Deficiência De vitamina D Na Gestação Pode Prejudicar Potencial Cognitivo Das Crianças
- Lidi Garcia
- 20 de ago.
- 6 min de leitura

A deficiência de vitamina D durante a gravidez é frequente e pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro da criança. Pesquisas mostram que mães com níveis adequados dessa vitamina têm filhos com melhores resultados cognitivos, especialmente entre mulheres negras, que apresentam maior risco de deficiência. A suplementação antes ou no início da gestação pode ser essencial para apoiar o aprendizado e reduzir desigualdades no desenvolvimento infantil.
A deficiência de vitamina D é uma das carências nutricionais mais comuns em todo o mundo. Ela é definida quando a quantidade de vitamina D circulando no sangue está abaixo de 20 nanogramas por mililitro. Esse problema afeta aproximadamente um terço de todas as gestantes nos Estados Unidos.
Entre alguns grupos específicos de gestantes, a situação é ainda mais grave: cerca de 80% das mulheres negras e quase metade daquelas com renda familiar abaixo do nível de pobreza apresentam deficiência de vitamina D durante a gravidez.
Essa carência preocupa porque níveis baixos da vitamina nesse período delicado podem prejudicar o desenvolvimento cerebral da criança, levando a dificuldades de aprendizado que podem se estender até a adolescência.
A deficiência de vitamina D durante a gravidez pode trazer diversos sintomas para a mãe. Entre os mais comuns estão o cansaço excessivo, dores musculares e ósseas, além de maior fragilidade nos ossos, o que aumenta o risco de osteoporose e fraturas. Também pode haver queda de cabelo, alterações de humor e até depressão.

No período gestacional, essa falta está associada a complicações importantes, como pressão alta (pré-eclâmpsia), diabetes gestacional e maior risco de parto prematuro, tornando a vitamina D essencial para a saúde materna.
Já para a criança, tanto no útero quanto após o nascimento, a deficiência pode prejudicar o desenvolvimento físico e cerebral. Os ossos podem ficar mais fracos, levando a doenças como o raquitismo, atraso no crescimento e maior fragilidade dentária. Também é comum haver fraqueza muscular e maior suscetibilidade a infecções, já que a vitamina D fortalece o sistema imunológico.
Além disso, estudos mostram que a carência dessa vitamina pode afetar a cognição, resultando em dificuldades de aprendizado e menor desempenho escolar ao longo da vida.
O corpo humano possui um receptor específico para a vitamina D, chamado receptor de vitamina D, e também uma enzima que transforma a vitamina em sua forma ativa. Tanto o receptor quanto a enzima estão presentes em células importantes do cérebro, incluindo neurônios (as células responsáveis pela comunicação cerebral) e células da glia (que dão suporte e proteção aos neurônios).
Quando a vitamina D ativa se liga ao receptor no cérebro do feto, ela consegue controlar a atividade de diversos genes envolvidos na formação da estrutura cerebral, no processo de diferenciação dos neurônios, na regulação de substâncias químicas que funcionam como neurotransmissores e também na produção de fatores que estimulam o crescimento e a sobrevivência das células nervosas.

Estudos feitos em animais confirmam que a falta de vitamina D durante a gestação pode modificar a forma e a organização do cérebro em desenvolvimento, além de atrapalhar processos celulares fundamentais, como a multiplicação de células e a morte celular programada (um mecanismo natural que elimina células defeituosas).
Pesquisas em seres humanos mostram que a carência dessa vitamina tanto no início quanto no final da gestação pode estar associada a problemas cognitivos futuros, sugerindo que seu papel é importante durante toda a gravidez. Ainda assim, os cientistas não sabem ao certo se existe um período específico mais crítico em que a vitamina D exerce maior impacto.
Alguns estudos epidemiológicos, que acompanham grandes grupos de pessoas ao longo do tempo, observaram que níveis mais altos de vitamina D durante a gestação estão relacionados a melhor desenvolvimento cognitivo nos primeiros anos de vida e também a maior quociente de inteligência (QI) em crianças entre 4 e 7 anos.

Porém, outros estudos não encontraram essa associação em idades um pouco mais avançadas, como 7, 9, 10 ou 14 anos. Uma possível explicação é que, ao longo da infância, outros fatores, como o estímulo recebido em casa, o ambiente escolar e a qualidade das interações familiares, podem influenciar mais fortemente o desenvolvimento intelectual da criança, reduzindo a percepção dos efeitos iniciais da vitamina D.
Também é possível que algumas pesquisas não tenham detectado associações reais por limitações metodológicas, como o número pequeno de participantes, a falta de diversidade das populações estudadas ou o fato de medirem a vitamina apenas em um momento da gravidez, geralmente no final.
Diante dessas lacunas, novos estudos são necessários, especialmente aqueles que avaliem crianças mais velhas e incluam populações diversas. A pesquisa em questão teve como objetivo investigar a relação entre os níveis de vitamina D durante a gravidez e diferentes tipos de cognição (como inteligência fluida, inteligência cristalizada e desempenho cognitivo geral) em crianças de 7 a 12 anos.

Esse trabalho foi realizado dentro de um grande programa chamado "Influências Ambientais nos Resultados de Saúde da Criança" (ECHO, na sigla em inglês). Além disso, os pesquisadores quiseram entender se essa relação poderia variar de acordo com a raça da mãe, já que a melanina, o pigmento que dá cor à pele, reduz a capacidade de produção de vitamina D pela exposição solar.
Evidências anteriores sugerem que pessoas negras podem ter diferentes respostas aos efeitos da vitamina D, tanto no que diz respeito à saúde dos ossos quanto a outros aspectos do organismo.
O estudo acompanhou 912 pares de mães e filhos, sendo que aproximadamente 37% eram de famílias negras e 52% de famílias brancas. Os níveis de vitamina D foram medidos no sangue das mães durante a gestação ou no sangue do cordão umbilical, coletado entre a 4ª e a 42ª semana de gravidez, com mediana em torno da 23ª semana.

Já as crianças foram avaliadas entre 7 e 12 anos por meio de uma bateria de testes de cognição desenvolvida pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. As análises estatísticas levaram em conta possíveis fatores de confusão, ou seja, outras variáveis que poderiam influenciar os resultados.
Os resultados mostraram que a média dos níveis de vitamina D nas gestantes foi de 23,8 nanogramas por mililitro. Cada aumento de 10 unidades nesse valor esteve associado a melhores escores de cognição geral e de inteligência fluida, embora não tenha mostrado impacto significativo na inteligência cristalizada.
Quando os dados foram analisados separadamente por raça, observou-se que a associação parecia ser mais forte entre os filhos de mães negras, com ganhos maiores em cognição fluida, do que entre filhos de mães não negras.
Outro achado importante foi que o início da gestação pode ser um período especialmente sensível, já que a maior diferença entre os níveis de vitamina D foi observada nessa fase quando se compararam mães de crianças com melhor e pior desempenho cognitivo.

Em conclusão, o estudo mostrou que níveis adequados de vitamina D durante a gestação estão associados a melhores desempenhos cognitivos na infância, sobretudo em filhos de mães negras.
Considerando que essas mulheres apresentam risco maior de deficiência, garantir níveis adequados de vitamina D antes ou logo no início da gravidez pode ser uma estratégia fundamental para promover um desenvolvimento cerebral mais saudável e, ao mesmo tempo, reduzir desigualdades raciais nos resultados cognitivos das crianças.
LEIA MAIS:
Gestational vitamin D concentration and child cognitive development: a longitudinal cohort study in the Environmental influences on Child Health Outcomes Program
Melissa M. Melough, Monica McGrath, Meredith Palmore, Brent R. Collett, Jean M. Kerver, Christine W. Hockett, Rebecca J. Schmidt, Rachel S. Kelly, Kristen Lyall, Qi Zhao, Alison E. Hipwell, Susan A. Korrick, Diane Gilbert-Diamond, Scott T. Weiss, Su H. Chu, Hooman Mirzakhani, Jennifer M. Porter, and Sheela Sathyanarayana for the ECHO Cohort Consortium
The American Journal of Clinical Nutrition. Volume 122, Issue 2, August 2025, Pages 571-581
Abstract:
Low vitamin D concentrations are common—especially among those with darker pigmented skin—and are frequently observed during pregnancy. Given its important role in brain development, inadequate gestational vitamin D may impair child cognitive development. We aimed to evaluate associations of gestational vitamin D concentrations with childhood cognitive scores, explore whether this relationship differs by self-reported race, and examine sensitive exposure windows within pregnancy. This prospective cohort study included 912 mother–child dyads (37.3% Black, 52.3% White) from the Environmental influences on Child Health Outcomes program. 25-hydroxyvitamin D [25(OH)D] concentrations were measured in prenatal or cord blood collected between 4 and 42 wk gestation (median: 23 wk). Children’s cognition was assessed at ages 7–12 y using the NIH Toolbox Cognition Battery. Relationships of 25(OH)D and cognitive scores were examined using mixed-effects linear models adjusted for confounders. Potential sensitive periods were explored by estimating population 25(OH)D patterns across gestation for varying levels of the cognitive outcomes. Mean gestational 25(OH)D was 23.8 ng/mL (SD: 10.0 ng/mL). Each 10-ng/mL increase was associated with greater overall (β: 1.11; 95% CI: 0.08, 2.14) and fluid cognition scores (β: 1.21; 95% CI: 0.07, 2.34), but not crystallized cognition. Although these associations were not significantly modified by self-reported race, associations appeared stronger in children of Black mothers (β: 2.99; 95% CI: 0.82, 5.16) than those in non-Black mothers (β: 0.43; 95% CI: −0.93, 1.78) for fluid cognition. Early pregnancy may be a critical exposure period, evidenced by the greatest divergence in the pattern of 25(OH)D during this period between the mothers of children in the 90th and those in the 10th percentiles of cognitive outcomes. Gestational 25(OH)D concentrations were positively associated with cognitive scores, especially in children of Black mothers. Given higher deficiency risk among Black women, vitamin D repletion before or in early pregnancy may be an important strategy for reducing racial disparities in child neurodevelopment.



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