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Cromossomo X e Seu Papel Protetor no Autismo em Meninas


O transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento mais comum em meninos, possivelmente devido a fatores biológicos e sociais. Pesquisas sugerem que o "efeito protetor feminino" pode exigir uma carga genética maior para que as mulheres manifestem sintomas. Estudos recentes sobre o cromossomo X identificaram genes importantes associados ao TEA, destacando a necessidade de incluir cromossomos sexuais em pesquisas genômicas para entender melhor as diferenças sexuais no TEA e explorar novas abordagens terapêuticas.


O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição de neurodesenvolvimento que afeta a comunicação social e se caracteriza por interesses restritos e comportamentos repetitivos. 


Aproximadamente 1% da população mundial é diagnosticada com TEA, com maior prevalência em meninos, numa proporção de 3–4:1 em relação às meninas.


No entanto, essa disparidade pode ser parcialmente atribuída a fatores sociais e demográficos, como a subnotificação de casos em meninas devido à normalização de certos comportamentos.


Pesquisas sugerem que a diferença de gênero na prevalência do Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem uma base biológica significativa. Estudos indicam que mulheres com Transtorno do Espectro Autista (TEA) frequentemente possuem um maior número de alterações genéticas prejudiciais.


Essas alterações incluem as variantes de número de cópias (CNVs), onde partes do DNA podem estar ausentes ou duplicadas, e as variantes de nucleotídeo único (SNVs), que envolvem mudanças em uma única "letra" do código genético.


Essas alterações genéticas aumentam a suscetibilidade ao TEA, mas parecem ser necessárias em maior quantidade ou de maior impacto nas mulheres para resultar em sintomas semelhantes aos observados nos homens.

Além das diferenças genéticas, os hormônios esteroides, como a testosterona, e a expressão de genes que diferem entre homens e mulheres podem desempenhar um papel crucial no desenvolvimento do TEA.


A testosterona, por exemplo, pode influenciar o desenvolvimento cerebral e o sistema neuroimune de forma diferente nos sexos, afetando a arborização dendrítica (a formação de conexões entre neurônios) e a quantidade de células microgliais e neurônios.


A probabilidade de uma irmã apresentar TEA é menor do que a de um irmão, mesmo em famílias onde o transtorno já está presente. 


Isso aponta para o chamado “efeito protetor feminino”, uma teoria que sugere que as mulheres precisam de uma carga genética mais pesada ou de fatores de risco mais severos para manifestar sintomas de TEA. 


Esse efeito indica que as mulheres, de alguma forma, estão mais protegidas contra o desenvolvimento de TEA, requerendo um maior acúmulo de fatores genéticos ou ambientais adversos para apresentar o transtorno.


O cromossomo X tem sido foco de várias pesquisas devido à sua implicação em variantes genéticas associadas ao TEA. Estudos apontam que certos genes localizados no cromossomo X, como MECP2 e DDX3X, estão ligados ao desenvolvimento do TEA. 


A análise do cromossomo X, porém, enfrenta desafios, como sua menor diversidade genética em comparação com os autossomos e a inativação do X em mulheres, que pode complicar a interpretação dos resultados.

Pesquisas recentes avançaram no estudo de variantes do cromossomo X, superando limitações anteriores e revelando novas associações genéticas com o TEA.


Em um estudo abrangente, foram analisadas mais de 400 mil variantes no cromossomo X, identificando 59 variantes associadas ao TEA, ligadas a 17 genes que podem ser cruciais para entender melhor a biologia do TEA e desenvolver novas abordagens terapêuticas:


GRPR (Receptor de Peptídeo Relacionado ao Gastrina): Este gene codifica um receptor que se liga a um peptídeo chamado GRP (Gastrin-Releasing Peptide). O GRPR tem papel na modulação da função neural, e estudos sugerem que ele pode influenciar o comportamento social e a comunicação, características frequentemente prejudicadas no TEA. Alterações nesse gene podem afetar processos cognitivos e sociais.


AP1S2 (Subunidade 2 da AP-1, Complexo Adaptador): O gene AP1S2 está relacionado ao sistema de transporte intracelular, mais especificamente à formação de vesículas que transportam proteínas entre os compartimentos celulares. Esse transporte é essencial para a função normal das células nervosas, e mutações nesse gene podem prejudicar o funcionamento neural, contribuindo para distúrbios do desenvolvimento como o TEA.


DDX53 (Helicase de RNA): DDX53 codifica uma helicase de RNA, uma proteína envolvida no processamento do RNA, essencial para a produção de proteínas. Defeitos nesse gene podem alterar a expressão gênica e o desenvolvimento neuronal, potencialmente afetando funções cognitivas e comportamentais associadas ao autismo.


HDAC8 (Histona Deacetilase 8): Este gene está envolvido na regulação da expressão gênica por meio de modificações químicas nas histonas, proteínas que ajudam a embalar o DNA. A desregulação das histonas pode afetar o desenvolvimento neuronal e foi implicada em vários transtornos neurológicos, incluindo o TEA.

PCDH19 (Caderina de Protocaderina 19): PCDH19 codifica uma proteína que facilita a comunicação entre as células nervosas. Alterações neste gene são particularmente associadas a um tipo de epilepsia relacionada ao autismo, conhecida como síndrome de PCDH19. Ele é essencial para a formação de sinapses e a comunicação neuronal. 


PTCHD1 (Patched Domain Containing 1): O gene PTCHD1 está envolvido na sinalização de uma via chamada Hedgehog, que regula o crescimento e a diferenciação celular. Mutações neste gene podem afetar o desenvolvimento do sistema nervoso central e estão ligadas ao TEA e a deficiências no processamento sensorial.


PCDH11X (Caderina de Protocaderina 11X): Semelhante ao PCDH19, o PCDH11X também está relacionado à comunicação entre células nervosas e é essencial para a função sináptica e o desenvolvimento cerebral. Sua disfunção pode afetar as conexões neurais e contribuir para o TEA.


PTCHD1-AS (RNA Antissenso para PTCHD1): Este gene codifica um RNA que pode regular a expressão do gene PTCHD1. Como o PTCHD1 está envolvido na sinalização celular crucial para o desenvolvimento neuronal, alterações no PTCHD1-AS também podem influenciar o desenvolvimento do cérebro e suas funções.


DMD (Distrofina): O gene DMD é fundamental para a função muscular e também afeta o sistema nervoso. Mutations neste gene estão associadas à distrofia muscular de Duchenne, mas pesquisas indicam que a distrofina também desempenha um papel em várias condições neurológicas, incluindo TEA.


SYAP1 (Proteína Sináptica 1): SYAP1 está envolvido na sinalização sináptica, que é crucial para a transmissão de sinais entre neurônios. Defeitos nesse gene podem alterar a comunicação entre os neurônios e afetar os processos cerebrais necessários para o comportamento social e a aprendizagem.


CNKSR2 (Kinase Suppressor of Ras 2): CNKSR2 regula a sinalização celular que influencia o desenvolvimento do sistema nervoso. Mutations neste gene podem interferir com os sinais necessários para a função cognitiva e social adequada, associando-o ao TEA.

GLRA2 (Receptor Alfa 2 da Glicina): GLRA2 é um gene que codifica um receptor envolvido na inibição de sinais neurais no cérebro. O funcionamento anômalo desse receptor pode afetar o equilíbrio entre excitação e inibição nas células nervosas, o que pode contribuir para distúrbios de desenvolvimento neurológico como o TEA.


OFD1 (Oral-Facial-Digital Syndrome 1): OFD1 está relacionado a síndromes genéticas que afetam o desenvolvimento facial, oral e digital. Mutations neste gene podem levar a deficiências cognitivas e comportamentais, incluindo características do TEA.


CDKL5 (Cyclin-Dependent Kinase-Like 5): CDKL5 é um gene envolvido na sinalização e desenvolvimento do cérebro. Mutações nesse gene estão associadas a um tipo grave de epilepsia e ao TEA, afetando principalmente o desenvolvimento cognitivo e motor.


GPRASP2 (GPR Aspartato-Serina Proteína 2): GPRASP2 está associado ao processo de sinalização celular e pode influenciar a comunicação entre as células nervosas. Alterações nesse gene podem contribuir para as deficiências sociais e comportamentais observadas no TEA.


NXF5 (Nuclear Export Factor 5): NXF5 é um gene envolvido na exportação de RNA do núcleo para o citoplasma das células. Defeitos no processamento de RNA podem interferir na expressão gênica e afetar o desenvolvimento neural, o que pode ser relevante para o TEA.


SH3KBP1 (SH3 Domain Kinase Binding Protein 1): Este gene está relacionado à regulação do crescimento celular e à organização das células nervosas. Sua disfunção pode comprometer a sinalização celular e afetar o desenvolvimento e funcionamento do cérebro, contribuindo para os sintomas do TEA.


Por fim o estudo identificou que o gene FGF13 (Fator de Crescimento Fibroblástico 13) está implicado na regulação do crescimento e desenvolvimento neuronal.


Estudos indicam que esse gene pode ter um papel específico na diferença de gênero observada no TEA, com variações em seus alelos sendo mais frequentes em homens, o que sugere um impacto maior do gene na manifestação do TEA nos homens.


Esses genes estão todos envolvidos em processos críticos de desenvolvimento cerebral, sinalização neural, comunicação entre células nervosas, e equilíbrio neuroquímico. Quando alterados, eles podem afetar funções essenciais para o comportamento, a aprendizagem e a interação social, características frequentemente comprometidas no TEA.


Essas descobertas reforçam a importância de incluir o cromossomo X em pesquisas genômicas, revelando novos caminhos para investigação sobre como fatores genéticos e biológicos contribuem para o TEA.



LEIA MAIS:


Chromosome X-wide common variant association study in autism spectrum disorder

Mendes, Marla et al.

The American Journal of Human Genetics, Volume 112, Issue 1, 135 - 153


Abstract:


Autism spectrum disorder (ASD) displays a notable male bias in prevalence. Research into rare (<0.1) genetic variants on the X chromosome has implicated over 20 genes in ASD pathogenesis, such as MECP2DDX3X, and DMD. The “female protective effect” in ASD suggests that females may require a higher genetic burden to manifest symptoms similar to those in males, yet the mechanisms remain unclear. Despite technological advances in genomics, the complexity of the biological nature of sex chromosomes leaves them underrepresented in genome-wide studies. Here, we conducted an X-chromosome-wide association study (XWAS) using whole-genome sequencing data from 6,873 individuals with ASD (82% males) across Autism Speaks MSSNG, Simons Simplex Collection (SSC), and Simons Powering Autism Research (SPARK), alongside 8,981 population controls (43% males). We analyzed 418,652 X chromosome variants, identifying 59 associated with ASD (p values 7.9 × 10−6 to 1.51 × 10−5), surpassing Bonferroni-corrected thresholds. Key findings include significant regions on Xp22.2 (lead SNP rs12687599, p = 3.57 × 10−7) harboring ASB9/ASB11 and another encompassing DDX53 and the PTCHD1-AS long non-coding RNA (lead SNP rs5926125, p = 9.47 × 10−6). When mapping genes within 10 kb of the 59 most significantly associated SNPs, 91 genes were found, 17 of which yielded association with ASD (GRPRAP1S2DDX53HDAC8PCDH19PTCHD1PCDH11XPTCHD1-ASDMDSYAP1CNKSR2GLRA2OFD1CDKL5GPRASP2NXF5, and SH3KBP1). FGF13 emerged as an X-linked ASD candidate gene, highlighted by sex-specific differences in minor allele frequencies. These results reveal significant insights into X chromosome biology in ASD, confirming and nominating genes and pathways for further investigation.

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