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DMT e o AVC: Como Uma Molécula Psicoativa Pode Proteger o Cérebro

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 3 de out.
  • 6 min de leitura
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Pesquisadores mostraram que a DMT, uma molécula natural encontrada em diversas plantas, em alguns animais e também no corpo humano, pode proteger o cérebro após um AVC. Em experimentos com ratos e modelos de laboratório, ela reduziu a área de dano, diminuiu a inflamação e restaurou a barreira hematoencefálica. Esses resultados sugerem que a DMT pode ser uma nova ferramenta para melhorar a recuperação de pacientes com AVC.


O acidente vascular cerebral (AVC) é uma das doenças mais graves e devastadoras que afetam o ser humano. Ele não atinge apenas os pacientes, mas também suas famílias e a sociedade como um todo, gerando custos altos para os sistemas de saúde.


Apesar de décadas de pesquisa e do desenvolvimento de muitos medicamentos promissores, ainda não existe uma droga neuroprotetora capaz de ser usada de forma eficaz na prática clínica do dia a dia. O motivo é que o AVC não é causado por um único problema, mas por uma rede complexa de células e processos biológicos que interagem entre si.


Quando acontece, o fluxo de sangue para uma região do cérebro é interrompido, o que causa falta de oxigênio e morte de neurônios. Isso desencadeia uma série de reações em cadeia: células cerebrais chamadas microglia, astrócitos, pericitos e células endoteliais começam a liberar moléculas inflamatórias (citocinas e quimiocinas).


Essa resposta inflamatória leva à ruptura da barreira hematoencefálica (BHE), uma estrutura que normalmente protege o cérebro de substâncias nocivas presentes no sangue.


Quando a barreira hematoencefálica se rompe, moléculas e células do sangue invadem o tecido cerebral, aumentando a inflamação, provocando inchaço (edema) e agravando ainda mais os danos.


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Atualmente, os tratamentos disponíveis são a trombólise intravenosa (um medicamento que dissolve coágulos) e a trombectomia endovascular (um procedimento para remover o coágulo com cateter). No entanto, essas opções só funcionam se forem feitas nas primeiras horas após o AVC, não estão disponíveis para todos os pacientes e podem causar complicações.


Além disso, pouco se avançou no tratamento das consequências, como o edema cerebral e a morte dos neurônios.


Nesse cenário, surge o interesse em investigar a N,N-dimetiltriptamina (DMT). Uma molécula natural encontrada em diversas plantas, em alguns animais e também no corpo humano. Em plantas, está presente em espécies como a Psychotria viridis e a Mimosa tenuiflora, usadas em bebidas tradicionais como a ayahuasca.  


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Mimosa tenuiflora


Nos animais, incluindo seres humanos, pequenas quantidades de DMT já foram detectadas no cérebro, no sangue e até na urina, sugerindo que ela pode desempenhar funções biológicas ainda pouco compreendidas. Além de ser conhecida como uma substância psicoativa, pesquisas recentes vêm explorando seu potencial como agente terapêutico, especialmente no tratamento de doenças neurológicas como o AVC.


A DMT é capaz de se ligar ao receptor sigma-1, uma proteína envolvida na sobrevivência celular e na proteção contra danos. Experimentos anteriores mostraram que, em ratos, a administração de DMT reduziu a área de infarto cerebral (região danificada pelo AVC) e melhorou a recuperação funcional.


Esses resultados já foram fortes o suficiente para dar início a testes clínicos em humanos, incluindo um ensaio de fase 1 em voluntários saudáveis e a preparação para um ensaio de fase 2 em pacientes com AVC.


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Alterações na BHE no AVC e os efeitos protetores da DMT. Representação esquemática da unidade  neurovascular (NVU) em condições fisiológicas e no AVC. As setas e os sinais de inibição (ciano) mostram o efeito da DMT em condições patológicas. No AVC, as junções estreitas (linha vermelha entre as células endoteliais cerebrais) são rompidas e a proteína de junção estreita CLDN5 diminui; na unidade neurovascular solúvel no sangue, as proteínas aparecem e o nível de citocinas inflamatórias aumenta e o de citocinas anti-inflamatórias diminui. No cérebro, a morfologia da microglia muda, a proporção de células microgliais menos ramificadas aumenta, a distribuição da AQP4 muda e o nível de citocinas inflamatórias aumenta. A DMT diminui o nível das proteínas solúveis CLDN5, MMP9 e GFAP e inibe citocinas inflamatórias no sangue, enquanto aumenta o nível de BDNF e da citocina anti-inflamatória IL-10. No cérebro, o DMT inibe as alterações morfológicas na microglia e a redistribuição de AQP4 na astróglia, além de diminuir a produção de citocinas pró-inflamatórias. Criado com Biorender.com. Vigh, J. (2025) https://BioRender.com/o95e437.


Para entender melhor como a DMT protege o cérebro, os pesquisadores da Semmelweis University, Hungria, usaram dois tipos de modelos:


- Modelo animal (ratos): induziu-se isquemia cerebral transitória, ou seja, uma interrupção temporária do fluxo sanguíneo em uma artéria do cérebro, semelhante ao que acontece em um AVC humano. Após isso, avaliou-se o efeito da DMT no tamanho do infarto, na presença de edema cerebral e em marcadores inflamatórios.


- Modelo in vitro da barreira hematoencefálica (BHE): foram cultivadas em laboratório células do cérebro de ratos (endoteliais, astrócitos, etc.) que juntas simulam a barreira hematoencefálica. Esse sistema permitiu observar, em condições controladas, como a DMT interfere na integridade da barreira e na liberação de moléculas inflamatórias.


Com esses dois modelos, foi possível avaliar tanto os efeitos gerais da DMT no organismo (em ratos vivos) quanto seus efeitos específicos na barreira hematoencefálica (em laboratório).


Os resultados foram consistentes, a DMT reduziu o tamanho do infarto cerebral nos ratos. Houve menos edema cerebral e menor disfunção dos astrócitos. A DMT modificou a composição de proteínas no sangue, favorecendo um estado anti-inflamatório e neuroprotetor. Em laboratório e nos animais, a DMT restaurou a integridade da barreira hematoencefálica, ajudando a fechar as junções que normalmente se rompem após o AVC.


Também reduziu a liberação de citocinas e quimiocinas inflamatórias tanto por células do cérebro quanto por células imunes do sangue. Esses efeitos foram dependentes da ativação do receptor sigma-1, confirmando seu papel central na ação da DMT. 


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A imagem mostra como a substância DMT ajuda a proteger as células da microglia (um tipo de célula do sistema imunológico do cérebro) em ratos que tiveram um AVC experimental. Na parte (A) vemos imagens das células microgliais coloridas, mostrando como elas aparecem em diferentes grupos de ratos: sem AVC (controle), com AVC, com AVC tratado com DMT e com AVC tratado com DMT mais um bloqueador do receptor sigma-1 (BD1063). Na parte (B), há um gráfico que mede a intensidade de uma proteína chamada IBA1, que indica a ativação da microglia. O AVC aumenta muito essa intensidade, mas o tratamento com DMT ajuda a reduzir, mostrando um efeito protetor. Na parte (C) vemos como a forma das células microgliais muda: no controle elas são bem ramificadas (saudáveis), no AVC ficam mais arredondadas (sinal de ativação excessiva), e com o tratamento com DMT mantêm uma forma mais equilibrada. Na parte (D), o gráfico classifica as microglias em três tipos: saudáveis (cinza), intermediárias (verde) e muito ativadas (preto). Nos ratos com AVC, a maioria das células estava no estado mais ativado, mas com DMT muitas voltaram ao estado saudável. Em resumo: o DMT ajudou a microglia a não ficar hiperativada após o AVC, preservando sua forma normal e reduzindo a inflamação no cérebro.


Essas descobertas indicam que a DMT pode ser uma poderosa aliada no tratamento do AVC. Ela não substitui as terapias atuais de remoção do coágulo, mas pode atuar como uma forma de proteger o cérebro depois do AVC, diminuindo a inflamação, estabilizando a barreira hematoencefálica e reduzindo o risco de danos permanentes. Isso abre caminho para novas abordagens terapêuticas que combinem a medicina atual com o potencial da DMT.



LEIA MAIS:


N,N-dimethyltryptamine mitigates experimental stroke by stabilizing the blood-brain barrier and reducing neuroinflammation

MARCELL J. LÁSZLÓ, JUDIT P. VIGH, ANNAE. KOCSIS, GERGŐ PORKOLÁB, 

ZSÓFIA HOYK, TAMÁS POLGÁR, FRUZSINA R. WALTER, ATTILA SZABÓ, S

RDJAN DJUROVIC, BÉLA MERKELY, ALÁN ALPÁR, EDE FRECSKA, ZOLTÁN NAGY, MÁRIA A. DELI, and SÁNDOR NARDAI 

SCIENCE ADVANCES, 13 Aug 2025, Vol 11, Issue 33

DOI: 10.1126/sciadv.adx5958


Abstract: 


N,N-dimethyltryptamine (DMT) is a psychoactive molecule present in the human brain. DMT is under clinical evaluation as a neuroprotective agent in poststroke recovery. Yet, its mechanism of action remains poorly understood. In a rat transient middle cerebral artery occlusion stroke model, we previously showed that DMT reduces infarct volume. Here, we demonstrate that this effect is accompanied by reduction of cerebral edema, attenuated astrocyte dysfunction, and a shift in serum protein composition toward an anti-inflammatory, neuroprotective state. DMT restored tight junction integrity and blood-brain barrier (BBB) function in vitro and in vivo. DMT suppressed the release of proinflammatory cytokines and chemokines in brain endothelial cells and peripheral immune cells and reduced microglial activation via the sigma-1 receptor. Our findings prove that DMT mitigates a poststroke effect by stabilizing the BBB and reducing neuroinflammation. Such interactions of DMT with the vascular and immune systems can be leveraged to complement current, insufficient, stroke therapy.

 
 
 

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