Seu Cérebro Também Engorda: O Papel Surpreendente Dos Astrócitos Na Obesidade
- Lidi Garcia
- 9 de jul.
- 4 min de leitura

Estudos com camundongos mostram que uma dieta rica em gordura e açúcar pode afetar o cérebro, tornando a alimentação mais impulsiva e dificultando a aprendizagem. Isso acontece por causa de mudanças em células chamadas astrócitos, que ajudam a regular o comportamento e o metabolismo. Os pesquisadores descobriram que, ao ativar essas células, é possível melhorar a memória e o controle do açúcar no corpo, sugerindo um novo caminho para tratar os efeitos da obesidade no cérebro.
A obesidade é um problema de saúde pública muito sério e crescente no mundo. Ela aumenta o risco de várias doenças, como problemas no coração, pressão alta, diabetes tipo 2, gordura no fígado e até alguns tipos de câncer.
Embora a genética e o estilo de vida (como sedentarismo e alimentação) influenciem bastante, o quanto cada fator pesa pode variar muito de pessoa para pessoa. Um dos maiores vilões apontados hoje é o consumo excessivo de alimentos ricos em gordura e açúcar, muito comuns nas dietas modernas.
O nosso cérebro tem regiões que ajudam a controlar a fome e a saciedade, ou seja, quando comemos e quando paramos de comer. Mas além dessas áreas, existe outra motivação poderosa para comer: o prazer que a comida proporciona. Esse prazer está ligado à liberação de dopamina, uma substância química relacionada à sensação de recompensa, que também está envolvida em comportamentos viciantes.
Quando comemos algo muito gostoso, essa dopamina é liberada, ativando o chamado “sistema de recompensa”. O problema é que, com o tempo e com o consumo frequente de alimentos muito calóricos e saborosos, esse sistema pode ficar desregulado.

Estudos com animais mostraram que, ao comerem esse tipo de comida de forma constante, os comportamentos alimentares deixam de ser racionais e passam a ser mais impulsivos e até compulsivos. Além disso, essa alimentação prejudica a flexibilidade cognitiva, que é a capacidade de se adaptar a mudanças e de pensar de forma criativa ou estratégica.
Essa alteração está associada a uma parte do cérebro chamada corpo estriado, importante no controle do comportamento e das emoções. Também se observou que há uma diminuição de receptores de dopamina do tipo 2 (D2) nessa região, o que está relacionado ao aumento da impulsividade.

Corte transversal do cérebro de um camundongo mostrando astrócitos (em verde) no estriado. Dieta rica e obesidade alteram o formato dos astrócitos, fazendo com que se tornem reativos, um sinal de inflamação cerebral. © Montalban et al / Nature Communication
Outra descoberta importante é o envolvimento dos astrócitos, células cerebrais que dão suporte aos neurônios e participam da regulação de várias funções, nesse processo. Em situações de obesidade, os astrócitos do cérebro, especialmente em áreas como o estriado e o núcleo accumbens (NAc), apresentam sinais de inflamação e alterações funcionais.
Essas mudanças ocorrem mesmo antes do ganho de peso, indicando que o simples consumo de alimentos ultracalóricos já começa a afetar o cérebro negativamente.
Neste estudo específico com camundongos, os pesquisadores analisaram como a exposição prolongada a uma dieta rica em gordura e açúcar (mas com a mesma quantidade de calorias que uma dieta comum) altera o funcionamento dos astrócitos no cérebro.

Essa figura mostra que camundongos alimentados com uma dieta rica em gordura e açúcar (HFHS) por 90 dias ganharam muito mais gordura corporal do que os camundongos com dieta normal. Imagens do cérebro (em vermelho) mostram que, nesses camundongos obesos, há um aumento de uma proteína chamada GFAP, que indica ativação de astrócitos, células do cérebro ligadas ao suporte e à inflamação, em duas regiões específicas: o estriado dorsal (DS) e o núcleo accumbens (NAc), áreas importantes para controle de comportamento e recompensa. A ativação dos astrócitos aumentou conforme crescia a quantidade de gordura corporal. No estriado dorsal, essa ativação veio acompanhada de mudanças na forma das células e na área que ocupam, o que sugere um impacto funcional. Já no núcleo accumbens, embora a proteína GFAP também tenha aumentado, não houve mudança no formato ou área dos astrócitos. Em resumo, a obesidade induzida pela dieta altera a atividade dos astrócitos em regiões específicas do cérebro ligadas à motivação e ao comportamento alimentar.
Eles descobriram que essas mudanças afetam a forma como os neurônios se comunicam entre si e prejudicam a aprendizagem, especialmente a capacidade de se adaptar a novas situações (aprendizagem reversa).
Para testar se seria possível reverter esses efeitos, os cientistas ativaram artificialmente (por uma técnica chamada quimiogenética) os astrócitos em uma área do cérebro chamada estriado dorsal. O resultado foi animador: os camundongos melhoraram seu desempenho em testes cognitivos e mostraram uma melhora nas funções metabólicas, como o controle da glicose no corpo.
Isso mostra que essas células têm um papel muito mais importante do que se pensava, elas não só influenciam o comportamento alimentar, como também ajudam a regular o metabolismo do corpo.

Por fim, o estudo sugere que os astrócitos, além de serem afetados por dietas não saudáveis, também podem ser uma chave para tratar problemas relacionados à obesidade, como dificuldades cognitivas e alterações no metabolismo.
Esse é um campo de pesquisa promissor que pode abrir portas para novos tratamentos no futuro, não apenas com foco em perder peso, mas também em recuperar o equilíbrio do cérebro e do corpo.
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Striatal astrocytes modulate behavioral flexibility and whole-body metabolism in mice
Enrica Montalban, Anthony Ansoult, Daniela Herrera Moro Chao, Cuong Pham, Clara Franco, Andrea Contini, Julien Castel, Rim Hassouna, Marene H. Hardonk, Anna Petitbon, Ewout Foppen, Giuseppe Gangarossa, Pierre Trifilieff, Dongdong Li, Serge Luquet, and Claire Martin
Nature Communications. Volume 16, Article number: 5417 (2025)
Abstract:
Brain circuits in reward-associated behaviors are potent drivers of feeding behavior but also recently emerged as regulator of metabolism. Short or chronic exposures to caloric food alter brain structures and are associated with increased astrocytes reactivity and pro-inflammatory responses in both mice and humans. However, the role of striatal astrocytes in regulating adaptive and maladaptive behavioral and metabolic responses to energy-dense food remains elusive. In this study we reveal that chemogenetic manipulation of the astrocytes in striatal structures can exert a direct effect on peripheral metabolism in male mice, and that manipulation of astrocytes in the dorsal striatum can alter peripheral metabolism and is sufficient to restore cognitive deficit induced by chronic high fat high sucrose (HFHS) diet exposure in obese mice. Altogether, this work reveals a yet unappreciated role for striatal astrocytes as a direct operator of flexible behavior and metabolic control.
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