Cigarro Eletrônico Sem Nicotina Pode Afetar Formação Do Crânio Durante o Desenvolvimento Em Fetos
- Lidi Garcia
- 25 de ago.
- 5 min de leitura

Pesquisadores testaram se líquidos de cigarros eletrônicos, compostos principalmente por propilenoglicol e a glicerina vegetal, mesmo sem nicotina, podem afetar o desenvolvimento de filhotes durante a gestação. Em camundongos, uma formulação com mais glicerina vegetal reduziu o crescimento do rosto e do crânio, enquanto a formulação equilibrada não causou esse efeito. O estudo alerta que nem líquidos “sem nicotina” são necessariamente seguros para uso na gravidez.
Os chamados Sistemas Eletrônicos de Administração de Nicotina (ENDS), que incluem os cigarros eletrônicos, tornaram-se um grande desafio para a saúde pública. Eles apareceram no início dos anos 2000 e se popularizaram principalmente a partir de 2010, quando passaram a ter design mais moderno e tecnologia avançada.
Embora as empresas afirmem que esses produtos foram criados para ajudar fumantes a parar de consumir cigarros tradicionais, eles se tornaram muito populares entre adolescentes e jovens adultos. Isso fez surgir um novo grupo de pessoas que usa nicotina e que, em muitos casos, nunca havia consumido outros produtos de tabaco antes.
O uso desses dispositivos gera preocupações porque ainda não se sabe ao certo quais são seus impactos de longo prazo sobre a saúde. Entre as questões mais preocupantes estão o risco de dependência de nicotina, a frequência com que esses produtos são usados e a possibilidade de que sirvam como porta de entrada para outros tipos de consumo de tabaco.

Além disso, a regulamentação desses produtos é fraca, especialmente nos Estados Unidos, onde a indústria recorre ao sistema judicial para barrar ou atrasar novas regras. Enquanto isso, o mercado de cigarros eletrônicos cresce rapidamente, representando um retrocesso nos avanços obtidos na redução do uso de tabaco nas últimas décadas.
O líquido usado nesses dispositivos é chamado de e-líquido. Ele é aquecido para liberar um vapor que é inalado pelo usuário. A maior parte dos e-líquidos contém dois componentes principais: o propilenoglicol e a glicerina vegetal. O propilenoglicol é usado para dar a sensação de “impacto na garganta” ao tragar, e a glicerina vegetal serve para produzir mais vapor visível. Além disso, os e-líquidos podem conter aromatizantes, substâncias ácidas para ajustar o pH e, em muitos casos, diferentes concentrações de nicotina.
Embora muita atenção tenha sido dada à nicotina e aos aromatizantes, pouco se estuda sobre o efeito das proporções entre propilenoglicol e glicerina vegetal na saúde. Essas proporções podem variar bastante: alguns produtos usam quase só propilenoglicol, outros usam quase só glicerina vegetal, e muitos usam misturas entre os dois.
Pesquisas iniciais sugerem que, quando há menos propilenoglicol, a quantidade de nicotina e partículas residuais liberadas também diminui. Isso indica que a composição do líquido influencia não apenas a experiência de uso, mas também os possíveis riscos à saúde.

Outro ponto importante é o impacto desses produtos durante a gravidez. Já se sabe que o uso de cigarro tradicional na gestação pode causar sérios problemas para o bebê, incluindo má-formações, principalmente na cabeça e no rosto.
Essas alterações, chamadas de defeitos congênitos craniofaciais, podem ter origem genética ou ser causadas por fatores externos, como exposição a substâncias tóxicas. Muitas dessas condições exigem cirurgias e tratamentos complexos logo após o nascimento, e mesmo assim raramente são corrigidas completamente.
No estudo descrito, os pesquisadores quiseram entender se diferentes proporções de propilenoglicol e glicerina vegetal nos líquidos usados nos dispositivos eletrônicos, mesmo sem nicotina, poderiam causar alterações no desenvolvimento do rosto e do crânio de filhotes expostos ainda durante a gestação. Foram testadas duas formulações: uma com metade propilenoglicol e metade glicerina vegetal, e outra com 30% de propilenoglicol e 70% de glicerina vegetal.
O experimento foi feito com camundongos. Fêmeas grávidas foram expostas ao ar normal (grupo de controle), à formulação com 50% de cada substância ou à formulação com mais glicerina vegetal (30% propilenoglicol e 70% glicerina vegetal). Quando os filhotes completaram 14 dias de vida, os pesquisadores mediram o peso e analisaram as dimensões do rosto e do crânio.

Alteração na forma do crânio devido à exposição do portador de ENDS. Branco/Cinza = Controle; Amarelo = 30/70 PG/VG; Verde = 50/50 PG/VG. A sobreposição coronal utilizou a sela túrcica para registro anatômico.
Os resultados mostraram que os filhotes expostos à formulação com mais glicerina vegetal tiveram crescimento menor, tanto no peso quanto nas medidas faciais e cranianas, em comparação com o grupo de controle. Já os filhotes expostos à formulação com partes iguais das duas substâncias não apresentaram diferenças significativas em relação ao grupo de controle.
Isso indica que trocar a formulação dos líquidos para ter mais glicerina vegetal, prática comum na indústria, não necessariamente reduz os riscos para a saúde. Além disso, o estudo reforça que nem mesmo os líquidos sem nicotina podem ser considerados seguros durante a gravidez.

Medidas cranianas encontrada nos animais após a expositora s diferentes concentrações dos ENDS. A. O comprimento craniano de amostras independentes não revelou diferenças estatisticamente significativas por exposição. B. A Análise de Variância revelou diferenças significativas na largura craniana por exposição. C. A Análise revelou diferenças significativas na altura craniana. D. O teste de amostras independentes para comprimento da base do crânio não revelou diferenças estatisticamente significativas por exposição. E. A análise da largura da base do crânio não revelou diferenças estatisticamente significativas por exposição. F. O teste de amostras independentes para comprimento craniofacial não revelou diferenças estatisticamente significativas.
Esses achados indicam uma necessidade significativa de estudos mais aprofundados sobre os componentes e formulações dos Sistemas Eletrônicos de Administração de Nicotina, isoladamente e em mistura, visto que efeitos adversos no crescimento craniofacial foram observados sem a presença de nicotina ou outros aditivos comuns.
LEIA MAIS:
In utero exposure to electronic cigarette carriers alters craniofacial morphology
Ethan Richlak, Logan Shope, Ethan Leonard, Leslie Sewell, Tyler Maykovich, Amr Mohi, Roy A. Miller, Matthew W. Gorr, Loren E. Wold, and James J. Cray
PLoS One. 20(6): e0327190. June 30, 2025DOI: 10.1371/journal.pone.0327190
Abstract:
Despite the popularity of electronic nicotine delivery systems (ENDS), there is currently a lack of regulation and consistency regarding the formulation of the e-liquids that undergo combustion in use. The two main constituents of most e-liquids are the humectants propylene glycol (PG) and glycerol (vegetable glycerin, VG). E-liquids consist of a ratio of these two components with PG utilized to increase the “throat hit” effect and VG used to increase visible vapor. As PG-based e-liquids are known to generate more carcinogenic carbonyls and increase the uptake of nicotine, many commercial products have moved toward a more VG-centric formulation to reduce potential harm. The purpose of this study was to test the hypothesis that a common VG-based formulation (30/70 PG/VG) would result in fewer negative effects on craniofacial growth compared to an evenly concentrated formulation (50/50 PG/VG) in the absence of nicotine. Adult breeder mice were utilized to generate in utero ENDS component exposed litters including free air exposure (control), 30/70 PG/VG, and 50/50 PG/VG groups. The resulting pups were assessed at postnatal day 14 for skull morphology. Data demonstrate significant reductions in body weight, facial, and cranial dimensions, where there was a significant reduction in growth for the 30/70 PG/VG exposed group. There were no significant differences found between control and 50/50 PG/VG. These results suggest the overall movement to a more VG-centric ENDS formulation may not result in reduced profile for health concerns. Further, it suggests that PG/VG are not a harmless carrier and now popular nicotine-free ENDS formulation may not be considered safe for use in pregnant populations.
Comentários