram e não houve o mesmo nível de degeneração.
Além disso, quando afalta de oxigênio foi iniciada semanas depois do início da doença, os sintomas motores melhoraram e a progressão da degeneração foi interrompida.

Número de neurônios dopaminérgicos (TH+) na substância negra pars compacta (SNpc) em camundongos tratados com monômero α-syn ou fibrilas pré-formadas de α-syn (PFF) por 12 semanas, em condições normais de oxigénio (respirando 21% de oxigênio), e de menos oxigênio (respirando 11% oxigênio).
Esses resultados também foram observados em organismos muito mais simples, como o verme Caenorhabditis elegans, sugerindo que esse efeito do ar com menos oxigênio é algo conservado ao longo da evolução.
Há ainda relatos de pacientes com Parkinson que dizem sentir uma melhora espontânea nos sintomas quando viajam para locais de altitude elevada, onde a quantidade de oxigênio disponível naturalmente é menor. Embora esses relatos sejam apenas observações isoladas, eles reforçam a ideia de que a hipóxia pode ser explorada como uma forma de tratamento.

Em resumo, as descobertas mais recentes indicam que a redução controlada de oxigênio pode ter um efeito protetor sobre o cérebro em condições neurodegenerativas. No caso da doença de Parkinson, isso abre uma possibilidade fascinante: a de que mesmo após o início dos sintomas, a hipóxia poderia ajudar a preservar neurônios e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Embora ainda sejam necessários muitos estudos em humanos para confirmar a segurança e eficácia dessa estratégia, essa linha de pesquisa pode representar um caminho inovador para combater uma das doenças neurológicas mais desafiadoras da atualidade.
LEIA MAIS:
Hypoxia ameliorates neurodegeneration and movement disorder in a mouse model of Parkinson’s disease
Eizo Marutani, Maria Miranda, Timothy J. Durham, Sharon H. Kim, Dreson L. Russell, Presli P. Wiesenthal, Paul Lichtenegger, Marissa A. Menard, Charlotte F. Brzozowski, Haobo Li, Gary Ruvkun, Joshua D. Meisel, Laura Volpicelli-Daley, Vamsi K. Mootha, and Fumito Ichinose
Nature Neuroscience. 6 August 2025
DOI: 10.1038/s41593-025-02010-4
Abstract:
Parkinson’s disease (PD) is characterized by inclusions of α-synuclein (α-syn) and mitochondrial dysfunction in dopaminergic (DA) neurons of the substantia nigra pars compacta (SNpc). Patients with PD anecdotally experience symptom improvement at high altitude; chronic hypoxia prevents the development of Leigh-like brain disease in mice with mitochondrial complex I deficiency. Here we report that intrastriatal injection of α-syn preformed fibrils (PFFs) in mice resulted in neurodegeneration and movement disorder, which were prevented by continuous exposure to 11% oxygen. Specifically, PFF-induced α-syn aggregation resulted in brain tissue hyperoxia, lipid peroxidation and DA neurodegeneration in the SNpc of mice breathing 21% oxygen, but not in those breathing 11% oxygen. This neuroprotective effect of hypoxia was also observed in Caenorhabditis elegans. Moreover, initiating hypoxia 6 weeks after PFF injection reversed motor dysfunction and halted further DA neurodegeneration. These results suggest that hypoxia may have neuroprotective effects downstream of α-syn aggregation in PD, even after symptom onset and neuropathological changes.



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