Não é Só Um Espectro: Cientistas Identificam 4 Perfis Genéticos Distintos De Autismo
- Lidi Garcia
- 25 de jul.
- 5 min de leitura

Cientistas identificaram quatro subtipos distintos de autismo, cada um com características próprias de comportamento, desenvolvimento e genética. Isso mostra que o autismo não é uma condição única, mas sim um conjunto de diferentes perfis. A descoberta pode ajudar a personalizar o diagnóstico e o tratamento, tornando-os mais precisos e eficazes para cada pessoa no espectro.
O autismo é uma condição complexa do neurodesenvolvimento que afeta a forma como uma pessoa se comunica, interage socialmente e se comporta. Nos últimos anos, o número de diagnósticos de transtorno do espectro autista (TEA) tem crescido rapidamente.
Além disso, com a ampliação dos critérios diagnósticos, há uma grande diversidade de perfis entre pessoas com autismo, tanto em termos de comportamento quanto em sua base genética. Isso significa que, embora duas pessoas tenham o mesmo diagnóstico, elas podem ter características, desafios e necessidades muito diferentes entre si.
Por trás dessa diversidade estão dezenas, senão centenas, de genes que podem estar relacionados ao autismo. No entanto, até agora, a ciência ainda não havia conseguido ligar claramente quais padrões genéticos estão associados a quais tipos de manifestações clínicas.

Foi exatamente isso que um novo e importante estudo, publicado na revista Nature Genetics, buscou investigar. Utilizando dados detalhados de mais de 5 mil crianças autistas participantes do estudo SPARK, financiado pela Fundação Simons, uma equipe de pesquisadores da Universidade de Princeton combinou análises genéticas avançadas com um modelo computacional para identificar subtipos distintos de autismo, tanto do ponto de vista clínico quanto biológico.
Ao invés de focar em apenas um ou dois sintomas por vez, os cientistas usaram uma abordagem "centrada na pessoa", levando em conta mais de 230 características por participante, como o nível de interação social, comportamento repetitivo, habilidades cognitivas, presença de outras condições de saúde mental (como ansiedade ou TDAH) e marcos do desenvolvimento (como andar e falar).

Com isso, eles conseguiram identificar quatro subtipos claros de autismo, cada um com um padrão específico de desenvolvimento, traços comportamentais e, o mais interessante, assinaturas genéticas distintas.
O primeiro grupo, chamado Desafios Sociais e Comportamentais, inclui crianças com sintomas clássicos de autismo, como dificuldades de interação social e comportamentos repetitivos, mas que geralmente se desenvolvem no tempo esperado em outras áreas, como linguagem e motricidade. Essas crianças frequentemente têm outras condições associadas, como TDAH, ansiedade e depressão. Este é o grupo mais numeroso, representando cerca de 37% da amostra.
O segundo subtipo, TEA Misto com Atraso no Desenvolvimento, é caracterizado por atrasos em habilidades como andar ou falar, mas com menos presença de sintomas psiquiátricos como ansiedade ou irritabilidade. O nome "misto" reflete a diversidade de sintomas sociais e comportamentais dentro desse grupo, que corresponde a cerca de 19% das crianças estudadas.
O terceiro grupo, chamado Desafios Moderados, reúne indivíduos que apresentam sintomas do espectro autista de forma mais leve e menos impactante. Eles tendem a alcançar marcos do desenvolvimento dentro do esperado e, na maioria dos casos, não possuem outras condições psiquiátricas. Cerca de 34% das crianças analisadas pertencem a esse grupo.
Por fim, o subtipo Amplamente Afetado representa as crianças com os sintomas mais severos e generalizados. Elas apresentam atrasos significativos no desenvolvimento, dificuldades graves de comunicação social, comportamentos repetitivos acentuados e múltiplas condições associadas, como instabilidade de humor, ansiedade e depressão. Este é o menor grupo, com aproximadamente 10% da amostra.

Este estudo analisou dados de mais de 5 mil crianças com autismo para entender melhor os diferentes perfis dentro do espectro. Usando um modelo computacional avançado, os pesquisadores agruparam os participantes com base em 239 características comportamentais e de desenvolvimento, como habilidades sociais, linguagem e marcos do desenvolvimento, e identificaram quatro grupos (ou "subclasses") distintos de autismo. Cada grupo tem suas próprias combinações de dificuldades e características. Por exemplo, algumas crianças tiveram mais dificuldade para andar ou falar na infância, enquanto outras tinham maiores desafios sociais ou comportamentais. O gráfico na letra b mostra como cada grupo se saiu em sete grandes áreas de desenvolvimento, quanto mais perto de 1, mais dificuldade o grupo apresentou; quanto mais perto de -1, menos dificuldade. Já nas letras c e d, vemos gráficos comparando a idade média em que as crianças começaram a andar ou falar e suas pontuações em um questionário de triagem de autismo (SCQ), comparadas também a irmãos sem autismo, que serviram como grupo de controle. As análises estatísticas indicam o quanto essas diferenças foram significativas, usando símbolos como estrelas para destacar quando uma diferença é importante. Tudo isso ajuda a mostrar que o autismo pode se apresentar de maneiras bastante diferentes, com trajetórias únicas tanto no comportamento quanto na biologia.
A parte mais inovadora do estudo foi mostrar que cada um desses subtipos também possui um padrão genético distinto. Por exemplo, as crianças do grupo Amplamente Afetado apresentaram uma alta taxa de mutações "de novo”, ou seja, alterações genéticas que surgem espontaneamente e não foram herdadas dos pais.
Já o grupo com TEA Misto e Atraso no Desenvolvimento tinha maior probabilidade de possuir variantes genéticas raras herdadas. Embora ambos os subgrupos compartilhem atrasos no desenvolvimento, suas causas biológicas parecem ser bem diferentes.
Além disso, os cientistas perceberam que o momento em que esses genes agem no desenvolvimento do cérebro também varia entre os subtipos. Em alguns casos, como no grupo Desafios Sociais e Comportamentais, as alterações genéticas afetam genes que só se tornam ativos mais tarde na infância.
Isso ajuda a explicar por que algumas crianças só são diagnosticadas depois de alguns anos, quando os desafios começam a se tornar mais evidentes.

As pesquisadoras da Universidade de Princeton Aviya Litman, Olga Troyanskaya e Chandra Theesfeld estão entre as coautoras do estudo. Crédito: Denise Applewhite, Universidade de Princeton.
Essas descobertas mostram que o autismo não é uma única condição com uma causa única, mas sim um conjunto de condições com múltiplas trajetórias biológicas e clínicas. Esse novo entendimento pode mudar a forma como o autismo é diagnosticado, tratado e até mesmo pesquisado no futuro.
Em vez de buscar uma "cura universal", a ciência pode começar a pensar em abordagens personalizadas, adaptadas às características e às necessidades de cada perfil de autismo.
Ao separar o espectro autista em subtipos com base em dados genéticos e clínicos detalhados, os pesquisadores abriram caminho para uma medicina mais precisa e eficaz, e, mais importante, para um cuidado mais justo, empático e adequado a cada indivíduo no espectro.
LEIA MAIS:
Decomposition of phenotypic heterogeneity in autism reveals underlying genetic programs
Aviya Litman, Natalie Sauerwald, LeeAnne Green Snyder, Jennifer Foss-Feig, Christopher Y. Park, Yun Hao, Ilan Dinstein, Chandra L. Theesfeld, and Olga G. Troyanskaya
Nature Genetics, 57, pages 1611–1619 (2025).
DOI: 10.1038/s41588-025-02224-z
Abstract:
Unraveling the phenotypic and genetic complexity of autism is extremely challenging yet critical for understanding the biology, inheritance, trajectory and clinical manifestations of the many forms of the condition. Using a generative mixture modeling approach, we leverage broad phenotypic data from a large cohort with matched genetics to identify robust, clinically relevant classes of autism and their patterns of core, associated and co-occurring traits, which we further validate and replicate in an independent cohort. We demonstrate that phenotypic and clinical outcomes correspond to genetic and molecular programs of common, de novo and inherited variation and further characterize distinct pathways disrupted by the sets of mutations in each class. Remarkably, we discover that class-specific differences in the developmental timing of affected genes align with clinical outcome differences. These analyses demonstrate the phenotypic complexity of children with autism, identify genetic programs underlying their heterogeneity, and suggest specific biological dysregulation patterns and mechanistic hypotheses.



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