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Espaço Apertado: O Estresse Mecânico Que Desperta o Lado Agressivo Do Câncer

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 19 de set.
  • 4 min de leitura
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Pesquisadores descobriram que o ambiente físico ao redor do tumor, como o espaço apertado que comprime as células, pode tornar o cancer mais agressivo, principalmente o melanoma. Em vez de depender apenas de mutações no DNA, as células cancerígenas mudam de comportamento por meio da proteína HMGB2, que reorganiza a cromatina (a forma como o DNA está enrolado). Isso faz com que elas deixem de se multiplicar e passem a invadir tecidos vizinhos, ativando genes normalmente usados por neurônios em desenvolvimento. Essa descoberta explica em parte por que alguns melanomas são tão resistentes a tratamentos e pode abrir novas estratégias terapêuticas no futuro.


Os cientistas já sabem que as células cancerígenas podem mudar de comportamento sem que ocorra uma nova mutação no DNA. Esse processo é chamado de plasticidade celular. No caso do melanoma, um tipo de câncer de pele, isso significa que as células podem alternar entre dois estados principais: um em que elas se multiplicam rapidamente (estado proliferativo) e outro em que elas passam a se mover e invadir outros tecidos (estado invasivo). 


Essa mudança não depende apenas do DNA, mas também de sinais do ambiente ao redor do tumor, conhecido como microambiente tumoral.


Para entender melhor como isso acontece, os pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, USA, usaram um modelo experimental com peixes-zebra modificados geneticamente para desenvolver melanoma, além de analisarem amostras de tumores humanos. O peixe-zebra foi escolhido porque é um animal transparente em seus estágios iniciais de vida, o que facilita observar como o tumor cresce e invade tecidos vizinhos, como pele e músculos.


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Os cientistas aplicaram técnicas muito modernas de análise, como a transcriptômica espacial (que mostra onde os genes estão ativos dentro do tumor) e o sequenciamento de RNA em células únicas (que permite estudar o comportamento de cada célula individualmente). 


Eles observaram que, na região onde o tumor encontra o tecido saudável ao redor, existe um grupo especial de células chamadas de células de interface. Essas células apresentam sinais de estarem sob pressão física do tecido vizinho, ou seja, elas ficam comprimidas pelo espaço limitado.


Quando compararam com dados de pacientes com melanoma, descobriram que essas células de interface também estavam presentes em humanos. Elas eram mais comuns em tumores que não respondiam bem a tratamentos como a imunoterapia. Esse detalhe é importante porque pode explicar por que alguns melanomas são tão resistentes a medicamentos.


Ao estudar os genes dessas células, os cientistas notaram algo curioso: elas desligavam genes típicos de células de pele (como os responsáveis pela produção de pigmento) e passavam a ativar genes normalmente usados por neurônios em desenvolvimento. Além disso, elas formavam uma espécie de “capa protetora” ao redor do núcleo, feita de proteínas como a tubulina, o que ajudava as células a sobreviverem e se moverem em espaços apertados. 


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Essas imagens mostram células de melanoma em duas situações: sem pressão (unconfined) e sob pressão física (confined). As cores marcam estruturas internas chamadas microtúbulos, que funcionam como o “esqueleto” da célula. O verde mostra microtúbulos acetilados, uma forma mais estável dessas fibras, e a cor purpura a tubulina. Quando as células estão apertadas pelo ambiente, elas produzem muito mais desses microtúbulos estabilizados, como se reforçassem sua estrutura para resistir e conseguir se mover em espaços apertados. O gráfico confirma isso: as células comprimidas apresentam muito mais microtúbulos acetilados do que as não comprimidas.


Um dos pontos centrais da pesquisa foi a descoberta do papel de uma proteína chamada HMGB2. Essa proteína ajuda a organizar a cromatina, que é a estrutura onde o DNA fica enrolado. 


Em condições normais, a cromatina pode estar mais aberta ou mais fechada, o que facilita ou dificulta a ativação de certos genes. Quando as células do melanoma ficavam comprimidas pelo tecido ao redor, a HMGB2 era ativada e mudava a forma como a cromatina estava organizada. Como resultado, as células deixavam de se multiplicar tanto, mas se tornavam mais invasivas e resistentes a medicamentos.


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Essa descoberta mostra que o ambiente físico ao redor do tumor, e não apenas mutações genéticas, pode influenciar fortemente o comportamento do câncer. Em outras palavras, o simples fato de uma célula tumoral estar em um espaço apertado pode fazer com que ela se torne mais agressiva.


Os pesquisadores concluíram que o melanoma pode se aproveitar de mecanismos normalmente usados por neurônios durante o desenvolvimento do cérebro, aplicando-os para invadir novos tecidos. Isso abre caminhos para novos tipos de tratamento, talvez focados em bloquear a ação da proteína HMGB2 ou em modificar as forças mecânicas do ambiente tumoral.



LEIA MAIS:


Mechanical confinement governs phenotypic plasticity in melanoma

Miranda V. Hunter, Eshita Joshi, Sydney Bowker, Emily Montal, Yilun Ma, Young Hun Kim, Zhifan Yang, Laura Tuffery, Zhuoning Li, Eric Rosiek, Alexander Browning, Reuben Moncada, Itai Yanai, Helen Byrne, Mara Monetti, Elisa de Stanchina, Pierre-Jacques Hamard, Richard P. Koche and Richard M. White

Nature. 27 August 2025. 

DOI: 10.1038/s41586-025-09445-6


Abstract: 


Phenotype switching is a form of cellular plasticity in which cancer cells reversibly move between two opposite extremes: proliferative versus invasive states1,2. Although it has long been hypothesized that such switching is triggered by external cues, the identity of these cues remains unclear. Here we demonstrate that mechanical confinement mediates phenotype switching through chromatin remodelling. Using a zebrafish model of melanoma coupled with human samples, we profiled tumour cells at the interface between the tumour and surrounding microenvironment. Morphological analysis of interface cells showed elliptical nuclei, suggestive of mechanical confinement by the adjacent tissue. Spatial and single-cell transcriptomics demonstrated that interface cells adopted a gene program of neuronal invasion, including the acquisition of an acetylated tubulin cage that protects the nucleus during migration. We identified the DNA-bending protein HMGB2 as a confinement-induced mediator of the neuronal state. HMGB2 is upregulated in confined cells, and quantitative modelling revealed that confinement prolongs the contact time between HMGB2 and chromatin, leading to changes in chromatin configuration that favour the neuronal phenotype. Genetic disruption of HMGB2 showed that it regulates the trade-off between proliferative and invasive states, in which confined HMGB2high tumour cells are less proliferative but more drug-resistant. Our results implicate the mechanical microenvironment as a mechanism that drives phenotype switching in melanoma.

 
 
 

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