CAR-T: A Terapia Contra o Câncer Que Salva Vidas, Mas Mexe Com A Mente
- Lidi Garcia
- 23 de jul.
- 4 min de leitura

Imunoterapias contra o câncer, como a terapia com células CAR-T, são muito eficazes, mas podem causar efeitos colaterais no cérebro, afetando memória e atenção. Estudos em animais e humanos mostram que isso pode ocorrer por causa de inflamação no cérebro, ativando células chamadas microglias. A boa notícia é que cientistas já encontraram formas de reverter esses efeitos em laboratório, o que pode ajudar a proteger a mente dos pacientes no futuro.
Com os avanços da medicina, a imunoterapia, um tipo de tratamento que estimula o sistema imunológico a combater o câncer, tem salvado muitas vidas.
Um exemplo notável é a chamada terapia com células CAR-T, que tem sido altamente eficaz no tratamento de alguns tipos de câncer do sangue e, mais recentemente, vem sendo testada para tumores cerebrais agressivos em crianças.
No entanto, apesar dos benefícios, começam a surgir preocupações sobre os possíveis efeitos colaterais de longo prazo desse tipo de tratamento, especialmente no cérebro e na função cognitiva, ou seja, na nossa capacidade de pensar, lembrar, prestar atenção e aprender.
Diversos sobreviventes de câncer relatam dificuldades cognitivas persistentes após os tratamentos, como problemas de memória, atenção, organização e velocidade de pensamento.
Esse fenômeno, conhecido como comprometimento cognitivo relacionado à terapia do câncer (CRCI), era mais comum após quimioterapia e radioterapia, mas agora há indícios de que a imunoterapia também pode causar efeitos parecidos, mesmo que mais sutis.

Celula T CAR atacando celular cancerigena
Infecções respiratórias como a COVID-19 e a gripe podem causar problemas de memória, atenção e clareza mental, algo que se parece muito com o que algumas pessoas sentem depois de passar por tratamentos contra o câncer, isso é chamado de “névoa cerebral”. Essas infecções ativam células de defesa do cérebro chamadas microglia.
A microglia é um tipo de célula do sistema imunológico que vive no cérebro. Quando ativada por terapias contra o câncer ou infecções, a microglia pode entrar em um estado "reativo", afetando o bom funcionamento dos neurônios, a formação de novas conexões e até mesmo a produção de novas células cerebrais.
No caso da terapia com células T CAR, estudos mostraram que, mesmo após o tratamento agudo e a eliminação do tumor, o cérebro pode permanecer inflamado.
Em experimentos com camundongos, cientistas observaram que essa inflamação envolvia a ativação das microglias na substância branca do cérebro (áreas ricas em conexões nervosas), aumento de moléculas inflamatórias no líquido que banha o cérebro (o líquido cefalorraquidiano), e redução da produção de mielina (a substância que isola e protege os neurônios).
Além disso, a formação de novas células nervosas no hipocampo, uma região essencial para a memória, também foi prejudicada.

Essas alterações não ficaram apenas no nível biológico: os animais também tiveram desempenho cognitivo pior em testes de atenção e memória. Em humanos, análises de tecidos cerebrais mostraram padrões semelhantes de ativação inflamatória após a terapia com células T CAR.
Estudos de sequenciamento do lobo frontal humano de pacientes com ou sem terapia prévia com células T CAR para tumores do tronco encefálico confirmaram estados reativos da microglia e dos oligodendrócitos após o tratamento. Oligodendrocitos sao células responsareis pela velocidade de conducao e comunicação entre os neurônios.
Curiosamente, quando os pesquisadores bloquearam temporariamente a atividade das microglias ou interferiram em certas vias inflamatórias (como o receptor CCR3), os déficits de memória e alterações cerebrais foram revertidos nos animais, após o resgate dos déficits oligodendrogliais.

Essas descobertas são importantes porque mostram que, embora a imunoterapia seja extremamente eficaz contra o câncer, ela pode causar efeitos colaterais no cérebro que afetam a qualidade de vida dos pacientes a longo prazo.
A boa notícia é que agora estamos começando a entender os mecanismos envolvidos, o que abre caminho para o desenvolvimento de tratamentos que possam prevenir ou reverter esses problemas cognitivos sem comprometer a eficácia da terapia contra o câncer.
LEIA MAIS:
Immunotherapy-related cognitive impairment after CAR T cell therapy in mice
Anna C. Geraghty, Lehi Acosta-Alvarez, Maria C. Rotiroti, Selena Dutton, Michael R. O’Dea, Wonju Kim, Vrunda Trivedi, Rebecca Mancusi, Kiarash Shamardani, Karen Malacon, Pamelyn J. Woo, Naiara Martinez-Velez, Theresa Pham, Noemi N. Reche-Ley, Gabriel Otubu, Enrique H. Castenada, Kamsi Nwangwu, Haojun Xu, Sara B. Mulinyawe, Daniel B. Zamler, Lijun Ni, Kevin Cross, Justin Rustenhoven, Jonathan Kipnis, Shane A. Liddelow, Crystal L. Mackall, Robbie G. Majzner, and Michelle Monje
Cell. Volume 188, Issue 12P3238-3258.E25June 12, 2025
DOI: 10.1016/j.cell.2025.03.041
Abstract:
Immunotherapies have revolutionized cancer care for many tumor types, but their potential long-term cognitive impacts are incompletely understood. Here, we demonstrated in mouse models that chimeric antigen receptor (CAR) T cell therapy for both central nervous system (CNS) and non-CNS cancers impaired cognitive function and induced a persistent CNS immune response characterized by white matter microglial reactivity, microglial chemokine expression, and elevated cerebrospinal fluid (CSF) cytokines and chemokines. Consequently, oligodendroglial homeostasis and hippocampal neurogenesis were disrupted. Single-nucleus sequencing studies of human frontal lobe from patients with or without previous CAR T cell therapy for brainstem tumors confirmed reactive states of microglia and oligodendrocytes following treatment. In mice, transient microglial depletion or CCR3 chemokine receptor blockade rescued oligodendroglial deficits and cognitive performance in a behavioral test of attention and short-term memory function following CAR T cell therapy. Taken together, these findings illustrate targetable neural-immune mechanisms underlying immunotherapy-related cognitive impairment.



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