O Legado Invisível Do Fast Food: Idosos e o Vício Em Alimentos Ultraprocessados
- Lidi Garcia
- 9 de out.
- 6 min de leitura

Os alimentos ultraprocessados, como salgadinhos, biscoitos, refrigerantes e comidas prontas, foram projetados para serem quase impossíveis de resistir. Um novo estudo mostra que muitos idosos americanos podem ter desenvolvido uma verdadeira dependência desses produtos, especialmente as mulheres que cresceram nas décadas de 1970 e 1980, quando a indústria do tabaco começou a aplicar suas técnicas de vício na comida. Essa “geração fast food” tem hoje mais problemas de saúde física, mental e até social, mostrando que o impacto desses alimentos vai muito além do prato.
Nas últimas décadas, o ambiente alimentar nos Estados Unidos passou por uma grande transformação. Hoje, a maior parte da dieta da população é composta por alimentos ultraprocessados, produtos industrializados feitos em larga escala, com grandes quantidades de açúcares, gorduras e aditivos artificiais.
Esses alimentos são projetados para ter sabores, cheiros e texturas altamente agradáveis, o que estimula o cérebro a querer comê-los repetidamente. Estima-se que cerca de 60% das calorias consumidas por adultos americanos venham desses produtos.
Essa mudança começou principalmente nas décadas de 1970 e 1980, quando grandes empresas de tabaco passaram a investir na indústria alimentícia. Elas aplicaram o mesmo tipo de estratégia usada para tornar os cigarros viciantes: criaram alimentos hiperpalatáveis, com combinações precisas de gordura, açúcar e sal, e usaram técnicas agressivas de marketing.
Embora essas empresas tenham vendido suas divisões de alimentos anos depois, o modelo que desenvolveram permanece até hoje e ainda influencia profundamente o que as pessoas comem.

Os cientistas acreditam que pessoas que eram crianças, adolescentes ou jovens adultos nesse período de transformação, ou seja, os idosos de hoje, foram particularmente impactadas. Essa exposição precoce pode ter moldado preferências alimentares e comportamentos duradouros, tornando mais difícil resistir a esses produtos ao longo da vida.
Esses alimentos ultraprocessados são tão recompensadores para o cérebro que podem causar uma resposta semelhante à do vício. Isso significa que algumas pessoas perdem o controle sobre o quanto comem, sentem um desejo intenso por esses produtos e continuam consumindo-os mesmo quando sabem que estão prejudicando sua saúde.
Para estudar esse fenômeno, pesquisadores usam a Escala de Dependência Alimentar de Yale, que adapta os mesmos critérios usados para diagnosticar vícios em substâncias como álcool ou nicotina.

Um levantamento mundial com mais de 200 estudos já estimou que cerca de 14% dos adultos apresentam sinais de dependência de alimentos ultraprocessados, uma taxa parecida com a do consumo problemático de álcool ou tabaco. Esse tipo de comportamento alimentar está relacionado a dietas mais pobres, maior peso corporal, diabetes, colesterol elevado e até problemas emocionais, como ansiedade, depressão e isolamento social.
Para entender melhor essa relação em idosos, pesquisadores da Universidade de Michigan realizaram um estudo com 2.038 pessoas entre 50 e 80 anos de idade. Essa amostra foi escolhida para representar a população americana de forma equilibrada em termos de idade, gênero, raça, escolaridade e renda.
O estudo foi feito em julho de 2022 por meio de entrevistas online e por telefone, como parte da Pesquisa Nacional sobre Envelhecimento Saudável. Os participantes responderam perguntas sobre seus hábitos alimentares, saúde física e mental, e sobre o quanto se sentiam socialmente conectados ou isolados.

Para avaliar sinais de dependência de alimentos ultraprocessados, foi usada uma versão modificada da Escala de Dependência Alimentar de Yale 2.0. Essa escala investiga comportamentos típicos de vício, como comer em excesso mesmo sem fome, sentir culpa após comer, ou ter dificuldade de reduzir o consumo de certos alimentos (como doces, salgadinhos e refrigerantes).
Os pesquisadores também analisaram como essa dependência se relacionava com três grandes aspectos da vida dos idosos:
- Saúde física, incluindo peso corporal e doenças associadas;
- Saúde mental, como sintomas de ansiedade e depressão;
- Bem-estar social, medido principalmente pelo nível de isolamento ou solidão relatado.
As análises foram divididas entre homens e mulheres, e também entre dois grupos etários: de 50 a 64 anos e de 65 a 80 anos, para identificar diferenças entre gerações.
Os resultados mostraram que 12,4% dos idosos apresentavam sinais de dependência de alimentos ultraprocessados. A taxa foi bem mais alta entre mulheres (16,9%) do que entre homens (7,5%), com destaque para mulheres de 50 a 64 anos, faixa etária em que o índice chegou a 21%.
Pessoas com sobrepeso ou obesidade foram as mais propensas a apresentar sinais de dependência alimentar. Entre os homens, o risco era cerca de 19 vezes maior em comparação com aqueles com peso saudável. Entre as mulheres, a probabilidade era 11 vezes maior.
Além disso, os idosos que relataram pior saúde física ou mental também tiveram maior chance de apresentar o problema. Mulheres com saúde mental fragilizada foram quase três vezes mais propensas a mostrar sinais de dependência, e entre os homens esse número foi ainda maior, quatro vezes mais.

Outro achado importante foi a ligação entre dependência alimentar e isolamento social. Tanto homens quanto mulheres que se sentiam sozinhos ou desconectados das outras pessoas tinham cerca de três vezes mais chance de desenvolver esse tipo de comportamento alimentar compulsivo.
Os pesquisadores concluíram que o vício em alimentos ultraprocessados é comum entre os idosos nos Estados Unidos, especialmente entre as mulheres que cresceram nas décadas de 1970 e 1980, período em que esses produtos começaram a dominar o mercado.
Esses resultados sugerem que o consumo repetido desses alimentos ao longo da vida pode estar profundamente ligado a problemas de saúde física, mental e social. O estudo também reforça a necessidade de políticas de saúde pública que promovam uma alimentação mais natural e menos industrializada, além de programas de apoio emocional e social para idosos.
Em resumo, a pesquisa revela que o legado das estratégias das grandes corporações alimentares e de tabaco ainda se faz sentir hoje, não apenas nos hábitos alimentares, mas também na saúde e na qualidade de vida de toda uma geração.
LEIA MAIS:
Ultra-processed food addiction in a nationally representative sample of older adults in the USA
Lucy K. Loch, Matthias Kirch, Dianne C. Singer, Erica Solway, J. Scott Roberts, Jeffrey T. Kullgren, and Ashley N. Gearhardt
Addiction. 29 September 2025
Abstract:
Ultra-processed foods (UPFs; industrially produced foods typically containing unnaturally elevated levels of refined carbohydrates and/or added fats) became more widely introduced into the United States (US) food environment in the 1980s and have proliferated since. UPFs have been shown to trigger an addictive-like response. This study examines the prevalence of ultra-processed food addiction (UPFA) in older US adults and its association with various health domains. In July 2022, a cross-sectional online and telephone survey was conducted using the University of Michigan National Poll on Healthy Aging (NPHA). Gender-stratified analyses examined the association between UPFA and perceptions of physical and mental health, and social isolation. Prevalence ratios were calculated, unadjusted and adjusted for age, race/ethnicity, education, and income. Nationally representative sample of older adults (aged 50–80 years) in the United States. The sample included 2038 older adults (49.4% aged 50–64 years and 50.6% aged 65–80 years, 51.2% women, M age = 63.6, standard deviation = 8.1). The modified Yale Food Addiction Scale 2.0 (validated measure that applies the diagnostic criteria for substance use disorder to the overconsumption of UPFs) was used to assess diagnostic criteria for UPFA. Various self-reported items were used to assess health-related domains (i.e., physical and mental health, social isolation). The overall prevalence of UPFA was 12.4%, higher among women (16.9%) than men (7.5%), with the highest rate in women aged 50–64 (21%). Men reporting being overweight were 19.14 (95% confidence interval [CI] [5.26–69.66]) times more likely to meet the criteria for UPFA. Women reporting being overweight were 11.44 (95% CI [4.56–28.71]) times more likely to meet UFPA criteria. Women and men reporting worse physical health were 1.93 (95% CI [1.26–2.98]) times and 2.99 (95% CI [1.70–5.26]) times more likely to meet the criteria for UPFA, respectively. Similarly, women reporting worse mental health were 2.78 (95% CI [1.79–4.32]) times more likely to meet the criteria for UPFA, with men 4.02 (95% CI [2.19–7.38]) times more likely. Lastly, women and men reporting feelings of social isolation were 3.40 (95% CI [2.16–5.34]) times and 3.35 (95% CI [1.83–6.14]) times more likely to meet UFPA criteria. Ultra-processed food addiction appears to be prevalent among older adults in the United States, particularly among women who were in adolescence and early adulthood when the nutrient quality of the US food supply worsened. Addictive patterns of UPF intake appear to be associated with poorer physical health, mental health, and social well-being.



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