top of page

O Cérebro Por Trás Da Máscara: Como Autistas "Passam Por Não Autistas"

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 5 de ago.
  • 5 min de leitura
ree

Um novo estudo mostra que muitos adolescentes autistas conseguem parecer "não autistas" em certos ambientes, como na escola ou em casa, mesmo tendo diagnóstico confirmado em clínica. Isso é chamado de PAN (Passar por Não Autista). Os cientistas descobriram que o cérebro desses jovens processa rostos de forma mais rápida, mas reage menos emocionalmente a eles. Isso pode ajudar a explicar por que eles se adaptam melhor em contextos sociais, mesmo mantendo suas características autistas.


Embora o autismo seja geralmente caracterizado por dificuldades na interação social, pesquisas recentes mostram que isso pode variar bastante dependendo do contexto. Em outras palavras, muitos jovens autistas se comportam de maneira diferente em casa, na escola ou em clínicas. 


Um fenômeno chamado "Passar por Não Autista" (PAN) descreve justamente isso: situações em que a pessoa autista parece não ser autista, ou não demonstra claramente suas características autistas, especialmente em ambientes sociais. Isso não significa que a pessoa está fingindo ou tentando enganar, muitas vezes, esse comportamento acontece de forma automática, inconsciente.


Estudos mostram que a PAN é mais comum do que se pensava. Alguns jovens demonstram sinais claros de autismo quando avaliados por profissionais (em ambientes clínicos), mas parecem neurotípicos, ou seja, não autistas, quando observados por pais ou professores no dia a dia.


Essa variação de comportamento tem levado pesquisadores a buscar explicações mais profundas, especialmente sobre o que acontece no cérebro dessas pessoas.

ree

O que pode causar essa mudança de comportamento?


Existem várias teorias para explicar o PAN. Uma delas é que esses jovens usam estratégias cognitivas compensatórias para parecerem mais socialmente “ajustados”. Eles podem, por exemplo, copiar expressões faciais, imitar gestos ou tentar controlar suas emoções de maneira consciente ou automática. 


Outras teorias sugerem que a PAN pode estar relacionada a uma maior regulação emocional, ou seja, esses jovens seriam mais capazes de controlar como suas emoções aparecem externamente. Também há a possibilidade de que eles tenham pontos fortes em áreas específicas, como memória ou raciocínio lógico, que os ajudam a "navegar" nas interações sociais.


Seja qual for a explicação, essas estratégias dependem de como o cérebro dessas pessoas processa informações sociais, como rostos e expressões. Por isso, os cientistas têm investigado os mecanismos neurais por trás da PAN, ou seja, o que acontece no cérebro dessas pessoas quando elas veem ou interagem com outras pessoas.


Uma das maneiras mais comuns de estudar o cérebro em tempo real é usando o EEG (eletroencefalograma), que registra a atividade elétrica cerebral. Com o EEG, os cientistas podem observar potenciais relacionados a eventos (PREs), que são sinais cerebrais ativados por estímulos específicos, como ver um rosto.

ree

Dois PREs são especialmente importantes no estudo do autismo:


  • N170: Um sinal que aparece rapidamente (cerca de 170 milissegundos) após a visualização de um rosto. É um indicador de como o cérebro reconhece rostos. Em pessoas autistas, esse sinal costuma surgir mais lentamente, o que pode indicar um processamento facial mais lento.


  • LPP (Potencial Positivo Tardio): Um sinal que aparece mais tarde (a partir de 300 milissegundos) e mostra como o cérebro reage emocionalmente a estímulos. Ele costuma ser mais forte quando a pessoa vê algo emocionalmente marcante, como um rosto com expressão triste ou feliz. Em pessoas autistas, o LPP pode ser mais fraco, sugerindo uma resposta emocional menos intensa, mas isso varia conforme o tipo de emoção e o contexto.


Esses sinais ajudam os cientistas a entender não apenas o que a pessoa vê, mas como ela sente e reage ao que vê.


Este estudo, realizado por pesquisadores da Stony Brook University, USA, investigou como adolescentes autistas com e sem PAN processam rostos e emoções. Para isso, os pesquisadores analisaram os sinais N170 e LPP enquanto os jovens realizavam uma tarefa de reconhecimento de expressões faciais (enquanto estavam com EEG).


A amostra foi composta por 44 adolescentes (média de idade de 13 anos), avaliados por diferentes pessoas em diferentes contextos: pais (em casa), professores (na escola) e profissionais clínicos. Os cientistas compararam essas avaliações usando escalas bem reconhecidas no campo do autismo: a SRS-2 (Relatório de Responsividade Social, feita por pais e professores) e o ADOS-2 (uma avaliação clínica feita por especialistas). 

ree

Com isso, foi possível identificar quem apresentava características autistas de forma consistente em todos os contextos e quem mostrava discrepância, ou seja, parecia mais ou menos autista dependendo do ambiente. Essa discrepância é o que define o PAN.


Cerca de 44% dos adolescentes estudados apresentaram sinais de PAN, ou seja, mostraram características de autismo em ambientes clínicos, mas não em casa ou na escola. Quando os cientistas analisaram os sinais cerebrais desses jovens, encontraram dois resultados principais:


- O N170 foi mais rápido em jovens com PAN, o que indica um processamento facial mais eficiente ou automático.


- O LPP foi mais fraco, especialmente quando os rostos exibiam emoções mais sutis, o que sugere uma resposta emocional reduzida.


Esses achados indicam que os jovens com PAN processam rostos de forma mais ágil, mas reagem menos emocionalmente a eles. Isso pode explicar por que conseguem se adaptar ou parecer menos autistas em certos ambientes: o cérebro deles está respondendo de forma diferente ao contexto social, tanto na percepção quanto na emoção.

ree

Esse é o primeiro estudo a identificar possíveis mecanismos cerebrais ligados ao PAN. Ele mostra que o PAN não é apenas uma questão de comportamento visível, mas está relacionado a diferenças reais no funcionamento cerebral.


Esses jovens não estão apenas “se esforçando” para se ajustar, seus cérebros estão, de fato, reagindo ao mundo social de uma maneira específica.


Essa descoberta é importante para melhorar a forma como o autismo é avaliado e compreendido. Ela também pode ajudar a desenvolver intervenções mais adequadas, respeitando a complexidade da experiência autista e evitando julgamentos errados baseados apenas na aparência comportamental em um único contexto.



LEIA MAIS:


Automatic and affective processing of faces as mechanisms of passing as non-autistic in adolescence

Abigail P. Houck, Jared K. Richards, Talena C. Day, Janelle J. Goodwill, Kathryn M. Hauschild, Isha Malik, and Matthew D. Lerner 

Scientific Reports, volume 15, Article number: 22850 (2025)


Abstract: 


Passing as non-autistic (PAN) is the phenomenon by which an autistic person does not present as autistic in certain contexts. Despite a proliferation of research on the construct on PAN, no study has yet examined the neurocognitive processes implicated in PAN. This study examined two well-characterized event-related potentials (ERPs) often associated with autism - the N170 and the Late Positive Potential (LPP) - in response to faces as putative mechanisms of PAN. Participants were 44 community-recruited youth (Mage = 13.36, Nmale = 30) who completed a facial emotion recognition task during EEG recording. PAN was operationalized using best practices (moderation) for calculating the discrepancy between community informant (parent and teacher) and clinician-reported autism symptoms. Results reveal a substantial proportion (approximately 44%) of the community-recruited adolescent sample met criteria for PAN. This status was associated with faster N170 latency to faces, and attenuated LPP amplitude to facial emotions, particularly subtle facial emotions. Findings suggest autistic adolescents who PAN may have more efficient automatic process of, and reduced reactivity to, social stimuli. This study provides the first direct test of a potential neurocognitive mechanism of PAN, supporting emotion regulation-mediated PAN models.

 
 
 

Comentários


© 2020-2025 by Lidiane Garcia

bottom of page