Paracetamol e Gestação: Do Alívio Da Dor Ao Risco de TDAH e Autismo
- Lidi Garcia
- 28 de ago.
- 5 min de leitura

Durante a gravidez, o cérebro do bebê está em fase de formação e muito vulnerável a substâncias externas. O paracetamol é o remédio mais usado por gestantes para dor e febre e, embora seja considerado seguro, estudos recentes mostram que seu uso frequente ou prolongado pode estar ligado a maior risco de problemas no desenvolvimento neurológico da criança, como TDAH e autismo. Por isso, especialistas recomendam que seja usado apenas quando realmente necessário e sempre com orientação médica.
A gravidez é um período extremamente delicado para o desenvolvimento do bebê. Nesse momento, ocorrem transformações rápidas e coordenadas no corpo da mãe e no feto, especialmente no cérebro em formação.
O sistema nervoso central ainda está em construção, com neurônios nascendo, se conectando e sendo “podados” para dar lugar às redes cerebrais maduras. Além disso, a barreira hematoencefálica, que funciona como um filtro para proteger o cérebro de substâncias potencialmente nocivas, ainda não está totalmente formada.
Isso significa que o cérebro do feto fica muito mais vulnerável a exposições ambientais, como substâncias químicas, medicamentos e toxinas. Até mesmo pequenas alterações nesse processo podem ter consequências duradouras, resultando em dificuldades de aprendizado, comportamento e interação social mais tarde na infância.

Esses efeitos estão agrupados em uma categoria chamada transtornos do neurodesenvolvimento (TDNs), que incluem, por exemplo, o transtorno do espectro autista (TEA) e o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
O paracetamol, também conhecido como acetaminofeno, é hoje o medicamento mais usado para aliviar dor e febre durante a gestação, já que outros analgésicos comuns estão associados a riscos mais graves, como aborto espontâneo ou malformações.
Estima-se que mais da metade das gestantes em todo o mundo utilize paracetamol em algum momento da gravidez, e cerca de 20% o façam por períodos prolongados, acima de 20 dias. Durante muitos anos, ele foi considerado seguro e, inclusive, recomendado por instituições médicas como o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas.
No entanto, estudos mais recentes têm levantado preocupações sobre uma possível ligação entre o uso frequente ou prolongado do medicamento e o aumento de risco de transtornos do neurodesenvolvimento nos filhos.

Para investigar essa questão de forma cuidadosa, os pesquisadores aplicaram a metodologia conhecida como Guia de Navegação. Esse método foi criado para organizar e avaliar estudos observacionais em saúde ambiental de maneira sistemática e transparente, evitando conclusões precipitadas.
O processo começa com uma busca detalhada na literatura científica, neste caso, foram analisados todos os artigos disponíveis no banco de dados PubMed até fevereiro de 2025. Em seguida, os estudos encontrados são avaliados segundo critérios rigorosos: risco de viés (ou seja, se houve falhas no desenho da pesquisa que possam comprometer os resultados), qualidade metodológica e força da evidência (se os achados são consistentes e bem sustentados).
Como os trabalhos eram bastante diferentes entre si, em vez de juntar todos os resultados em uma única análise estatística, os autores optaram por uma síntese qualitativa. Isso significa que eles compararam e discutiram os achados em conjunto, destacando padrões e diferenças entre eles, o que é o procedimento recomendado pelo Guia de Navegação quando há grande diversidade de métodos.

No total, foram incluídos 46 estudos. Desses, 27 mostraram associações positivas, ou seja, encontraram uma ligação significativa entre o uso pré-natal de paracetamol e o desenvolvimento posterior de TDAH, TEA ou sintomas relacionados nos filhos.
Nove estudos não encontraram nenhuma relação relevante, enquanto quatro sugeriram até efeitos protetores. Um detalhe importante é que os estudos considerados de maior qualidade foram justamente os que mais apontaram para associações positivas.
Assim, embora nem todos os trabalhos tenham chegado à mesma conclusão, a tendência predominante indica que existe, sim, uma ligação entre a exposição fetal ao paracetamol e o aumento do risco de transtornos de déficit de atenção.

Essa figura mostra uma avaliação da qualidade dos estudos que investigaram a relação entre o uso de paracetamol na gravidez e problemas no desenvolvimento das crianças, como TDAH, autismo e outros transtornos. Cada linha representa um aspecto importante da pesquisa, como a forma de seleção dos participantes, a forma como os dados foram coletados, se houve controle de fatores que poderiam confundir os resultados, se os dados foram analisados de forma completa e se havia possíveis conflitos de interesse. As cores indicam o nível de confiança nesses aspectos: verde significa baixo risco de erro, amarelo mostra que existem algumas preocupações, vermelho indica risco alto e vinho (crítico) mostra grande chance de erro. Em resumo, a figura ajuda a entender quais partes dos estudos são mais confiáveis e onde existem fragilidades que podem afetar os resultados.
Diante desses resultados, a conclusão da análise foi que há um corpo de evidências suficientemente consistente para justificar cautela. Os autores recomendam que gestantes limitem o uso do paracetamol ao mínimo necessário, apenas quando realmente indicado, para reduzir o risco de impactos no desenvolvimento cerebral do bebê.
Isso não significa que o medicamento deva ser totalmente evitado, mas sim que seu consumo deve ser mais criterioso, com orientação médica, reconhecendo que mesmo substâncias consideradas “seguras” podem não ser totalmente isentas de riscos quando usadas em momentos tão críticos como a gravidez.
LEIA MAIS:
Evaluation of the evidence on acetaminophen use and neurodevelopmental disorders using the Navigation Guide methodology
Diddier Prada, Beate Ritz, Ann Z. Bauer, and Andrea A. Baccarelli
Environmental Health, volume 24, Article number: 56 (2025)
Abstract:
Acetaminophen is the most commonly used over-the-counter pain and fever medication taken during pregnancy, with > 50% of pregnant women using acetaminophen worldwide. Numerous well-designed studies have indicated that pregnant mothers exposed to acetaminophen have children diagnosed with neurodevelopmental disorders (NDDs), including autism spectrum disorder (ASD) and attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD), at higher rates than children of pregnant mothers who were not exposed to acetaminophen. We applied the Navigation Guide methodology to the scientific literature to comprehensively and objectively examine the association between prenatal acetaminophen exposure and NDDs and related symptomology in offspring. We conducted a systematic PubMed search through February 25, 2025, using predefined inclusion criteria and rated studies based on risk of bias and strength of evidence. Due to substantial heterogeneity, we opted for a qualitative synthesis, consistent with the Navigation Guide’s focus on environmental health evidence. We identified 46 studies for inclusion in our analysis. Of these, 27 studies reported positive associations (significant links to NDDs), 9 showed null associations (no significant link), and 4 indicated negative associations (protective effects). Higher-quality studies were more likely to show positive associations. Overall, the majority of the studies reported positive associations of prenatal acetaminophen use with ADHD, ASD, or NDDs in offspring, with risk-of-bias and strength-of-evidence ratings informing the overall synthesis. Our analyses using the Navigation Guide thus support evidence consistent with an association between acetaminophen exposure during pregnancy and increased incidence of NDDs. Appropriate and immediate steps should be taken to advise pregnant women to limit acetaminophen consumption to protect their offspring’s neurodevelopment.



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