Transplante De Células-Tronco Faz Cérebro Se Recuperar de AVC em Estudo Inovador
- Lidi Garcia
- 14 de out.
- 5 min de leitura

Cientistas mostraram que o transplante de células-tronco neurais criadas em laboratório pode ajudar o cérebro a se regenerar após um AVC. Em testes com camundongos, essas células formaram novos neurônios, reduziram a inflamação e melhoraram os movimentos dos animais. As células também se comunicaram com as do próprio cérebro, ajudando a reconstruir conexões nervosas. A pesquisa abre caminho para terapias que possam restaurar o cérebro humano após um AVC.
O acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico acontece quando o fluxo de sangue para uma parte do cérebro é bloqueado, o que priva as células cerebrais de oxigênio e nutrientes. É uma das principais causas de morte e incapacidade no mundo, afetando cerca de uma em cada quatro pessoas ao longo da vida.
Mesmo com os tratamentos disponíveis, como a trombólise (uso de medicamentos que dissolvem o coágulo) e a trombectomia mecânica (retirada física do coágulo), muitos pacientes continuam com limitações permanentes, pois essas terapias só podem ser aplicadas nas primeiras horas após o AVC e têm riscos consideráveis.
Nos últimos anos, os cientistas têm investigado o uso de células-tronco como uma nova forma de tratar o AVC. Essas células são especiais porque podem se transformar em diferentes tipos de células do corpo, ajudando na regeneração de tecidos.

Em estudos com animais, o transplante de células-tronco mostrou benefícios importantes: redução da inflamação, estímulo à formação de novos vasos sanguíneos e neurônios, reconstrução de conexões nervosas e até reparo da barreira que protege o cérebro (a barreira hematoencefálica). No entanto, os testes clínicos realizados em humanos ainda não conseguiram reproduzir de forma consistente esses resultados promissores.
Com o avanço das tecnologias de biologia celular, surgiu uma nova e poderosa ferramenta: as células-tronco pluripotentes induzidas (chamadas de iPSC). Elas são obtidas a partir de células comuns do próprio paciente, como células da pele, que são “reprogramadas” em laboratório para voltarem a um estado semelhante ao de uma célula-tronco embrionária.
Depois, essas iPSC podem ser orientadas a se transformarem em células progenitoras neurais (NPCs), ou seja, células precursoras que podem dar origem a neurônios e outras células do sistema nervoso. Essa tecnologia é promissora porque evita dilemas éticos, pode ser personalizada para cada paciente e reduz o risco de rejeição imunológica.
O estudo em questão investigou o uso dessas NPCs derivadas de iPSC em camundongos com lesão cerebral provocada por AVC. Os pesquisadores transplantaram as NPCs diretamente na área lesionada do cérebro, próxima à região do infarto cerebral, e acompanharam os animais por cinco semanas.

Células-tronco neurais humanas em cultura. Os núcleos celulares estão corados em azul, a proteína filamentosa específica para células-tronco neurais Nestin é mostrada em verde e o fator de transcrição Sox1 para células-tronco neurais em vermelho. Crédito: Universidade de Zurique
Eles observaram que os camundongos tratados com as células apresentaram melhor recuperação em comparação aos que receberam apenas placebo. Os efeitos benéficos incluíram redução da inflamação, maior crescimento de novos vasos sanguíneos (angiogênese) e maior formação de novos neurônios e axônios (neurogênese e axonogênese).
Além das análises microscópicas, os pesquisadores também avaliaram o comportamento e a recuperação motora dos animais utilizando tecnologias modernas de aprendizado de máquina (inteligência artificial), que permitiram medir com precisão o movimento, a coordenação e a marcha dos camundongos. Os resultados mostraram melhora significativa na função motora e na capacidade de andar nos animais tratados com NPCs.

Esta imagem mostra o cérebro de um camundongo que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e recebeu um transplante de células progenitoras neurais humanas, células capazes de se transformar em neurônios e ajudar na regeneração cerebral. O círculo tracejado marca a área afetada pelo AVC. As estruturas em marrom escuro representam as projeções nervosas (neuritos) das células humanas transplantadas, que cresceram dentro do cérebro do camundongo. Esses novos prolongamentos nervosos não ficaram restritos ao local do transplante: eles se estenderam até regiões próximas do córtex cerebral (CX) e também atravessaram o corpo caloso (CC), a ponte de fibras que conecta os dois hemisférios do cérebro, alcançando o outro lado do cérebro. Na parte G, o desenho mostra a posição das fatias do cérebro (vistas de lado) que foram analisadas nas imagens seguintes. As imagens H a J mostram cortes do cérebro com a coloração específica para uma proteína humana chamada NCAM, que identifica as células humanas enxertadas. As barras pretas indicam a escala de 100 micrômetros, ou seja, a imagem mostra estruturas muito pequenas, visíveis apenas ao microscópio. Por fim, o painel K mostra, em forma de mapa, em que porcentagem dos animais as células transplantadas conseguiram enviar projeções nervosas para diferentes regiões cerebrais, indicando o sucesso da integração das células humanas no cérebro do camundongo.
Ao examinar as células transplantadas, os cientistas descobriram que a maioria delas havia se transformado em neurônios do tipo GABAérgico, que são células responsáveis por regular a atividade elétrica do cérebro, funcionando como “freios” para o sistema nervoso.
Análises moleculares detalhadas, usando sequenciamento de RNA de célula única, uma técnica que permite estudar os genes ativos em cada célula individualmente, mostraram que havia uma comunicação intensa entre as células transplantadas e as células do cérebro hospedeiro. Essa interação parece acontecer por meio de vias de sinalização conhecidas como Neurexina, Neuregulina, NCAM e SLIT, que estão envolvidas na formação e reparo das conexões neurais.
Em resumo, o estudo demonstrou que as células progenitoras neurais derivadas de iPSC conseguem sobreviver, se integrar e ajudar na regeneração cerebral após um AVC, melhorando tanto a estrutura quanto a função do cérebro. Essa descoberta oferece uma nova compreensão de como os transplantes celulares podem atuar para restaurar circuitos danificados e reforça o potencial terapêutico dessa abordagem para pacientes com AVC no futuro.
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Neural xenografts contribute to long-term recovery in stroke via molecular graft-host crosstalk
Rebecca Z. Weber, Beatriz Achón Buil, Nora H. Rentsch, Patrick Perron, Stefanie Halliday, Allison Bosworth, Mingzi Zhang, Kassandra Kisler, Chantal Bodenmann, Kathrin J. Zürcher, Daniela Uhr, Debora Meier, Siri L. Peter, Melanie Generali, Shuo Lin, Markus A. Rüegg, Roger M. Nitsch, Christian Tackenberg, and Ruslan Rust
Nature Communications. 16, Article number: 8224 (2025)
DOI: 10.1038/s41467-025-63725-3
Abstract:
Stroke remains a leading cause of disability due to the brain’s limited ability to regenerate damaged neural circuits. Here, we show that local transplantation of iPSC-derived neural progenitor cells (NPCs) improves brain repair and long-term functional recovery in stroke-injured mice. NPCs survive for over five weeks, differentiate primarily into mature neurons, and contribute to regeneration-associated tissue responses including angiogenesis, blood–brain barrier repair, reduced inflammation, and neurogenesis. NPC-treated mice show improved gait and fine-motor recovery, as quantified by deep learning-based analysis. Single-nucleus RNA sequencing reveals that grafts predominantly adopt GABAergic and glutamatergic phenotypes, with GABAergic cells engaging in graft-host crosstalk via neurexin, neuregulin, neural cell adhesion molecule, and SLIT signaling pathways. Our findings provide mechanistic insight into how neural xenografts interact with host stroke tissue to drive structural and functional repair. These results support the therapeutic potential of NPC transplantation for promoting long-term recovery after stroke.



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