Intestino E Cérebro Conectados: Como O Microbioma Pode Mudar A Resposta Ao Tratamento Bipolar
- Lidi Garcia
- 25 de jun.
- 5 min de leitura

O transtorno bipolar é uma doença que afeta o humor e ainda é difícil de tratar corretamente. Estudos mostram que os remédios usados para o transtorno também mudam as bactérias do intestino, o que pode ajudar na melhora dos sintomas, mas também causar efeitos ruins, como aumento de bactérias ligadas à resistência a antibióticos. Essas descobertas sugerem que, no futuro, o tipo de bactéria no intestino pode ajudar os médicos a escolher o melhor tratamento para cada pessoa.
O transtorno bipolar é uma condição de saúde mental bastante comum e grave, que afeta profundamente o humor, a energia e a capacidade das pessoas de realizarem suas atividades do dia a dia. Apesar de ser um problema conhecido, ele ainda é frequentemente mal diagnosticado, o que faz com que muitos pacientes não recebam o tratamento mais adequado.
Além disso, o transtorno bipolar é muito complexo: ele se manifesta de formas diferentes em cada pessoa, e os medicamentos que funcionam para uns podem não ter o mesmo efeito em outros. Um dos temas que tem chamado a atenção dos cientistas na busca por entender melhor esse transtorno é a relação entre o cérebro, o intestino e a microbiota, ou seja, o conjunto de micro-organismos que vive no nosso sistema digestivo.

Esse “eixo cérebro-intestino-microbiota” parece ter um papel importante no transtorno bipolar porque influencia substâncias químicas do cérebro, hormônios do intestino e até o grau de inflamação no corpo. Mas o modo como os remédios usados no transtorno bipolar alteram essas bactérias do intestino e como isso afeta o tratamento ainda não é totalmente claro.
Para tentar responder a essa pergunta, os pesquisadores fizeram uma revisão detalhada de estudos já publicados sobre o tema. Eles buscaram artigos em várias bases de dados confiáveis, como PubMed e Scopus, e analisaram 314 trabalhos no total. No final, apenas 12 estudos preencheram os critérios necessários para serem incluídos na revisão.
Esses estudos envolviam adultos diagnosticados com transtorno bipolar tipo I ou II que estavam em tratamento com medicamentos como lítio e quetiapina. Os trabalhos comparavam pacientes tratados e não tratados, e também, em alguns casos, pacientes com transtorno bipolar e pessoas saudáveis.

Os pesquisadores usaram ferramentas rigorosas para avaliar a qualidade dos estudos e o risco de erros, e dois especialistas fizeram a coleta dos dados de forma independente para garantir a precisão das informações.
Os resultados mostraram que os medicamentos usados no transtorno bipolar realmente causam mudanças na microbiota intestinal. Por exemplo, tanto o lítio quanto a quetiapina parecem aumentar certas bactérias que são consideradas boas para a saúde do intestino. Por outro lado, também houve aumento de bactérias ligadas a problemas como alterações no metabolismo e resistência a antibióticos.
Isso significa que, ao mesmo tempo em que os remédios podem ajudar a equilibrar algumas funções do corpo, eles também podem gerar efeitos indesejados no intestino e, possivelmente, em outras partes do organismo. Um detalhe interessante foi que essas mudanças na microbiota foram mais marcantes em mulheres.
Além disso, em pessoas tratadas com quetiapina, aquelas que tiveram uma melhora maior dos sintomas depressivos (os chamados respondedores) apresentaram um perfil de microbiota mais parecido com o de pessoas saudáveis e também mostraram padrões de funcionamento do cérebro semelhantes aos de quem não tem o transtorno.

Efeitos propostos de fatores ambientais na composição do microbioma intestinal e na sinalização neuroquímica na bipolaridade. Esses achados de imagem sugerem que indivíduos não respondedores à quetiapina podem apresentar sinalização de serotonina (5-HT) adicionalmente anormal, levando à ligação insuficiente da quetiapina em receptores-chave. Essa disfunção no sistema serotonergico contribui para a hiperconectividade da rede de modo padrão (DMN) persistente observada, amplificando um estado neural já desadaptativo.
Essas descobertas ajudam a entender melhor como o tratamento do transtorno bipolar funciona de forma complexa, afetando não só o cérebro, mas também o intestino e suas bactérias. Isso é importante porque o aumento de bactérias resistentes a antibióticos e ligadas a distúrbios metabólicos pode trazer riscos à saúde no longo prazo.

Apesar de tudo isso, o estudo teve limitações: os métodos usados nos diferentes trabalhos eram muito variados, alguns tinham problemas no controle de fatores que poderiam confundir os resultados, e havia o risco de algumas pesquisas terem analisado as mesmas pessoas em mais de um artigo.
Por isso, os cientistas apontam que são necessários novos estudos, mais bem controlados, para entender melhor como essas alterações na microbiota influenciam o sucesso do tratamento.
Ainda assim, o trabalho destaca um caminho promissor: no futuro, talvez seja possível usar o perfil das bactérias intestinais de cada paciente para criar tratamentos mais personalizados, que tragam mais benefícios e menos efeitos colaterais para quem vive com transtorno bipolar.
LEIA MAIS:
Pharmaco-psychiatry and gut microbiome: a systematic review of effects of psychotropic drugs for bipolar disorder
Truong An Bui, Benjamin R. O’Croinin, Liz Dennett, Ian R. Winship, and Andrew J. Greenshaw
Microbiology. Volume 171, Issue 6
Abstract:
Despite being one of the most common and debilitating mood disorders, bipolar disorder is often misdiagnosed and undertreated. Its pathogenesis is complex, with significant patient variability and inconsistent treatment effectiveness. The brain-gut-microbiota axis plays a critical role in bipolar disorder by modulating neurotransmitter secretion, gut peptides and systemic inflammation. However, the mechanisms by which psychotropic treatments influence gut microbiota composition and their implications for clinical outcomes remain poorly understood. This systematic review evaluated the impact of psychotropic drugs on gut microbiota and their potential role in bipolar disorder treatment outcomes. A comprehensive search across Ovid MEDLINE, Embase, APA PsycINFO, Scopus and PubMed yielded 314 articles, of which 12 met the inclusion criteria (last search: 13 August 2024). The studies included were those on adults with bipolar disorder type I or II receiving psychopharmacological treatments; those with group comparisons (e.g. healthy controls vs. medicated vs. non-medicated) investigating gut microbiome changes; and no restrictions applied to psychotic features, comorbid anxiety or prior treatment responses. Exclusions involved individual case reports, incomplete conference submissions or early terminated studies lacking efficacy analysis. Cochrane ROBINS-I V2 tool was used to measure the risk of bias, and the GRADE approach was utilized to rate the certainty of evidence in included studies. Two authors independently extracted data into Excel spreadsheets, categorizing demographic and clinical characteristics, describing microbiome analytic methods and summarizing findings on gut microbiome changes post-treatment. Given the high variability in methods and outcome measures across studies, all details were reported without data conversion. Data synthesis reveals that psychotropic treatments, including quetiapine and lithium, influence gut microbiota by increasing the abundance of beneficial bacteria supporting gut health and pathogenic bacteria linked to metabolic dysfunction. Notably, female patients exhibited more significant changes in microbial diversity following psychotropic treatment. Additionally, patients treated with psychotropics showed an increased prevalence of gut bacteria associated with multidrug antibiotic resistance. In bipolar patients treated with quetiapine, responders – those experiencing improved depressive symptom scores – displayed distinct gut microbiome profiles more closely resembling those of healthy individuals compared with non-responders. Responders also exhibited neural connectivity patterns similar to healthy subjects. These findings underscore the complex dual impact of psychotropic medications on gut microbiota, with potential consequences for both gut and mental health. While the enrichment of beneficial bacteria may support gut health, the rise in antibiotic-resistant and metabolically disruptive bacteria is concerning. Study limitations include methodological heterogeneity, inclusions of other psychiatric disorders, a high risk of bias in some studies due to incomplete statistical analyses or insufficient control for confounding factors and potential duplication of study populations arising from overlapping authorship. Further research is essential to elucidate the functional consequences of these microbial shifts and their influence on treatment efficacy. Nevertheless, this review highlights the potential of utilizing gut microbiota profiles to inform personalized treatment strategies, optimize therapeutic outcomes and minimize side effects in bipolar disorder. This study was registered with Open Science Framework



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