Autismo Infantil: Diferenças Entre Meninos e Meninas Somem Nos Primeiros Sinais
- Lidi Garcia
- há 3 dias
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Estudos recentes mostram que, nos primeiros anos de vida, meninos e meninas com autismo apresentam poucas ou nenhuma diferença clínica significativa. Isso sugere que as diferenças percebidas mais tarde podem ser influenciadas por fatores externos, como experiências sociais. Detectar essas semelhanças precoces é essencial para melhorar o diagnóstico e o tratamento igualitário entre os sexos.
Entender se existem diferenças visíveis entre meninos e meninas com autismo é algo muito importante. Isso porque, se houver essas diferenças, os profissionais da saúde podem melhorar os métodos de diagnóstico precoce, descobrir mais sobre as causas do autismo e desenvolver tratamentos mais eficazes desde cedo.
Observar essas diferenças desde muito cedo, especialmente em estudos que acompanham as crianças ao longo do tempo, pode ajudar pais e médicos a entenderem melhor como o autismo se desenvolve de formas diferentes em cada sexo.
No entanto, os resultados dos estudos sobre essas diferenças têm sido contraditórios. Alguns estudos dizem que meninas com autismo têm habilidades sociais melhores, apresentam comportamentos autistas mais sutis, menos comportamentos repetitivos e habilidades de linguagem mais desenvolvidas do que os meninos.
Já outros estudos afirmam o oposto: que meninas têm mais dificuldades sociais e até mais deficiência intelectual do que os meninos com autismo. Há também pesquisas que indicam que não há diferenças relevantes entre os sexos em termos de cognição, atenção ou comportamentos ligados ao autismo.

Essa falta de consenso tem levado os cientistas a proporem diferentes teorias para explicar por que o autismo pode parecer diferente em meninos e meninas, como a ideia de que as meninas teriam alguma proteção biológica contra o autismo, ou que o autismo seria uma forma extrema de certas características mais comuns em cérebros masculinos.
Outro ponto preocupante é que, por causa dessa confusão, as meninas com autismo podem acabar sendo subdiagnosticadas, ou seja, não identificadas corretamente, e receber menos suporte adequado.
Parte desse problema pode estar menos relacionada à biologia do autismo e mais ligada à forma como os estudos são feitos, por exemplo, com amostras pequenas ou com métodos que não analisam os dados de forma aprofundada.
Já sabemos que o autismo começa a se desenvolver ainda durante a gestação, antes mesmo do nascimento. Por isso, é essencial estudar crianças o mais cedo possível, já que as experiências muito iniciais da vida podem influenciar fortemente o comportamento da criança.
Por exemplo, estudos mostram que crianças que cresceram em ambientes institucionais e depois foram para lares com maior estímulo cognitivo puderam ter um ganho de até 15 pontos de QI.

Outro estudo mostrou que crianças com autismo tiveram uma melhora significativa na linguagem se receberam intervenção antes dos 18 meses de idade. Isso indica que estudar bebês e crianças pequenas dá aos cientistas uma visão mais próxima do início do autismo, antes que a experiência de vida influencie tanto o comportamento.
Ainda assim, muitos estudos analisam apenas crianças mais velhas ou adultos, o que pode dificultar a separação entre o que é causado biologicamente pelo autismo e o que é resultado das experiências vividas.
Curiosamente, mais diferenças entre meninos e meninas costumam aparecer em estudos com crianças mais velhas, o que reforça a necessidade de investigar essas diferenças mais cedo, quando o quadro ainda está se formando.
Vários estudos anteriores têm limitações. A maioria analisou grupos muito pequenos de crianças, geralmente entre 28 e 96 participantes, o que dificulta tirar conclusões confiáveis. Poucos estudos focaram nas idades mais precoces, que seriam ideais para entender as origens do autismo.

Muitas pesquisas usaram métodos de seleção de participantes que não representam bem a população geral, por exemplo, estudando apenas crianças já encaminhadas por clínicas ou apenas irmãos de crianças com autismo.
Isso pode criar um viés, pois essas crianças podem ter sintomas mais graves ou perfis diferentes dos demais. Outro problema é que alguns estudos usaram apenas relatos dos pais em vez de avaliações feitas por especialistas com ferramentas específicas e confiáveis.
Além disso, muitos estudos não analisaram como os sintomas mudam com o tempo, nem compararam as crianças com autismo com outras que têm atrasos no desenvolvimento, o que dificultaria saber se as diferenças vistas são realmente específicas do autismo.
E quase nenhum estudo usou métodos modernos de agrupamento de dados para analisar diferentes perfis de crianças com autismo de maneira mais detalhada.

Para tentar superar essas limitações, os pesquisadores usaram um projeto chamado Get SET Early, que realiza triagens populacionais em todo o condado de San Diego, nos Estados Unidos. Com esse projeto, eles conseguiram estudar um grupo muito grande de 2.618 crianças pequenas, sendo 1.539 com autismo e 1.079 sem. Algumas dessas crianças com autismo tinham apenas 12 meses de idade.
O método permitiu que meninos e meninas com autismo fossem avaliados de maneira igual, sem favorecimento ou viés, além de permitir comparações com crianças com atraso no desenvolvimento ou desenvolvimento típico.
Os pesquisadores usaram dados clínicos detalhados, aprendizado de máquina (um tipo de inteligência artificial) e até mesmo testes de rastreamento ocular para entender como as crianças prestam atenção a estímulos sociais. Eles também acompanharam as crianças ao longo do tempo para ver como os sintomas evoluíam.
O que descobriram foi que praticamente não havia diferenças entre meninos e meninas com autismo em quase todas as medidas analisadas, incluindo gravidade dos sintomas, linguagem e atenção social. Já entre crianças com desenvolvimento típico, as meninas se saíam melhor em várias áreas, como linguagem e habilidades sociais.

Eles também dividiram as crianças com autismo em grupos com níveis diferentes de habilidades e, mesmo assim, não encontraram grandes diferenças entre os sexos. No geral, os resultados sugerem que, nos primeiros anos de vida, meninos e meninas com autismo apresentam perfis muito semelhantes.
Isso indica que as diferenças que aparecem mais tarde podem ser influenciadas por fatores externos, como experiências sociais, expectativas culturais ou até mesmo como os meninos e meninas são tratados ou observados por adultos.

Esta imagem mostra como meninos (azul) e meninas (rosa) com e sem autismo (ASD e TD, respectivamente) reagiram a estímulos sociais em testes científicos. No painel da esquerda (a), a imagem mostra para onde as crianças olham: crianças com autismo (ASD) tendem a fixar menos o olhar no rosto da menina, em comparação com crianças com desenvolvimento típico (TD). Os gráficos abaixo mostram que essa diferença de atenção social não varia muito entre meninos e meninas. No painel da direita (b), os gráficos comparam o desempenho em diferentes testes: afeto social, produção de palavras, linguagem receptiva e percepção visual. Em quase todos os testes, meninas e meninos com autismo apresentam desempenhos parecidos, enquanto no grupo com desenvolvimento típico as meninas têm uma leve vantagem. Isso reforça a conclusão de que, na primeira infância, as diferenças entre os sexos no autismo são mínimas ou inexistentes.
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Large-scale examination of early-age sex differences in neurotypical toddlers and those with autism spectrum disorder or other developmental conditions
Sanaz Nazari, Sara Ramos Cabo, Srinivasa Nalabolu, Cynthia Carter Barnes, Charlene Andreason, Javad Zahiri, Ahtziry Esquivel, Steven J. Arias, Andrea Grzybowski, Michael V. Lombardo, Linda Lopez, Eric Courchesne, and Karen Pierce
Nature Human Behaviour (2025)
Abstract:
Autism spectrum disorder (ASD) is clinically heterogeneous, with ongoing debates about phenotypic differences between boys and girls. Understanding these differences, particularly at the age of first symptom onset, is critical for advancing early detection, uncovering aetiological mechanisms and improving interventions. Leveraging the Get SET Early programme, we analysed a cohort of 2,618 toddlers (mean age: ~27 months) through cross-sectional, longitudinal and clustering analyses, performed using statistical and machine learning approaches, to assess sex differences in groups with ASD, developmental delay and typical development across standardized and experimental measures, including eye tracking. The results revealed no significant sex differences in toddlers with ASD across 17 of 18 measures, including symptom severity based on the Autism Diagnostic Observation Schedule, receptive and expressive language based on the Mullen Scales of Early Learning and social attention based on the GeoPref eye-tracking test. In contrast, girls with typical development outperformed boys on several measures. Subtyping analyses stratifying toddlers into low, medium and high clusters similarly showed virtually no sex differences in ASD. Overall, our findings suggest that phenotypic sex differences are minimal or non-existent in those with ASD at the time of first symptom onset.
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