Cérebro Turbinado: IA Personaliza Estímulos e Aumenta Atenção e Foco Em Casa
- Lidi Garcia
- 7 de ago.
- 6 min de leitura

Este estudo desenvolveu uma tecnologia que usa inteligência artificial para personalizar a neuroestimulação elétrica no cérebro, com o objetivo de melhorar a atenção por longos períodos. A novidade é que o sistema se adapta a cada pessoa (considerando, por exemplo, o tamanho da cabeça) e pode ser usado em casa. Os testes mostraram que ele é mais eficaz especialmente em pessoas com desempenho cognitivo mais baixo, sem causar efeitos colaterais. Essa abordagem pode tornar o aumento cognitivo mais acessível, seguro e eficiente no dia a dia.
A atenção sustentada é a capacidade de manter o foco por longos períodos, como ao dirigir um carro, estudar ou trabalhar. Essa habilidade é essencial para o bom desempenho em diversas tarefas do dia a dia. Quando falha, pode levar a acidentes, erros no trabalho e até a problemas de aprendizagem.
Além disso, dificuldades com atenção sustentada são comuns em várias condições de saúde, como TDAH, depressão, esquizofrenia, Alzheimer e até em pessoas que se recuperam da COVID por um longo tempo.
Para melhorar essa função cognitiva, os cientistas vêm testando diferentes estratégias: desde técnicas de meditação e exercícios físicos até medicamentos e treinos mentais. Uma técnica promissora é a neuroestimulação, que usa correntes elétricas muito fracas no cérebro com o objetivo de melhorar o funcionamento neural.
Um tipo específico, chamado tRNS (estimulação transcraniana por ruído aleatório), envia sinais elétricos em frequências variadas para estimular o cérebro de maneira suave. A ideia é que isso melhore a comunicação entre os neurônios, facilitando o foco e a atenção. Diferente de métodos mais invasivos, o tRNS é indolor, geralmente seguro e pode ser usado em casa.

Apesar dos benefícios, os estudos sobre neuroestimulação nem sempre mostram os mesmos resultados. Um dos problemas é que muitas pesquisas usam um protocolo único para todos, o famoso "tamanho único”, ignorando que cada pessoa tem características diferentes, como formato da cabeça, tipo de cérebro e nível de atenção inicial.
Outro desafio é que a maioria dos testes ocorre em laboratórios, ambientes controlados que não refletem as distrações e demandas do mundo real. Isso dificulta aplicar os resultados fora do laboratório, como em casa ou no trabalho.
Para superar essas limitações, os pesquisadores criaram um sistema que usa inteligência artificial (IA) para personalizar a neuroestimulação. Esse sistema adapta os parâmetros da corrente elétrica com base em dois fatores principais: o desempenho cognitivo inicial da pessoa e o tamanho da sua cabeça (medido pela circunferência). Isso ajuda a aproximar melhor as condições reais do cérebro e otimiza os efeitos da estimulação.
Essa técnica é chamada de Otimização Bayesiana Personalizada (pBO). Com o tempo, o sistema aprende com os dados coletados de diversos usuários, refinando continuamente os parâmetros para alcançar melhores resultados para pessoas com perfis semelhantes no futuro.
Além disso, esse sistema permite que a neuroestimulação seja feita em casa, o que traz muitas vantagens. Elimina a necessidade de ir até laboratórios, reduz custos e aumenta o conforto. Também melhora a validade dos estudos porque os testes são feitos em um ambiente real, onde a pessoa realmente vive, trabalha e se distrai.
Neste estudo, voluntários saudáveis usaram o sistema em casa enquanto realizavam uma tarefa específica de atenção sustentada. Durante a tarefa, eles recebiam estimulação transcraniana por ruído aleatório de alta frequência, uma forma de estimulação elétrica que ativa canais de sódio nos neurônios, o que ajuda na transmissão dos sinais entre eles.
Estudos anteriores já mostraram que essa técnica pode melhorar a atenção em ambientes controlados. Um conceito importante aqui é a ressonância estocástica, que sugere que uma quantidade certa de “ruído” (neste caso, elétrico) pode, paradoxalmente, ajudar o cérebro a funcionar melhor, como se fosse um pequeno empurrão para sair da inércia.

Pessoas com desempenho cognitivo mais baixo tendem a se beneficiar mais dessa estimulação, já que seus cérebros estão em uma condição menos ideal.
O estudo teve três etapas principais:
- Desenvolvimento do algoritmo pBO, que é o cérebro do sistema, para descobrir quais parâmetros de estimulação transcraniana por ruído aleatório melhoram a atenção.
- Testes por computador (modelagem in silico), para comparar esse algoritmo com outras estratégias, como tentativa e erro ou otimizações não personalizadas.
Experimento com voluntários, comparando três grupos: um com estimulação transcraniana por ruído aleatório personalizado (pBO-tRNS), um com tRNS padrão (1,5 mA para todos) e outro com estimulação falsa (placebo).
Os participantes completaram a tarefa de controle de tráfego aéreo de 20 minutos projetada pelo Laboratório de Pesquisa da Força Aérea dos EUA37 sem estimulação, seguida por 20 minutos de neuroestimulação personalizada.
Os resultados mostraram que o algoritmo pBO encontrou uma relação em forma de “U invertido” entre a intensidade da corrente e o desempenho. Isso quer dizer que tanto correntes muito fracas quanto muito fortes são menos eficazes, há um ponto ideal de intensidade que traz os melhores resultados.
E esse ponto ideal varia conforme o desempenho inicial da pessoa. Pessoas com cabeças maiores precisavam de correntes mais fortes, o que confirma descobertas anteriores que mostram que a corrente precisa atravessar mais tecido até atingir o cérebro.
Nos testes por computador, o pBO se saiu melhor do que as outras técnicas, mesmo quando o sistema tinha que lidar com dados barulhentos (menos precisos). Quando há muito ruído nos dados, a IA precisa testar mais combinações para ter certeza dos melhores parâmetros, como se fosse preciso experimentar mais antes de ter confiança.
No experimento com os participantes, os resultados mostraram que o estimulação transcraniana por ruído aleatório personalizado (pBO) foi significativamente mais eficaz para pessoas com baixo desempenho de atenção no início.
Para essas pessoas, a atenção sustentada melhorou mais do que com estimulação transcraniana por ruído aleatório comum ou placebo. Já em pessoas que já tinham bom desempenho, a estimulação não fez diferença.
Esses achados apoiam a ideia de que a neuroestimulação ajuda mais quem está em condição cognitiva subótima, e reforçam que os efeitos não são por acaso, mas se alinham com teorias científicas como a ressonância estocástica e o equilíbrio entre excitação e inibição dos neurônios.

Essa figura mostra como um estudo testou o uso de inteligência artificial (IA) para melhorar a atenção das pessoas em casa usando estímulos elétricos no cérebro. Primeiro, os participantes receberam em casa um aparelho de estimulação cerebral e um tablet com um teste de atenção. Eles mediram a circunferência da própria cabeça e fizeram um teste para ver como estava seu foco inicial. Esses dados foram enviados para uma plataforma online com IA, que calculou a melhor forma de aplicar a estimulação elétrica para cada pessoa. Em seguida, eles repetiram o teste de atenção, agora com o estímulo personalizado por 20 minutos. Os gráficos (b e c) mostram que a melhora no desempenho depende da intensidade do estímulo, do desempenho inicial da pessoa e do tamanho da cabeça. Os gráficos (d a g) comparam diferentes métodos de otimização e mostram que a IA personalizada (em vermelho) funcionou melhor do que métodos aleatórios ou genéricos, principalmente em pessoas que tinham baixa performance de atenção no início. Isso sugere que adaptar a estimulação com ajuda de IA pode realmente ajudar quem mais precisa melhorar o foco.
Importante destacar que o estudo não encontrou efeitos colaterais relevantes, e a intensidade da corrente não influenciou na ocorrência de desconfortos. Também foi observado que, mesmo quando o desempenho melhorava, a velocidade e a precisão nas respostas não foram afetadas negativamente.
Outro ponto interessante foi que o algoritmo pBO identificou que o tamanho da cabeça influencia diretamente na intensidade da corrente necessária. Isso confirma estudos que já mostravam que cérebros maiores podem exigir mais corrente para que o efeito atinja a área cerebral desejada.
Atualmente, isso costuma ser feito com exames caros de ressonância magnética. O pBO oferece uma alternativa mais simples e acessível, usando apenas medidas básicas e observações de desempenho, sem necessidade de exames caros.

Esse tipo de tecnologia tem implicações importantes para a sociedade. Ela se alinha com metas da ONU para melhorar a saúde e reduzir desigualdades, ao tornar o aprimoramento cognitivo acessível a mais pessoas, especialmente aquelas que não podem frequentar clínicas ou laboratórios especializados.
Para isso, é fundamental que futuras aplicações considerem questões éticas, como a proteção de dados dos usuários, o uso seguro da tecnologia e a oferta justa para todos.
Apesar de algumas limitações, como o fato de o estudo ter ocorrido online e não poder usar recompensas por desempenho (por questões éticas), os resultados mostram que a combinação de inteligência artificial e neuroestimulação personalizada funciona, é segura e pode transformar o futuro do aprimoramento cognitivo, tanto para pessoas saudáveis quanto para o tratamento de doenças neurológicas.
Com mais desenvolvimento, essa abordagem pode ajudar as pessoas a manterem o foco em suas vidas reais, em casa, no trabalho ou nos estudos, sem depender de soluções invasivas ou inacessíveis.
LEIA MAIS:
Personalized home based neurostimulation via AI optimization augments sustained attention
Roi Cohen Kadosh, Delia Ciobotaru, Malin I. Karstens, and Vu Nguyen
npj Digital Medicine, volume 8, Article number: 463 (2025)
Abstract:
Brain-based technologies for human augmentation face challenges in personalization and real-world translation. We present an AI-driven personalized Bayesian optimization algorithm that remotely adjusts neurostimulation parameters based on baseline ability and head anatomy to enhance sustained attention at home. Validated through in silico modeling and a double-blind, sham-controlled study, our approach aligns with MRI-based models and neurobiological theories, maximizing efficacy and enabling scalable, personalized cognitive enhancement and therapy in real-world settings.



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