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As Raízes Invisíveis Da Mente: Transtornos Mentais Que Começam Antes Do Nascimento

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 11 de ago.
  • 6 min de leitura
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Cientistas descobriram que muitos genes ligados a doenças como autismo, esquizofrenia e Alzheimer começam a agir ainda nas primeiras semanas de formação do cérebro do feto. Essas alterações precoces em células-tronco cerebrais podem afetar como o cérebro se desenvolve e aumentar o risco de transtornos mentais mais tarde na vida. A descoberta ajuda a entender melhor a origem dessas doenças e abre caminho para diagnósticos mais precoces e tratamentos mais personalizados.


Nosso cérebro começa a se formar ainda nas primeiras semanas de vida dentro do útero, a partir de células-tronco neurais, células especiais que vão dar origem a todos os tipos de neurônios e estruturas de suporte. 


Um novo e inovador estudo mostrou que muitos genes ligados a doenças como autismo, depressão, esquizofrenia, Alzheimer e Parkinson já estão ativos nessa fase muito inicial da formação cerebral, bem antes do nascimento e de qualquer sintoma aparecer. Isso quer dizer que a origem de muitos desses transtornos pode estar ligada a alterações genéticas que afetam o desenvolvimento ainda no feto.

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Essas células-tronco neurais são guiadas por sinais químicos e genéticos específicos que dizem a elas o que se tornar, em que parte do cérebro ficar e em que momento agir. Se essas instruções forem interrompidas, por mutações genéticas herdadas ou adquiridas, ou por influências do ambiente, o cérebro pode se desenvolver de forma diferente do esperado. 


Isso pode resultar em malformações no córtex cerebral (a região mais externa e complexa do cérebro) e aumentar o risco de transtornos do neurodesenvolvimento e doenças mentais mais tarde na vida.


Para entender melhor como tudo isso funciona, os pesquisadores usaram dados de cérebros humanos e de camundongos, além de modelos de laboratório feitos com células-tronco humanas cultivadas em placas. 


Os cientistas reuniram listas de genes ligados a várias doenças cerebrais, como microcefalia, epilepsia, hidrocefalia, autismo, esquizofrenia, TDAH, depressão, Alzheimer e Parkinson, entre outras.


Eles analisaram quase 3.000 genes que já tinham sido relacionados a diversas doenças cerebrais e simularam como a ativação ou inibição desses genes afetava o comportamento das células cerebrais em diferentes fases do desenvolvimento. Isso permitiu mapear “janelas críticas”, períodos de tempo nos quais certas células são mais vulneráveis às alterações genéticas. 

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Essas doenças geralmente envolvem problemas no desenvolvimento do córtex cerebral, a parte do cérebro responsável por funções como pensamento, memória e comportamento. 


Para entender quando e onde esses genes atuam no cérebro em formação, os pesquisadores analisaram sua atividade em células cerebrais humanas ainda muito jovens, no primeiro trimestre da gestação, e em modelos de laboratório que imitam esse desenvolvimento. 


Eles descobriram que os genes de risco se ativam em momentos específicos e em tipos distintos de células-tronco neurais. Por exemplo, genes ligados à microcefalia e hidrocefalia atuam nas fases iniciais da formação do cérebro, quando as células ainda estão se multiplicando e definindo suas funções. 


Já genes relacionados ao autismo e à epilepsia parecem atuar em fases um pouco mais tardias, quando as células começam a virar neurônios. O estudo também mostrou que algumas doenças compartilham genes de risco com outras, indicando que diferentes distúrbios podem surgir de problemas semelhantes ocorridos em momentos diferentes do desenvolvimento cerebral. 


Além disso, ao comparar dados de humanos com dados de camundongos, os cientistas observaram padrões semelhantes de ativação desses genes, o que reforça os resultados. Por fim, eles analisaram dois genes muito ligados ao autismo, o FMRP e o CHD8, e perceberam que, embora eles estejam  fortemente ligados ao autismo, também se envolvem com outras doenças dependendo da fase do cérebro em que atuam. 

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Em resumo, os pesquisadores identificaram "janelas críticas" no desenvolvimento do cérebro em que certas mutações genéticas podem ter impactos mais severos, sugerindo que muitas doenças cerebrais podem começar ainda na vida fetal, muito antes de qualquer sintoma aparecer.


O estudo também identificou padrões de atividade genética que são compartilhados por várias doenças diferentes. Por exemplo, genes que afetam a formação inicial de determinadas áreas do cérebro podem estar ligados tanto ao autismo quanto à esquizofrenia, mesmo que essas doenças tenham sintomas bem distintos. 


Além disso, o time de cientistas simulou o impacto de desregular esses genes reguladores (chamados de fatores de transcrição) e observou como isso altera o destino das células, se elas se tornam neurônios ou glia, e se ocupam o lugar certo no cérebro.


Um ponto especialmente interessante foi o uso de células-tronco derivadas de pacientes autistas. Nessas células, os pesquisadores observaram alterações nos genes responsáveis por coordenar o plano geral de formação cerebral, ou seja, o “mapa” de onde cada tipo de célula deve estar. 


Isso reforça a ideia de que o autismo, assim como outras doenças neurológicas, pode ter suas raízes plantadas muito antes dos primeiros sintomas aparecerem, durante a construção inicial do cérebro. 

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A figura mostra como certos genes são controlados (regulados) por outras proteínas chamadas fatores de transcrição (TFs) durante o desenvolvimento ou mudança de um tipo específico de célula (hNSCs, que são células-tronco neurais humanas). Eles analisam isso em diferentes condições e momentos, para entender melhor doenças. a) Proporção de genes-alvo para cada regulon da doença. O que é um “regulon"? É um grupo de genes que são regulados (ligados ou desligados) por um mesmo fator de transcrição (TF). Eles mostram, para cada fator de transcrição central, quantos genes ele controla em células-tronco neurais (hNSCs) em várias fases e sob certas condições (com ou sem o fator FGF2). Cada TF é destacado por quando seu nível de atividade (expressão) é maior, e esse destaque tem um valor estatístico que indica se essa observação é confiável. Eles também mostram o número total de genes que pertencem a esses grupos regulatórios. b) Correlação da expressão entre TFs centrais e seus genes-alvo Eles verificam se a atividade do TF e a dos genes que ele controla sobem e descem juntas (correlação positiva) ou de forma oposta (correlação negativa). Apresentam quantos genes têm essa relação significativa, tanto positiva quanto negativa, para cada doença analisada. Se um número de genes com essa correlação for muito alto, eles destacam isso como estatisticamente importante (com símbolos como ou *). Também usam cores para mostrar em que momento do desenvolvimento a expressão do TF foi mais alta. c) Rede regulatória prevista. Mostram um esquema em forma de rede, onde cada “nó” é um gene, e as ligações mostram que um TF controla outro TF ou gene. Os genes são coloridos conforme a doença à qual eles estão relacionados. Se um TF aparece em mais de um grupo, o traço mais grosso indica a doença em que ele é mais importante. O tamanho do nó indica quantas conexões esse gene tem com outros genes. O fundo das cores indica quando (em que fase) aquele TF está mais ativo, igual à parte (a).


Além disso, simulações computacionais revelaram como diferentes alterações nesses genes, dependendo do momento e da célula atingida, podem levar a sintomas diversos ou até a diferentes doenças. Os cientistas também identificaram genes reguladores (como os da família KLF) que funcionam como verdadeiros "mestres controladores" do desenvolvimento cerebral.


Ao integrar grandes bases de dados e usar ferramentas computacionais avançadas, o estudo propõe uma nova forma de entender a origem de doenças mentais e neurológicas desde a vida fetal e aponta caminhos para tratamentos mais personalizados no futuro. 


Essas descobertas têm um grande potencial para o futuro. Saber exatamente quando e onde os genes ligados a doenças atuam pode permitir o desenvolvimento de terapias mais precisas, que atuem diretamente nas causas biológicas dessas condições. Com isso, abre-se caminho para diagnósticos mais precoces, tratamentos personalizados e até abordagens de prevenção.


O estudo é um avanço importante para entender como o cérebro se forma e como erros sutis nesse processo podem gerar impactos profundos na saúde mental e neurológica ao longo da vida.



LEIA MAIS:


Early developmental origins of cortical disorders modeled in human neural stem cells

Xoel Mato-Blanco, Suel-Kee Kim, Alexandre Jourdon, Shaojie Ma, Sang-Hun Choi, Alice M. Giani, Miguel I. Paredes, Andrew T. N. Tebbenkamp, Fuchen Liu, Alvaro Duque, Flora M. Vaccarino, Nenad Sestan, Carlo Colantuoni, Pasko Rakic, Gabriel Santpere, and Nicola Micali 

Nature Communications, volume 16, Article number: 6347 (2025) 


Abstract: 


The implications of the early phases of human telencephalic development, involving neural stem cells (NSCs), in the etiology of cortical disorders remain elusive. Here, we explore the expression dynamics of cortical and neuropsychiatric disorder-associated genes in datasets generated from human NSCs across telencephalic fate transitions in vitro and in vivo. We identify risk genes expressed in brain organizers and sequential gene regulatory networks throughout corticogenesis, revealing disease-specific critical phases when NSCs may be more vulnerable to gene dysfunction and converging signaling across multiple diseases. Further, we simulate the impact of risk transcription factor (TF) depletions on neural cell trajectories traversing human corticogenesis and observe a spatiotemporal-dependent effect for each perturbation. Finally, single-cell transcriptomics of autism-affected patient-derived NSCs in vitro reveals recurrent expression alteration of TFs orchestrating brain patterning and NSC lineage commitment. This work opens perspectives to explore human brain dysfunction at early phases of development.

 
 
 

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