top of page

Sensibilidade ao Glúten: Um Distúrbio da Comunicação Intestino-Cérebro, Não do Glúten

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 12 de nov.
  • 4 min de leitura
ree

Pesquisas recentes mostram que a chamada sensibilidade ao glúten muitas vezes não é causada pelo glúten, mas por uma complexa interação entre o intestino e o cérebro. Fatores como carboidratos fermentáveis (FODMAPs), ansiedade e expectativa podem desencadear sintomas reais, levando milhões de pessoas a evitarem o glúten sem necessidade. A condição, agora vista como parte dos distúrbios da comunicação intestino-cérebro, exige uma abordagem personalizada que una nutrição e saúde mental.


A chamada sensibilidade ao glúten não celíaca é uma condição na qual pessoas relatam sintomas como dor abdominal, inchaço, fadiga e desconforto depois de comer alimentos que contêm trigo, centeio ou cevada, mesmo sem apresentarem doença celíaca ou alergia ao trigo.


Estima-se que até 10% da população mundial diga sofrer dessa sensibilidade. No entanto, estudos recentes mostram que, na maioria dos casos, o glúten pode não ser o verdadeiro vilão.


Pesquisas recentes, revisadas por cientistas da Universidade de Melbourne e publicadas na revista The Lancet, indicam que, para grande parte das pessoas, os sintomas atribuídos ao glúten são provocados por outros fatores, principalmente carboidratos fermentáveis, conhecidos como FODMAPs, ou por mecanismos psicológicos e neurológicos que envolvem a comunicação entre o intestino e o cérebro.


Esses carboidratos são encontrados naturalmente em diversos alimentos, incluindo trigo, cebola, leguminosas e frutas, e podem causar gases e desconforto em pessoas sensíveis.


A descoberta mais marcante é que a chamada “sensibilidade ao glúten” pode estar ligada à forma como o cérebro interpreta os sinais do intestino. Quando uma pessoa acredita que determinado alimento vai causar mal-estar, o cérebro pode amplificar as sensações intestinais, um fenômeno conhecido como efeito nocebo, o oposto do efeito placebo. 


ree

Essa conexão é tão forte que muitos pacientes que dizem reagir ao glúten apresentam respostas semelhantes quando consomem trigo, placebo ou outros alimentos sem glúten, especialmente em pessoas com síndrome do intestino irritável.


Em outras palavras, a sensibilidade ao glúten não celíaca pode fazer parte de um espectro mais amplo de distúrbios da interação intestino-cérebro, e não de uma reação específica ao glúten. Isso representa uma mudança importante na forma como a medicina entende e trata essa condição.


Atualmente, não existem exames laboratoriais ou biomarcadores que confirmem a presença da sensibilidade ao glúten não celíaca. O diagnóstico é feito por exclusão, ou seja, somente após descartar doença celíaca, alergia alimentar e outras condições gastrointestinais.


Os estudos também enfrentam dificuldades metodológicas, em muitos testes, o alimento usado para “provocar” os sintomas contém não apenas glúten, mas também FODMAPs, o que dificulta saber qual componente realmente desencadeia o mal-estar. 


ree

O tratamento ideal deve equilibrar a adaptação da dieta com o apoio psicológico e o cuidado com a nutrição equilibrada. Evitar completamente o glúten pode ser desnecessário, e, em alguns casos, até prejudicial, já que produtos sem glúten costumam ser mais caros, menos nutritivos e influenciados por modas e campanhas de marketing.


De acordo com os pesquisadores, o melhor caminho é uma abordagem personalizada, feita por médicos e nutricionistas que considerem tanto os fatores biológicos quanto os emocionais.


A professora associada Jessica Biesiekierski, uma das principais pesquisadoras da área, defende que é hora de mudar a narrativa popular sobre o glúten. “Precisamos abandonar a ideia de que o glúten é inerentemente prejudicial. Muitas pessoas estão evitando o glúten sem necessidade, quando o problema pode estar em outros componentes dos alimentos ou na maneira como o corpo reage a eles”, explica. 


ree

Já o gastroenterologista Jason Tye-Din reforça que distinguir corretamente a sensibilidade ao glúten não celíaca de outras doenças intestinais é essencial para garantir diagnósticos precisos e tratamentos mais eficazes.


A sensibilidade ao glúten não celíaca é uma condição real, mas complexa. A ciência mostra que o desconforto de quem sofre com ela não deve ser ignorado, porém, o glúten talvez não seja o verdadeiro culpado.


A interação entre o intestino, o cérebro e fatores emocionais parece desempenhar um papel muito mais importante do que se imaginava. Entender esse equilíbrio é o primeiro passo para tratamentos mais humanos, baseados na ciência e não no medo dos alimentos.



LEIA MAIS:


Non-coeliac gluten sensitivity

JessicaR Biesiekierski, Daisy Jonkers, Carolina Ciacci, and Imran Aziz

The Lancet, October 22, 2025

DOI: 10.1016/S0140-6736(25)01533-8


Abstract:


Non-coeliac gluten sensitivity (NCGS) refers to individuals who report intestinal and extraintestinal symptoms related to the ingestion of gluten-based or wheat-based foods, in the absence of coeliac disease or wheat allergy. Gluten is found in multiple cereals, including wheat, rye, and barley, although the precise trigger of symptoms in NCGS remains unclear. Although approximately 10% of adults worldwide self-report gluten or wheat sensitivity, meta-analyses suggest that, during controlled challenge studies, 16–30% of these individuals have symptoms specifically triggered by gluten. However, methodological variability, including the presence of fermentable carbohydrates in challenge preparations, limits interpretation. Current evidence suggests that fermentable carbohydrates and nocebo effects contribute considerably to symptom generation in many cases. The substantial size of the gluten-free market raises questions about commercial and media influences on how NCGS is portrayed, and on the direction of related research. Definitive diagnosis of NCGS remains elusive due to the absence of biomarkers, significant overlap with disorders of gut–brain interaction, and methodological challenges in dietary evaluation. Until causative agents are identified and diagnostic tests developed, NCGS remains a diagnosis of exclusion, requiring careful systematic evaluation. Management approaches should balance dietary modification with recognition of psychological factors while ensuring nutritional adequacy. This Review critically examines current evidence regarding NCGS as a distinct entity, explores potential mechanisms, and provides practical guidance for assessment and management, while acknowledging major uncertainties in the field.


 
 
 

Comentários


© 2020-2025 by Lidiane Garcia

bottom of page