
Pela primeira vez, cientistas trataram um bebê com atrofia muscular espinhal (AME) ainda no útero. A mãe tomou um remédio chamado risdiplam nas últimas semanas da gravidez, e o tratamento continuou após o nascimento. Essa doença genética causa fraqueza muscular grave e pode ser fatal sem cuidados. Agora, com mais de dois anos, a criança não apresenta sinais da doença. Esse estudo pode ajudar a desenvolver novos tratamentos antes do nascimento, trazendo esperança para outras famílias.
A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença neurodegenerativa progressiva que começa antes mesmo do nascimento. Ela é causada por uma deficiência da proteína do neurônio motor de sobrevivência (SMN), essencial para a função muscular.
A forma mais grave, chamada atrofia muscular espinhal tipo 1, afeta bebês desde os primeiros meses de vida, levando à perda progressiva dos movimentos e, se não tratada, pode ser fatal.
Pesquisadores do St. Jude Children's Research Hospital realizaram um feito inédito: tratar um feto diagnosticado com atrofia muscular espinhal tipo 1 ainda no útero, usando um medicamento chamado risdiplam, aprovado para tratar a doença em crianças e adultos.

Risdiplam (Evrysdi®) é um medicamento aprovado para o tratamento da atrofia muscular espinhal atrofia muscular espinhal. Ele funciona como um modulador do splicing do pré-mRNA do gene SMN2, aumentando a produção da proteína SMN (survival motor neuron), essencial para a sobrevivência e funcionamento dos neurônios motores.
Ao contrário de outras terapias para atrofia muscular espinhal, como nusinersena (Spinraza®), que requer injeções na medula espinhal, ou onasemnogene abeparvovec (Zolgensma®), administrado como uma terapia gênica única, risdiplam é um medicamento oral, facilitando o tratamento contínuo.
Ele foi desenvolvido para atuar tanto no sistema nervoso central quanto nos tecidos periféricos, melhorando a função motora e a sobrevida dos pacientes. Estudos demonstraram que o uso precoce de risdiplam pode atrasar ou até impedir o avanço da atrofia muscular espinhal, especialmente quando iniciado antes do aparecimento dos sintomas.
Recentemente, um caso inovador mostrou que o medicamento pode atravessar a placenta quando administrado a uma gestante, levantando a possibilidade de tratamento pré-natal para bebês com alto risco de desenvolver atrofia muscular espinhal.

Esse estudo pioneiro demonstrou que a intervenção antes do nascimento é viável e segura, abrindo caminho para futuras pesquisas na área.
O caso envolveu um casal que sabia ser portador da mutação que causa atrofia muscular espinhal, pois já haviam perdido um filho para a doença antes que os tratamentos atuais estivessem disponíveis.
Durante a nova gravidez, exames genéticos confirmaram que o feto também tinha atrofia muscular espinhal tipo 1, com ausência do gene SMN1 e duas cópias do gene SMN2. Como a proteína SMN é mais necessária no terceiro trimestre da gestação e nos primeiros meses de vida, os cientistas decidiram testar o tratamento antes do nascimento.
A partir da 32ª semana de gravidez, a mãe começou a tomar risdiplam diariamente, por via oral, até o parto, que ocorreu na 38ª semana. Testes comprovaram que o medicamento atravessou a placenta e chegou ao líquido amniótico e ao sangue do cordão umbilical, atingindo o feto.
O tratamento foi continuado após o nascimento, com administração oral do risdiplam a partir do oitavo dia de vida.
Hoje, com mais de dois anos e meio, a criança continua sendo acompanhada pelos médicos e não apresenta sinais de atrofia muscular espinhal. Nenhuma fraqueza muscular ou reflexos comprometidos foram detectados, e exames de função motora, ultrassonografia muscular e testes eletrofisiológicos mostram que seu desenvolvimento neuromuscular é normal para sua idade.

A terapia pré-natal para atrofia muscular espinhal (AME) com risdiplam se mostra promissora em um estudo pioneiro publicado no The New England Journal of Medicine, liderado por Richard Finkel, MD, diretor do St. Jude Center for Experimental Neurotherapeutics e membro do Departamento de Medicina Pediátrica, na foto.
Apesar do sucesso, algumas anomalias congênitas foram identificadas após o nascimento, incluindo um pequeno defeito no coração (que se resolveu naturalmente), hipoplasia dos nervos ópticos e assimetria do tronco cerebral, causando atrasos na visão e no desenvolvimento geral.
No entanto, essas alterações foram consideradas como tendo ocorrido antes do início do tratamento com risdiplam.
Os resultados desse estudo são animadores e sugerem que tratar atrofia muscular espinhal ainda na gravidez pode evitar os sintomas da doença e melhorar os resultados dos pacientes. No entanto, este é apenas um caso, e mais pesquisas serão necessárias para confirmar a eficácia e segurança do tratamento pré-natal em um grupo maior de pacientes.
Se comprovado em estudos futuros, o tratamento intrauterino pode revolucionar o cuidado com a atrofia muscular espinhal e possivelmente outras doenças genéticas, dando aos bebês afetados uma chance real de um desenvolvimento saudável desde o nascimento.
LEIA MAIS:
Risdiplam for Prenatal Therapy of Spinal Muscular Atrophy
Richard S Finkel, Samuel H Hughes, JulieAnn Parker, Matthew Civitello, Alfonso Lavado, Heather C Mefford, Lutz Mueller, Heidemarie Kletzl, and Prenatal SMA Risdiplam Study Group
N Engl J Med. 2025 Feb 19. PMID: 39970420
DOI: 10.1056/NEJMc2300802
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