Estimulação Do Nervo Vago: Uma Nova Era Para o Desenvolvimento Da Autocompaixão e Saúde Mental
- Lidi Garcia
- 19 de ago.
- 5 min de leitura

O nervo vago conecta o cérebro aos órgãos e influencia funções automáticas, emoções e comportamentos sociais. Estimular esse nervo pela pele (de forma não invasiva) pode melhorar a autorregulação emocional e aumentar a autocompaixão, especialmente quando combinado com treinamentos específicos. Esse método mostra potencial para melhorar terapias psicológicas baseadas em meditação e compaixão, ajudando no tratamento de transtornos mentais.
O nervo vago é um nervo muito importante que conecta o cérebro com vários órgãos do corpo, como o coração e o sistema digestivo. Ele faz parte do sistema nervoso parassimpático, que ajuda a controlar funções automáticas do corpo, como a frequência do batimento cardíaco e a respiração. Por exemplo, ele ajuda a sincronizar a frequência do coração com a respiração, um fenômeno natural chamado de arritmia sinusal respiratória.
Além dessas funções mais conhecidas, o nervo vago também influencia o cérebro em áreas ligadas à cognição, ou seja, à forma como pensamos, e aos nossos estados emocionais e motivacionais. Isso acontece porque ele envia sinais do tronco cerebral para regiões do cérebro que regulam emoções e comportamentos sociais, como o reconhecimento das emoções dos outros e a motivação para ajudar ou cuidar.

Quando o nervo vago não funciona direito, isso pode estar relacionado a doenças mentais, como depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Para tratar esses problemas, existem aparelhos médicos que estimulam o nervo vagal diretamente por meio de cirurgias, mas essas técnicas são invasivas.
Por isso, pesquisadores desenvolveram métodos não invasivos, que estimulam o nervo vagal pela pele, chamados de estimulação transcutânea do nervo vago.
Essa estimulação, que pode ser feita de forma simples e barata, já mostrou ter efeitos positivos em condições psicológicas, como depressão e transtorno de estresse. Entretanto, para usar essa técnica da melhor forma, ainda precisamos entender exatamente como essa estimulação funciona no cérebro e na mente das pessoas.
Estudos científicos indicam que a estimulação transcutânea do nervo vago pode melhorar a capacidade das pessoas de se autorregularem, ou seja, de controlar suas próprias emoções e comportamentos. Além disso, ajuda em aspectos sociais, como reconhecer emoções nos outros, promover cooperação e até aumentar a liberação de ocitocina, um hormônio ligado ao vínculo social e à empatia.
A estimulação pode também influenciar a maneira como as pessoas se veem espiritualmente, promovendo sensações de conexão e bem-estar.

Isso está de acordo com teorias que dizem que o nervo vago ajuda a criar estados mentais tranquilos e contemplativos, como a compaixão. A compaixão é a habilidade de sentir preocupação pelos próprios sofrimentos e pelos sofrimentos dos outros, com a motivação de aliviar essa dor.
A prática contínua de meditação e de técnicas de atenção plena, que é a capacidade de estar consciente e atento ao momento presente sem julgamentos, pode fortalecer essas qualidades, tornando-as mais permanentes.
Essas habilidades de compaixão e atenção plena estão ligadas a melhores resultados de saúde mental e emocional, e por isso muitas terapias modernas incorporam práticas para desenvolvê-las.
Porém, algumas pessoas têm dificuldades para desenvolver essas habilidades por causa de inseguranças emocionais ou medo de se abrir para a compaixão. Essas dificuldades podem dificultar o sucesso da psicoterapia, mas podem ser superadas quando a terapia oferece um ambiente seguro e acolhedor.
Além disso, tratamentos complementares que promovem a autorregulação emocional e a plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro de se adaptar e mudar, podem ajudar a superar essas limitações. Medicamentos usados para isso muitas vezes têm restrições e efeitos colaterais, enquanto técnicas não invasivas de estimulação cerebral têm se mostrado promissoras e cada vez mais usadas.

Recentemente, os pesquisadores propuseram combinar a estimulação transcutânea do nervo vago com um tipo específico de treinamento chamado “treinamento de autocompaixão com imagens mentais”. Essa combinação poderia criar um efeito potencializado, onde a estimulação do nervo vago facilitaria a resposta emocional compassiva, ajudando a pessoa a desenvolver compaixão mais facilmente.
Para testar isso, foi realizado um estudo com adultos saudáveis que foram divididos em grupos para receber diferentes combinações de estimulação e treinamento. Alguns receberam a estimulação real do nervo vago junto com o treinamento de autocompaixão, outros receberam estimulação simulada (falsa) com o mesmo treinamento, e outros receberam outras combinações para comparação.
Os pesquisadores mediram principalmente três coisas: o quanto as pessoas se sentiam compassivas consigo mesmas (autocompaixão), o quanto eram críticas consigo mesmas (autocrítica), e a variabilidade da frequência cardíaca, que é um indicador da atividade do nervo vago e da autorregulação do sistema nervoso.
Também avaliaram a atenção plena no momento, a compaixão mais geral e como as pessoas prestavam atenção a expressões faciais que mostravam compaixão, usando um rastreador ocular para medir os movimentos dos olhos.

Os resultados mostraram que, logo na primeira sessão, quem recebeu a combinação real de estimulação do nervo vago com o treinamento de autocompaixão apresentou um aumento significativo na autocompaixão e atenção plena. Esses efeitos também foram observados ao longo de várias sessões, indicando que o benefício pode se acumular com o tempo.
Por outro lado, mudanças na autocrítica e na atenção voltada para a compaixão no rosto das outras pessoas foram influenciadas mais pelo tipo de treinamento do que pela estimulação. A variabilidade da frequência cardíaca não foi alterada significativamente nesse estudo.
Em resumo, a estimulação transcutânea do nervo vago ajudou a potencializar os efeitos do treinamento de autocompaixão, sugerindo que essa técnica pode ser uma ferramenta útil para melhorar terapias que usam meditação e práticas contemplativas. Além disso, os resultados destacam a importância de usar medidas como o rastreamento dos olhos para entender melhor como essas terapias funcionam.
Esses achados abrem caminho para novas pesquisas que podem usar a estimulação do nervo vago para aumentar o impacto de tratamentos psicológicos, ajudando as pessoas a desenvolverem habilidades emocionais importantes para a saúde mental. Também sugerem a possibilidade futura de usar técnicas semelhantes para promover virtudes e comportamentos positivos que beneficiam tanto o indivíduo quanto a sociedade.
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Electroceutical enhancement of self-compassion training using transcutaneous vagus nerve stimulation: results from a preregistered fully factorial randomized controlled trial.
Sunjeev K. Kamboj, Matthew Peniket, Jessica Norman, Rosalind Robshaw, Amit Soni-Tricker, Caroline Falconer, Paul Gilbert, and Louise Simeonov
Psychological Medicine. 2025; 55: e 223.
doi:10.1017/S0033291725101013
Abstract:
Physiological signals conveyed by the vagus nerve may generate quiescent psychological states conducive to contemplative practices. This suggests that vagal neurostimulation could interact with contemplative psychotherapies (e.g. mindfulness and compassion-based interventions) to augment their efficacy. In a fully factorial experimental trial, healthy adults (n = 120) were randomized to transcutaneous vagus nerve stimulation (tVNS) plus Self-Compassion-Mental-Imagery Training (SC-MIT) or alternative factorial combinations of stimulation (tVNS or sham) plus mental imagery training (MIT: SC-MIT or Control-MIT). Primary outcomes were self-reported state self-compassion, self-criticism, and heart rate variability (HRV). Exploratory outcomes included state mindfulness and oculomotor attentional bias to compassion-expressing faces. Most outcomes were assessed acutely on session 1 at the pre-stimulation (T1), peri-stimulation (T2), and post-MIT + stimulation (T3) timepoints, and after daily stimulation+MIT sessions (eight sessions). During session 1, a significant Timepoint × Stimulation × MIT interaction (p = 0.025) was observed, reflecting a larger acute T1→T3 increase in state self-compassion after tVNS+SC-MIT, with similar rapid effects on state mindfulness. Additionally, significant Session × MIT and Session × Stimulation interactions (p ≤ 0.027) on state mindfulness (but not self-compassion) suggested that tVNS+SC-MIT’s effects may accumulate across sessions for some outcomes. By contrast, changes in state self-criticism and compassion-related attentional bias were only moderated by MIT (not stimulation) condition. HRV was unaffected by stimulation or MIT condition. tVNS augmented the effects of SC-MIT and might, therefore, be a useful strategy for enhancing meditation-based psychotherapies. Our findings also highlight the value of oculomotor attentional metrics as responsive markers of self-compassion training and the continued need for sensitive indices of successful vagal stimulation.
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