Avanço Promissor: Vacina Que Pode Frear o Alzheimer Inicia Testes em Humanos
- Lidi Garcia
- 5 de mai.
- 6 min de leitura

Pesquisadores desenvolveram uma vacina experimental que ajuda o corpo a combater uma proteína anormal chamada tau, que se acumula no cérebro e está ligada a doenças como o Alzheimer. A vacina mostrou bons resultados em camundongos e macacos, reduzindo o acúmulo dessa proteína, melhorando a memória e sendo bem tolerada. Isso indica que, no futuro, essa vacina pode ajudar a prevenir ou tratar doenças neurodegenerativas.
As tauopatias são um grupo de doenças neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer (DA), caracterizadas pelo acúmulo anormal da proteína tau no cérebro. Normalmente, essa proteína ajuda na estabilidade dos microtúbulos, estruturas que atuam como trilhos para o transporte de substâncias dentro dos neurônios.
No entanto, em pessoas com tauopatias, a tau sofre uma modificação química chamada hiperfosforilação, o que significa que grupos de fosfato são adicionados em excesso a ela.
Isso faz com que a proteína se desorganize, perca sua função normal e comece a se agrupar em estruturas tóxicas, como oligômeros solúveis, filamentos helicoidais pareados (PHFs) e emaranhados neurofibrilares (NFTs). Esses depósitos danificam os neurônios e contribuem para o declínio cognitivo observado nessas doenças.

Pesquisas recentes usando técnicas avançadas de microscopia mostraram que esses depósitos de tau são variados e podem estar relacionados às diferentes manifestações clínicas das tauopatias. Um tipo específico de tau alterada, chamada tau fosforilada (abreviada como pTau), aparece logo nas fases iniciais dessas doenças.
Entre os resíduos da proteína tau que mais comumente sofrem fosforilação estão os de treonina 181 (pT181), 205, 217 e 231. Níveis elevados de pT181 e pT217 no sangue ou líquido cefalorraquidiano são considerados marcadores importantes para o diagnóstico da Doença de Alzheimer, por isso têm sido alvos de muitos estudos e tentativas terapêuticas.
Com os recentes avanços em tratamentos direcionados à proteína beta-amiloide, outra proteína relacionada à Doença de Alzheimer, como os anticorpos lecanemab e donanemab, o interesse pela imunoterapia contra a proteína tau voltou a crescer.
A estratégia de imunoterapia consiste em usar anticorpos monoclonais (produzidos em laboratório) para se ligar à pTau e ajudar o sistema imune a eliminá-la. Embora alguns testes iniciais tenham mostrado resultados promissores em modelos animais, muitos deles falharam em testes clínicos com humanos, como foi o caso do anticorpo ABBV-8E12.
As razões para essas falhas incluem escolhas inadequadas de qual parte da tau foi alvo, as doses administradas e o modo como o tratamento foi aplicado. Além disso, esses tratamentos costumam ser caros, exigem infusões frequentes por longos períodos e podem causar efeitos colaterais relacionados à ativação do sistema imune.

Como alternativa, os cientistas vêm explorando a vacinação ativa, que é uma maneira de treinar o próprio sistema imunológico da pessoa a produzir anticorpos contra a pTau, de forma mais duradoura e com menos intervenções médicas.
Contudo, até o momento, os testes com vacinas específicas contra tau (como AADvac1 e ACI-35) mostraram que as respostas de anticorpos geradas são fracas e passageiras. Isso pode ser resultado tanto da maneira como a vacina foi desenvolvida quanto da tendência natural do corpo a tolerar essa proteína, por ela ser originalmente do próprio organismo (um autoantígeno).
Com base nesses desafios, os pesquisadores desenvolveram uma nova vacina chamada pT181-Qß, que utiliza uma partícula semelhante a vírus (chamada VLP, do inglês virus-like particle), derivada de um bacteriófago (vírus que infecta bactérias) conhecido como Qß.
Nessa versão, o virus apresenta em sua superfície uma grande quantidade de cópias do pequeno fragmento da proteína tau com fosforilação na treonina 181 (pT181), o que ajuda a estimular uma resposta imune mais intensa.

Os cientistas escolheram esse fragmento por vários motivos: ele é um biomarcador já bem estabelecido no diagnóstico de tauopatias; é liberado pelos neurônios no espaço extracelular, o que facilita o acesso dos anticorpos; está localizado em uma parte da proteína tau que não é eliminada precocemente durante o processo de liberação celular; e seus níveis no sangue se correlacionam fortemente com a gravidade clínica da Doença de Alzheimer.
A vacina pT181-Qß foi testada com sucesso em camundongos geneticamente modificados que desenvolvem patologias semelhantes às tauopatias humanas.
Nesses estudos, a vacinação levou à produção de altos níveis de anticorpos contra a pTau, reduziu os acúmulos tóxicos de tau no cérebro, diminuiu a inflamação neural e melhorou funções como memória e coordenação motora.

A vacina pT181-Qß induziu uma resposta imunológica forte e duradoura contra a proteína tau alterada, envolvida no Alzheimer. No painel (A), vemos o esquema do experimento em camundongos com uma mutação que causa acúmulo de tau (modelo PS19). Eles foram vacinados com uma partícula semelhante a vírus (VLP) contendo uma parte da proteína tau modificada (pT181), ligada à superfície da partícula. Esse processo permite que o sistema imunológico reconheça a proteína como um “alvo” a combater. A imagem (B) mostra que a vacina foi bem preparada, com até três pedaços da proteína ligados por partícula. Nos gráficos (C) e (D), vemos que os camundongos vacinados produziram muitos anticorpos específicos contra a pTau, e essa resposta durou pelo menos 9 meses. Por fim, as imagens do painel (E) mostram que os anticorpos gerados pela vacina foram capazes de identificar e se ligar à proteína tau alterada em tecido cerebral, semelhante ao que faz o anticorpo de controle AT8 (muito usado para detectar tau no Alzheimer). Já os camundongos que não receberam a vacina específica não mostraram essa reação. Além disso, esses efeitos foram alcançados sem desencadear respostas indesejadas de células T, que poderiam levar a reações autoimunes perigosas. Um resultado especialmente importante foi que os anticorpos produzidos reagiram também com amostras de cérebros humanos com Alzheimer, sugerindo que essa vacina pode ter aplicabilidade clínica real.
Para verificar se essa abordagem é segura e eficaz também em outras espécies, os pesquisadores aplicaram a vacina em macacos rhesus adultos, que são biologicamente mais próximos dos humanos.
Assim como nos camundongos, duas doses da vacina, mesmo sem adjuvantes (substâncias que normalmente ajudam a aumentar a resposta imune), foram suficientes para induzir uma resposta de anticorpos forte e duradoura. Os anticorpos gerados não só circularam no sangue como também foram encontrados no sistema nervoso central, o que é crucial para um tratamento que visa eliminar depósitos cerebrais de tau.

A vacina experimental pT181-Qß foi testada em macacos e mostrou ser segura, capaz de ativar o sistema imunológico e de atingir o alvo desejado no cérebro. O esquema (A) mostra como foi feito o experimento: macacos com cerca de 6 anos receberam três doses da vacina, e foram coletadas amostras de sangue e líquor (fluido da medula espinhal). Após 8 semanas (B), os animais vacinados produziram muitos anticorpos contra a proteína tau fosforilada (pT181), envolvida no Alzheimer. Com isso, os níveis dessa proteína no sangue diminuíram (C), indicando que os anticorpos estavam funcionando (D). Também foi possível detectar esses anticorpos no líquor dos macacos (E), sugerindo que eles chegaram ao cérebro. Além disso, esses anticorpos reconheceram a proteína tau anormal em amostras reais de cérebros humanos com Alzheimer (F). Um gráfico (G) mostra que essa mesma proteína (pT181) é encontrada em pessoas com comprometimento cognitivo leve (um estágio precoce do Alzheimer), mas não em pessoas saudáveis. Por fim, um teste (H–I) mostrou que os anticorpos da vacina conseguiram "pescar" e se ligar à proteína tau presente em cérebros humanos com Alzheimer, comprovando sua eficácia no reconhecimento do alvo
Agora, devido aos resultados positivos em testes animais, os pesquisadores da Universidade de Ciências da Saúde do Novo México estão se preparando para iniciar testes clínicos em humanos.
Em resumo, os resultados desses experimentos mostram que a vacina pT181-Qß é promissora como uma estratégia para prevenir ou reduzir os danos causados por tauopatias. Ela se mostrou segura, eficaz em múltiplas espécies, capaz de induzir uma resposta imune potente e duradoura, e de reduzir significativamente a carga de tau patológica no cérebro.
Isso sugere um potencial real para o desenvolvimento de uma vacina terapêutica contra doenças como a Doença de Alzheimer, com vantagens importantes em relação às abordagens atuais baseadas em infusões de anticorpos.
LEIA MAIS:
Targeting of phosphorylated tau at threonine 181 by a Qβ virus-like particle vaccine is safe, highly immunogenic, and reduces disease severity in mice and rhesus macaques
Nicole M. Maphis, Jonathan Hulse, Julianne Peabody, Somayeh Dadras, Madelin J Whelpley, Manas Kandath, Colin Wilson, Sasha Hobson, Jeff Thompson, Suttinee Poolsup, Danielle Beckman, Sean P Ott, Jennifer W. Watanabe, Jodie L. Usachenko, Koen K Van Rompay, John Morrison, Reed Selwyn, Gary Rosenberg, Janice Knoefel, Bryce Chackerian and Kiran Bhaskar
Alzheimer’s & Dementia. Volume21, Issue3 March 2025 e70101
DOI: 10.1002/alz.70101
Abstract:
Pathological accumulation of tau (pTau) contributes to various tauopathies, including Alzheimer's disease (AD), and correlates with cognitive decline. A rapid surge in tau-targeted approaches via anti-sense oligonucleotides, active/passive immunotherapies suggests that targeting p-Tau is a viable strategy against tauopathies. We describe a multi-species validation of our previously described Qß virus-like particle (VLP)–based vaccine technology targeting phosphorylated tau on threonine 181 (pT181-Qß). Two vaccine doses of pT181-Qß, without any adjuvants, elicited robust antibody responses in two different mouse models of tauopathy (PS19 and hTau) and rhesus macaques. In mouse models, vaccination reduced AT180+ hyperphosphorylated, Sarkosyl insoluble, Gallyas silver positive tau, inflammasomes/neuroinflammation, and improved recognition memory and motor function without inducing adverse T-cell activation. Anti-pT181 antibodies are reactive to pTau in human AD brains, engage pT181+ tau in human brain lysates, and are central nervous system bioavailable. Our results suggest the translational utility of pT181-Qß against tauopathies.
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