O Gene Do Medo Social: Como Uma Mutação Pode Redesenhar o Cérebro e Aumentar a Ansiedade
- Lidi Garcia
- 18 de jul.
- 5 min de leitura

Cientistas descobriram que uma mutação no gene PTEN, ligada ao autismo, pode causar desequilíbrios em neurônios que controlam emoções, especialmente na amígdala, região do cérebro ligada ao medo e à ansiedade. Em testes com camundongos, a falta desse gene em certos neurônios aumentou os níveis de ansiedade e medo, ajudando a entender melhor como alterações cerebrais podem influenciar os sintomas do autismo.
O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que afeta cerca de 1 em cada 36 crianças nos Estados Unidos. Ele se manifesta principalmente por dificuldades na interação social, na comunicação e pela presença de comportamentos repetitivos ou interesses muito restritos.
No entanto, muitos indivíduos com transtorno do espectro autista também apresentam outros sintomas associados, como crises convulsivas, ansiedade, dificuldades cognitivas, sensibilidade a estímulos sensoriais e crescimento anormal do cérebro (macrocefalia).

A ciência já identificou mais de 100 genes ligados ao risco de desenvolver transtorno do espectro autista, e um dos mais estudados é o gene PTEN, que regula o crescimento das células e atua diretamente sobre uma via celular chamada mTOR. Mutação nesse gene está presente em até 25% das pessoas com transtorno do espectro autista que também apresentam macrocefalia.
Pesquisas com animais têm mostrado que, quando há alterações no gene PTEN em camundongos, eles desenvolvem comportamentos semelhantes aos observados em pessoas com transtorno do espectro autista, como ansiedade, dificuldades sociais e movimentos repetitivos.
Esses animais também apresentam alterações físicas no cérebro, como aumento no tamanho dos neurônios, maior número de conexões sinápticas e atividade cerebral alterada. Dependendo de qual tipo de neurônio tem o gene PTEN desativado (o chamado "knockout"), diferentes efeitos comportamentais e cerebrais são observados.
Um foco importante das pesquisas recentes são os neurônios inibitórios, ou seja, células que ajudam a "frear" a atividade cerebral, que utilizam uma substância chamada GABA. Esses neurônios desempenham papel essencial no equilíbrio da atividade cerebral e no controle da ansiedade, da atenção e da resposta emocional. Entre eles, dois tipos têm recebido destaque: os que produzem parvalbumina (PV+) e os que produzem somatostatina (SOM+).
Enquanto o gene PTEN parece favorecer o desenvolvimento dos neurônios PV+, ele pode inibir o crescimento ou funcionamento dos SOM+. Quando esse equilíbrio entre os dois tipos de neurônios é alterado, o cérebro pode ficar desregulado, o que pode contribuir para os sintomas do transtorno do espectro autista.

No estudo descrito, os cientistas investigaram exatamente o que acontece quando o gene PTEN é removido apenas dos neurônios SOM+ em uma região do cérebro chamada amígdala central lateral (CeL). Essa área é responsável por regular respostas emocionais, como o medo e a ansiedade, que frequentemente estão alteradas em pessoas com transtorno do espectro autista.
Eles usaram camundongos geneticamente modificados e observaram seu comportamento, mediram a atividade dos neurônios e mapearam as conexões entre eles com uma técnica sofisticada chamada de mapeamento de circuito com dois fótons.

Os resultados mostraram que a falta do gene PTEN nos neurônios SOM+ levou a um aumento da ansiedade e do medo nos camundongos. Além disso, as conexões locais entre os neurônios na CeL ficaram mais fracas e menos organizadas.
Curiosamente, enquanto essa parte do cérebro perdeu força na sua rede de freios (inibição), a entrada vinda de outra região, a amígdala basolateral (BLA), que envia sinais de excitação, ficou mais forte. Esse desbalanço entre excitação e inibição parece ser um dos fatores que explicam o comportamento mais ansioso e reativo desses camundongos.

Esta figura mostra como a remoção do gene PTEN em certos neurônios chamados SOM+ afeta a comunicação entre duas regiões do cérebro envolvidas no medo e na ansiedade: a amígdala basolateral (BLA) e a amígdala central lateral (CeL). Na imagem (a), vemos um esquema do experimento, onde os cientistas usaram uma técnica chamada optogenética (ativação de neurônios com luz) para estimular conexões da amígdala basolateral até os neurônios SOM+ na amígdala central lateral. No gráfico (b), os pesquisadores mediram os sinais elétricos gerados por essa estimulação e viram que, nos camundongos sem o gene PTEN (KO), os neurônios SOM+ recebiam sinais um pouco mais fortes que os normais (WT), mas essa diferença não foi estatisticamente significativa. No gráfico (c), eles avaliaram o tipo de sinal excitatório e descobriram que os camundongos KO tinham uma razão muito maior de receptores AMPA/NMDA, o que indica uma alteração na forma como esses neurônios processam estímulos, sugerindo uma maior ativação excitatória. Por fim, no gráfico (d), eles testaram se a chance de liberar neurotransmissores mudou, e não encontraram diferença entre os grupos.
Em resumo, esse estudo mostra que alterações específicas no funcionamento de um tipo de neurônio inibitório, devido à ausência do gene PTEN, podem levar a mudanças profundas na organização dos circuitos cerebrais relacionados à emoção e ao comportamento social.
Isso ajuda a entender melhor os mecanismos biológicos que podem estar por trás dos sintomas do autismo e aponta para novos caminhos de pesquisa e tratamento.
LEIA MAIS:
PTEN in somatostatin neurons regulates fear and anxiety and is required for inhibitory synaptic connectivity within central amygdala
Timothy W. Holford, Kaitlyn N. Letourneau, Carolyn Von-Walter, Daniela Moncaleano, Cody L. Loomis, and M. McLean Bolton
Front. Cell. Neurosci., 26 June 2025, Volume 19 - 2025
Abstract:
The phosphatase and tensin homolog deleted on chromosome 10 (PTEN) is a negative regulator of the mTOR pathway and is strongly associated with autism spectrum disorder (ASD), with up to 25% of ASD patients with macrocephaly harboring PTEN mutations. Mice with germline PTEN haploinsufficiency show behavioral characteristics resembling ASD, as do various mouse models with conditional knockouts of PTEN. Human tissue studies and those from multiple genetic mouse models suggest that dysfunction of GABAergic interneurons may play a role in the development of ASD, but the precise mechanisms remain elusive. PTEN provides a target for investigation because it regulates the development of inhibitory neurons arising from the medial ganglionic eminence, promoting the survival and maturation of parvalbumin (PV+) neurons at the expense of somatostatin (SOM+) neurons. Here, we investigate how PTEN regulates SOM+ neurons at the cellular and circuit level in the central lateral amygdala (CeL), an area that governs the key ASD behavioral symptoms of social anxiety and altered emotional motivation for social engagement using behavioral analysis, electrophysiology, and two-photon local circuit mapping. We found that knocking out PTEN in SOM+ neurons results in elevated levels of fear and anxiety and decreases CeL local circuit connectivity. Specifically, this manipulation decreased the strength of connections between individual neurons and altered the distribution of local connections in a cell-type specific manner. In contrast to the deficit in local inhibitory connections within CeL, the excitatory drive from the major CeL input, the basolateral amygdala (BLA) was enhanced. This combined imbalance of enhanced excitation and diminished local inhibition likely underlies the heightened fear learning and anxiety we observed in the PTEN-SOM-KO mice.



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