Criminalidade Inesperada: Quando a Causa Está Na Anatomia Do Cérebro
- Lidi Garcia
- 22 de jul.
- 4 min de leitura

Um novo estudo mostrou que danos em uma parte específica do cérebro, chamada fascículo uncinado direito, podem estar ligados ao surgimento de comportamentos criminosos após lesões como AVCs ou traumas. Essa região conecta áreas que controlam emoções e decisões morais. Quando ela é afetada, a pessoa pode ter mais dificuldade em controlar impulsos ou avaliar as consequências de suas ações, o que pode contribuir para atitudes violentas ou anti-sociais.
Nos últimos anos, imagens do cérebro humano têm sido cada vez mais utilizadas como evidência em tribunais, especialmente em julgamentos criminais. Isso se deve à crescente compreensão de que certos danos cerebrais podem afetar diretamente o comportamento de uma pessoa.
Um novo estudo liderado por pesquisadores da Universidade do Colorado, da Escola Médica de Harvard e de outras instituições americanas traz uma importante contribuição a esse debate: ele sugere que lesões em uma região específica do cérebro podem estar ligadas ao desenvolvimento de comportamentos criminosos, especialmente os mais violentos.

Os cientistas analisaram imagens de cérebros de 17 pessoas que começaram a cometer crimes somente após sofrerem lesões cerebrais, provocadas por eventos como derrames, tumores ou traumas cranianos. Essas lesões foram comparadas com as de centenas de outros pacientes que apresentavam sintomas neurológicos diversos (como perda de memória, depressão ou ansiedade), mas que não tinham histórico de comportamento criminoso.
A grande descoberta foi que, nos casos em que surgiram comportamentos criminosos após a lesão, uma região do cérebro estava frequentemente danificada: o fascículo uncinado direito.

O fascículo uncinado é uma faixa de substância branca do cérebro que funciona como uma espécie de "fio elétrico", conectando duas áreas muito importantes: uma envolvida na tomada de decisões racionais e outra ligada às emoções. Ou seja, ele é responsável por ajudar o cérebro a equilibrar razão e emoção, e por isso tem um papel central na nossa capacidade de tomar decisões morais, controlar impulsos e sentir empatia.
Quando esse “cabo” é danificado, principalmente do lado direito do cérebro, o funcionamento dessa conexão pode ser prejudicado. Com isso, a pessoa pode ter mais dificuldade em prever as consequências de suas ações, controlar impulsos agressivos ou entender como suas atitudes afetam os outros.

Para confirmar esse vínculo, os pesquisadores utilizaram uma abordagem avançada de análise chamada conectoma, que mapeia as conexões entre diferentes regiões do cérebro. Isso permitiu entender de forma mais precisa quais trajetos da substância branca estavam sendo afetados em cada caso.
O fascículo uncinado direito foi a via mais fortemente associada ao comportamento criminoso, especialmente nos casos de violência. Um segundo trato chamado fórceps menor, que também conecta áreas importantes da mente, apareceu com menor relevância.
Importante destacar que nem todas as pessoas com lesões nesse local se tornam criminosas ou violentas. Porém, os dados mostram que quando o comportamento criminoso surge depois de uma lesão cerebral, essa região tende a estar envolvida. Isso aponta para a possibilidade de que danos cerebrais específicos, e não danos cerebrais em geral, podem causar ou facilitar mudanças profundas no comportamento social e moral.

Exemplo de uma analise baseada em conectoma.
Os próprios pesquisadores reconhecem que essas descobertas levantam questões complexas. O Dr. Isaiah Kletenik, da Faculdade de Medicina de Harvard e autor principal do estudo, comentou que o trabalho contribui para a difícil discussão sobre culpabilidade e livre-arbítrio.
Se o cérebro está danificado e isso influencia o comportamento de uma pessoa, até que ponto ela pode ser considerada plenamente responsável por seus atos?
Além disso, os autores ressaltam que essas informações podem ser úteis tanto para a medicina quanto para o direito. Médicos poderiam identificar pacientes em risco e oferecer acompanhamento ou intervenções mais específicas. Já o sistema judiciário pode, eventualmente, levar em consideração esses fatores ao avaliar casos em que a lesão cerebral esteja comprovadamente ligada ao crime cometido.

Em resumo, o estudo revela que lesões no fascículo uncinado direito do cérebro podem estar relacionadas ao surgimento de comportamentos criminosos, especialmente os violentos, após uma lesão cerebral. Isso ajuda a ampliar nossa compreensão sobre como o cérebro influencia o comportamento humano, e por que, em certos casos, a raiz de ações violentas pode estar em danos físicos específicos, e não apenas em escolhas conscientes.
LEIA MAIS:
White matter disconnection in acquired criminality
Isaiah Kletenik, Christopher M. Filley, Alexander L. Cohen, William Drew, Patricia S. Churchland, R. Ryan Darby, and Michael D. Fox
Molecular Psychiatry (2025)
Abstract:
Structural brain imaging is increasingly introduced as evidence in criminal trials. A key imaging abnormality identified in criminal populations is alteration to the right uncinate fasciculus but it remains unclear whether these changes play a causal role in criminal behavior. Lesion studies of acquired criminality offer the opportunity to assess the causal role of focal disruption of specific white matter connections in criminal behavior. We studied lesion locations of focal brain damage associated with new onset criminal behavior compared to lesions associated with 21 diverse neuropsychiatric symptoms. First, we analyzed the intersection of lesion locations with an atlas-based right uncinate fasciculus. Second, we assessed the intersection of lesion locations with all white matter tracts from this atlas. Third, we performed a connectome-based analysis of all possible white matter connections with each lesion location, without a priori assumptions regarding specific tracts. We repeated all analyses limited to subjects who committed violent crimes. Lesions associated with criminality intersected the right uncinate more than lesions associated with other neuropsychiatric symptoms (p = 4.78 × 10−8). Compared to other tracts, the right uncinate fasciculus was the tract most strongly associated with lesion-induced criminality followed by the forceps minor. An unbiased connectome-based analysis confirmed these findings. Among subjects who committed violent crimes the right uncinate was the key tract identified. Lesions associated with criminality intersect the right uncinate fasciculus more than other lesions and more than other white matter tracts. Damage to the right uncinate may play a causal role in criminal behavior, especially violent crime.



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