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Como Assim Erramos? Paracetamol Alivia a Dor de Um Jeito Totalmente Diferente do Que Achávamos

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 28 de mai.
  • 4 min de leitura

Um novo estudo revelou que o paracetamol (ou Tylenol) pode aliviar a dor de uma forma diferente do que se pensava. Em vez de aumentar substâncias que causam bem-estar, ele parece bloquear a produção de uma delas, agindo sobre o sistema natural do corpo que regula a dor, o sistema endocanabinoide. Essa descoberta pode levar ao desenvolvimento de analgésicos mais eficazes e seguros no futuro.


O paracetamol, conhecido por marcas como Tylenol, é um dos medicamentos mais usados no mundo para aliviar dores e febre. Apesar de ser amplamente consumido há décadas, os cientistas ainda estão tentando entender exatamente como ele funciona dentro do corpo. 


Durante muito tempo, acreditava-se que ele agia reduzindo a atividade de uma enzima chamada COX2 no sistema nervoso central, o que ajudaria a diminuir a dor e a inflamação. No entanto, para conseguir esse efeito, seria necessário que o paracetamol estivesse presente em concentrações muito altas, o que levanta dúvidas sobre se esse é realmente o principal caminho pelo qual ele age.


Outra teoria propõe que o paracetamol pode interagir com o chamado sistema endocanabinoide, um conjunto de substâncias naturais do corpo e receptores que regulam várias funções, incluindo dor, humor e apetite. Esse sistema é semelhante ao que é ativado por compostos da maconha, mas é produzido pelo próprio organismo. 

Dentro desse sistema, uma substância derivada do paracetamol chamada AM404 pode afetar a forma como o corpo lida com a dor. Essa substância parece impedir a quebra de um composto chamado anandamida (associado à sensação de bem-estar) e até ativar indiretamente certos receptores sensíveis à dor e à temperatura. 


No entanto, os níveis de AM404 produzidos após o uso do paracetamol são muito baixos, o que sugere que ele talvez não tenha força suficiente para causar todos esses efeitos sozinho.


Pesquisas recentes mostram que a história pode ser ainda mais complexa. Um novo estudo, realizado por cientistas da Indiana University, USA, questiona ideias que os cientistas assumiam há muito tempo. Em vez de aumentar substâncias naturais que trazem alívio da dor, como se pensava, o paracetamol pode, na verdade, reduzir a produção de uma dessas substâncias, de forma surpreendente, isso também ajuda a reduzir a dor. 

Isso acontece porque o paracetamol parece inibir a ação de uma enzima chamada DAGLα, que é responsável por produzir um composto chamado 2-AG, um dos principais endocanabinoides do corpo. Esse 2-AG normalmente se liga a receptores para regular a dor, mas o novo estudo sugere que, em alguns circuitos do cérebro, reduzir a quantidade de 2-AG pode ser justamente o que evita a sensação de dor.


Para investigar isso, os cientistas usaram um modelo de laboratório com neurônios isolados (células do cérebro) que foram cultivados de forma a simular um circuito completo de sinalização endocanabinoide. 


Eles testaram como o paracetamol afetava esse circuito e descobriram que ele realmente diminuía a atividade da DAGLα, reduzindo a quantidade de 2-AG disponível. Essa redução pareceu diminuir a transmissão de sinais de dor. 


Para confirmar, também testaram um outro composto que bloqueia a DAGLα, chamado RHC80267, e viram que ele também reduzia a dor, mas apenas em camundongos normais. Em camundongos que não tinham os receptores CB1, esse efeito desaparecia, o que confirma que esses receptores são parte importante do processo.


Esses resultados propõem uma nova explicação para o funcionamento do paracetamol. Em vez de simplesmente ativar os "mensageiros do bem-estar", ele pode estar desligando um tipo específico de sinal relacionado à dor, em uma parte específica do cérebro. Ou seja, ao impedir a produção de certos endocanabinoides, o paracetamol corta a "permissão" que alguns circuitos do corpo dão para que a dor seja sentida. 

Essa figura compara duas possíveis maneiras pelas quais o paracetamol (ou acetaminofeno) pode aliviar a dor no corpo. No lado esquerdo, temos o modelo tradicional, que diz que o paracetamol é transformado no fígado em uma substância chamada para-aminofenol. Essa substância chega ao cérebro, onde é convertida em outro composto chamado AM404. O AM404 impede que uma substância natural do corpo, a anandamida, seja eliminada, aumentando sua presença. Isso ativa receptores no cérebro ligados ao alívio da dor. Já o lado direito da figura mostra uma nova descoberta: o paracetamol pode também atuar de forma diferente, diretamente no cérebro, bloqueando uma enzima que normalmente ajuda a produzir uma outra substância natural chamada 2-AG. Ao reduzir o 2-AG, essa via também diminui a ativação de receptores ligados à dor. Ou seja, o paracetamol pode aliviar a dor tanto aumentando quanto diminuindo certos mensageiros químicos no cérebro, o que muda nossa compreensão sobre como ele realmente funciona.


Essa descoberta é importante porque muda completamente a maneira como entendemos esse remédio tão comum, e pode abrir caminho para a criação de analgésicos mais seguros e eficazes no futuro.


Além disso, esse novo modelo ajuda a explicar por que o paracetamol é eficaz em alguns tipos de dor, mas não em outros, e por que ele funciona de maneira diferente em pessoas diferentes.


Também destaca a importância do sistema endocanabinoide no controle da dor, o que pode inspirar pesquisas futuras para criar medicamentos que atuem nesse sistema com mais precisão e menos efeitos colaterais.


Essa reviravolta no entendimento científico sobre o paracetamol mostra como mesmo medicamentos antigos ainda têm segredos a revelar, e que a ciência nunca para de investigar.



LEIA MAIS:


Acetaminophen inhibits diacylglycerol lipase synthesis of 2-arachidonoyl glycerol: Implications for nociception

Michaela Dvorakova, Taryn Bosquez-Berger, Jenna Billingsley, Natalia Murataeva, Taylor Woodward,  Emma Leishman,  Anaëlle Zimmowitch,  Anne Gibson,  Jim Wager-Miller,  Ruyi Cai,  Shangxuan Cai, Tim Ware, Ku-Lung Hsu, Yulong Li, Heather Bradshaw, Ken Mackie, and Alex Straiker

Cell Reports Medicine. 102139 May 16, 2025

DOI: 10.1016/j.xcrm.2025.102139


Abstract:


Acetaminophen (paracetamol) is a common analgesic, but its mechanism of action remains unknown. Despite causing around 500 deaths annually in the US, safer alternatives have not been developed. Because endocannabinoids may have a role in acetaminophen action, we examine interactions between the two. We report that acetaminophen inhibits the activity of diacylglycerol lipase α (DAGLα), but not DAGLβ, decreasing the production of the endocannabinoid 2-arachidonoyl glycerol. This gives rise to the counterintuitive hypothesis that decreasing endocannabinoid production by DAGLα inhibition may be antinociceptive in certain settings. Supporting this hypothesis, we find that diacylglycerol lipase (DAGL) inhibition by RHC80267 is antinociceptive in wild-type but not CB1 knockout mice in the hot-plate test. We propose (1) that activation of DAGLα may exacerbate some forms of nociception and (2) a mechanism for the antinociceptive actions of acetaminophen, whereby acetaminophen inhibits a DAGLα/CB1-based circuit that plays a permissive role in at least one form of nociception.

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