Avanço da Ciência ou Epidemia Fabricada? Por Que Os Diagnósticos De TDAH Em Adultos Estão Crescendo
- Lidi Garcia
- 14 de jul.
- 5 min de leitura

O número de adultos diagnosticados com TDAH está crescendo no mundo todo. Isso acontece por vários motivos: maior conhecimento sobre o transtorno, mais pessoas se identificando com os sintomas nas redes sociais e mudanças nos critérios de diagnóstico, que antes eram feitos só em crianças. Hoje, muitos adultos se baseiam em relatos pessoais para buscar ajuda, mas especialistas alertam que o diagnóstico deve ser feito com cuidado por profissionais, pois muitos sintomas podem ser confundidos com outros problemas, como ansiedade ou estresse.
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), muitas vezes associado a crianças inquietas e distraídas, tem sido cada vez mais diagnosticado também em adultos. Pesquisas recentes mostram que o número de adultos recebendo esse diagnóstico está crescendo de forma significativa em todo o mundo.
Embora estimativas anteriores apontassem que cerca de 2,5% dos adultos poderiam ter TDAH, estudos mais recentes sugerem que esse número pode chegar a 6,75%, o que representa mais de 366 milhões de pessoas. Esse aumento chamou a atenção da comunidade científica, que agora busca entender melhor as causas por trás desse fenômeno.
Um dos principais motivos para o crescimento de diagnósticos em adultos é a maior conscientização sobre o TDAH. Profissionais da saúde estão mais atentos aos sinais da condição, e campanhas de informação têm ajudado a reduzir o estigma. Mas há também um fator novo e importante: o papel das redes sociais.

Plataformas como TikTok, Instagram e YouTube têm se tornado espaços onde usuários compartilham relatos pessoais, explicam sintomas e descrevem suas rotinas com TDAH. Isso tem levado muitas pessoas a se identificarem com os relatos e procurarem ajuda médica, acreditando que também possam ter o transtorno.
Originalmente, o TDAH foi descrito com foco em crianças. O diagnóstico começou a ser reconhecido na medicina no início do século XX e, em 1968, foi oficialmente incluído no manual de psiquiatria (DSM) como um distúrbio da infância.
Naquela época, os sintomas eram bastante específicos: inquietação física, dificuldade em ficar sentado, impulsividade e distração, geralmente observados por pais e professores. No entanto, com o tempo, os critérios para o diagnóstico foram se tornando mais amplos e adaptados para diferentes faixas etárias.

No caso dos adultos, o diagnóstico passou por uma grande mudança. Como os sinais comportamentais visíveis da infância muitas vezes não são mais aparentes na vida adulta, o diagnóstico passou a se basear em descrições subjetivas do próprio paciente, ou seja, no que a pessoa sente ou acredita sentir.
O diagnóstico de TDAH em adultos pode ser especialmente desafiador, pois seus sintomas, como desatenção, procrastinação, dificuldades de organização e fadiga mental, muitas vezes se sobrepõem a outras condições comuns da vida adulta, como estresse crônico, burnout, ansiedade, depressão ou privação de sono.
Em muitos casos, adultos com rotinas exaustivas, múltiplas demandas ou desequilíbrio emocional podem apresentar sintomas que se assemelham ao TDAH, sem de fato terem o transtorno. Além disso, fatores como uso excessivo de tecnologia, alimentação inadequada e falta de atividade física também podem impactar negativamente a atenção e o funcionamento executivo.

Por isso, uma avaliação clínica cuidadosa e multidimensional é essencial, evitando diagnósticos precipitados baseados apenas em queixas subjetivas.Isso criou o que os especialistas chamam de “subjetivização” dos critérios: o foco passou dos comportamentos observáveis para as experiências internas da pessoa.
Esse novo modelo traz alguns desafios. Primeiro, ele depende da memória da pessoa sobre como ela era na infância, algo que pode ser impreciso ou influenciado por outros fatores. Segundo, a avaliação frequentemente se baseia apenas em questionários de autorrelato, sem entrevistas com familiares ou profissionais, nem checagem de outros transtornos.

Além disso, em muitos estudos clínicos que pesquisam o TDAH, não há uma avaliação completa da saúde mental geral dos participantes, o que pode levar a erros de diagnóstico. Isso significa que há um risco real de que muitas pessoas estejam sendo diagnosticadas com TDAH sem que isso seja cuidadosamente verificado.
Pesquisas mostram que, nos estudos científicos mais importantes sobre o TDAH em adultos, os métodos de diagnóstico usados variam muito. Em uma revisão de 292 estudos, os pesquisadores descobriram que mais da metade dos trabalhos nem sequer envolveu um psiquiatra ou psicólogo na confirmação do diagnóstico.
Em muitos casos, os próprios pacientes preencheram formulários online ou foram avaliados por profissionais sem formação especializada. Além disso, muitos desses estudos incluíram pessoas com outros transtornos psiquiátricos que podem ter sintomas semelhantes aos do TDAH, como ansiedade ou depressão.
Essa falta de padrão e rigor nos diagnósticos levanta preocupações. Se os estudos científicos não tiverem certeza de que os participantes realmente têm TDAH, os resultados podem não se aplicar corretamente à prática médica.

Isso pode levar a tratamentos ineficazes ou até mesmo equivocados. Como muitos desses estudos influenciam as decisões clínicas, como quais medicamentos usar ou quais políticas de saúde implementar, garantir que o diagnóstico seja correto é fundamental.
Em resumo, o diagnóstico de TDAH em adultos envolve muitos desafios. Os critérios ainda são baseados em modelos criados para crianças, a lembrança dos sintomas na infância é incerta, os testes usados para adultos não foram bem validados, e muitas vezes não se contam com informações de outras pessoas próximas.
Para melhorar a qualidade do diagnóstico e garantir que os pacientes recebam o tratamento adequado, os especialistas recomendam que apenas profissionais qualificados, como psiquiatras ou psicólogos treinados, façam essa avaliação, utilizando entrevistas clínicas completas e diferenciando o TDAH de outros problemas mentais.
LEIA MAIS:
Diagnosing ADHD in adults in randomized controlled studies: a scoping review.
Igor Studart, Mads Gram Henriksen, and Julie Nordgaard
European Psychiatry. 2025; 68(1): e 64
doi:10.1192/j.eurpsy.2025.2447
Abstract:
The diagnosis of ADHD in adults is on the rise. Applying the ADHD diagnosis, which originally was described in children, to adults has involved a “subjectivization” of some of the diagnostic criteria, i.e., some behavioral features (signs) in children have become experiences (symptoms) in adults. These issues raise the question of how ADHD is best diagnosed in adults? Thus, we examined how ADHD is diagnosed in adults in research. A review of how ADHD is diagnosed in adults in randomized controlled studies (RCTs). We include 292 RCTs. We found substantial variation and no consensus about the diagnostic method. More than half of the studies did not seem to include an assessment of general psychopathology, and only in 35% of studies was the ADHD diagnosis allocated by psychiatrists or psychologist. More than half of the studies included patients with psychiatric comorbidity. These findings raise concerns about the validity of the ADHD diagnosis in many of the included RCTs. It is worrying that securing a reasonably accurate diagnosis is not prioritized in more than half of the studies. If neither clinicians nor researchers can rely on the basic fact the patients in scientific studies diagnostically resemble the patients they are facing, scientific studies risk losing their clinical relevance. Since RCTs can lead to changes in clinical practice, they must be conducted carefully. To advance research on adult ADHD, the quality of the diagnostic assessment must be prioritized, requiring comprehensive differential diagnosis by a skilled psychiatrist or psychologist.



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