Obesidade Pré-Gravidez: O Elo Entre Peso Materno e Autismo
- Lidi Garcia
- 15 de ago.
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Um estudo com camundongos mostrou que a obesidade da mãe antes da gravidez, e não apenas durante a gestação, pode aumentar o risco de comportamentos semelhantes ao autismo nos filhos, especialmente em machos. Isso ocorre porque a obesidade prévia pode alterar a forma como certos genes do cérebro funcionam, deixando marcas químicas duradouras que afetam o desenvolvimento e o comportamento.
O transtorno do espectro autista é um conjunto de condições que afetam o desenvolvimento do cérebro desde muito cedo. Pessoas com esse transtorno apresentam dificuldades para se comunicar e interagir socialmente, além de apresentarem comportamentos repetitivos e interesses muito restritos.
Nos Estados Unidos, estima-se que cerca de uma em cada trinta e seis crianças receba o diagnóstico, sendo mais comum em meninos do que em meninas, numa proporção de aproximadamente três para um.
Embora fatores genéticos sejam importantes, apenas uma pequena parte dos casos é causada por mutações genéticas muito específicas e fortes, o que indica que influências ambientais e mudanças químicas que regulam a atividade dos genes, conhecidas como alterações epigenéticas, também desempenham um papel relevante.

Estudos recentes sugerem que o estado de saúde da mãe antes e durante a gravidez, especialmente a obesidade, pode aumentar o risco de autismo nos filhos. Essa ideia se encaixa em uma hipótese médica conhecida como “Origens do Desenvolvimento da Saúde e da Doença”.
Essa hipótese propõe que o ambiente a que o bebê é exposto desde a fase de óvulo e espermatozoide até a vida dentro do útero pode “programar” o desenvolvimento e influenciar a saúde ao longo de toda a vida. Apesar das evidências epidemiológicas, ainda não está claro como exatamente a obesidade materna aumenta esse risco, nem se a fase mais crítica de exposição é antes da concepção ou durante a gestação.
Para investigar essa questão, os cientistas da University of Hawaiʻi at Mānoa, USA, utilizaram camundongos como modelo experimental, pois permitem um controle rigoroso das variáveis e uma observação detalhada dos efeitos. Eles aplicaram um método que combina fertilização in vitro (ou seja, a fecundação do óvulo fora do corpo da fêmea) com a transferência dos embriões resultantes para mães adotivas.

Com isso, conseguiram separar dois tipos de influência: a que vem dos óvulos e espermatozoides de mães obesas antes mesmo da gravidez, e a que vem do ambiente uterino de uma mãe obesa durante a gestação. Dessa forma, foi possível identificar se o risco vinha de alterações já presentes nas células reprodutivas ou se surgia devido ao ambiente no útero.
Os pesquisadores alimentaram algumas fêmeas com uma dieta rica em gordura antes da concepção, enquanto outras só recebiam essa dieta durante a gestação. Depois, acompanharam o comportamento dos filhotes.
Descobriram que apenas a obesidade antes da gravidez, mesmo sem obesidade durante a gestação, já foi suficiente para provocar, em filhotes machos, comportamentos parecidos com os observados no autismo humano: alterações na forma de vocalizar, menor interesse por interações sociais e aumento de comportamentos repetitivos, como limpeza excessiva.
Esses efeitos não foram vistos em filhotes fêmeas nem naqueles expostos à obesidade materna apenas durante a gestação.

Ao investigar o cérebro desses animais, os cientistas analisaram quais genes estavam ativos e como eles eram regulados. No córtex, região importante para funções cognitivas e sociais, encontraram mudanças na atividade e na forma de funcionamento de genes já ligados ao autismo, como Homer1 e Zswim6.
Além disso, ao estudar o hipocampo, área crucial para a memória e aprendizado, por meio de um método que examina a “metilação” do DNA (uma marca química que regula a atividade dos genes), eles descobriram que havia menos metilação em uma região específica do gene Homer1.
Essa mudança estava associada a um aumento de uma forma curta da proteína Homer1a, que é conhecida por atrapalhar a estrutura e o funcionamento das conexões entre neurônios.
Essas descobertas mostram que a obesidade materna antes da gravidez pode deixar marcas químicas duradouras no DNA e mudar a atividade de genes essenciais para o desenvolvimento cerebral. Isso reforça a importância de cuidar da saúde da mulher antes mesmo de ela engravidar, já que esse período pode ter um impacto decisivo no risco de autismo nos filhos.
LEIA MAIS:
Pre-Conception Maternal Obesity Confers Autism Spectrum Disorder-like Behaviors in Mice Offspring Through Neuroepigenetic Dysregulation
Nina P. Allan, Amada Torres, Michael J. Corley, Brennan Y. Yamamoto, Chantell Balaan, Yasuhiro Yamauchi, Rafael Peres, Yujia Qin, Vedbar S. Khadka, Youping Deng, Monika A. Ward, and Alika K. Maunakea
Cells, 2025, 14(15), 1201
Abstract:
Autism spectrum disorder (ASD) is a complex neurodevelopmental condition with early-life origins. Maternal obesity has been associated with increased ASD risk, yet the mechanisms and timing of susceptibility remain unclear. Using a mouse model combining in vitro fertilization (IVF) and embryo transfer, we separated the effects of pre-conception and gestational obesity. We found that maternal high fat diet (HFD) exposure prior to conception alone was sufficient to induce ASD-like behaviors in male offspring—including altered vocalizations, reduced sociability, and increased repetitive grooming—without anxiety-related changes. These phenotypes were absent in female offspring and those exposed only during gestation. Cortical transcriptome analysis revealed dysregulation and isoform shifts in genes implicated in ASD, including
Homer1 and Zswim6. Whole-genome bisulfite sequencing of hippocampal tissue showed hypomethylation of an alternative Homer1 promoter,
correlating with increased expression of the short isoform Homer1a, which is known to disrupt synaptic scaffolding. This pattern was specific to mice with ASD-like behaviors. Our findings show that pre-conceptional maternal obesity can lead to lasting, isoform-specific transcriptomic and epigenetic changes in the offspring’s brain. These results underscore the importance of maternal health before pregnancy as a critical and modifiable factor in ASD risk.



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