top of page

Psicopatia x Ocitocina: Pode o Hormônio Do Amor Curar A Falta De Empatia?

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 21 de ago.
  • 6 min de leitura
ree

A psicopatia é um transtorno de personalidade marcado por falta de empatia, impulsividade e comportamento antissocial. Esses traços se dividem em dois grupos: um ligado à frieza emocional e manipulação (F1), e outro à impulsividade e agressividade (F2). Essas características afetam a forma como a pessoa reconhece e reage às emoções dos outros. A ocitocina, um hormônio relacionado ao vínculo social, mostrou potencial para melhorar o reconhecimento de emoções e promover respostas empáticas, podendo futuramente ajudar no tratamento desses déficits em pessoas com traços psicopáticos.


A convivência em sociedade depende muito da confiança entre as pessoas e da capacidade de cooperar umas com as outras. Essas qualidades são essenciais para que possamos manter relacionamentos saudáveis em vários contextos: nas famílias, no trabalho, nos tribunais, nos negócios, e até nas relações entre cidadãos e o governo. 


Para que essas atitudes pró-sociais aconteçam, o cérebro humano desenvolveu circuitos específicos que incentivam o comportamento ético e empático. No entanto, quando esses circuitos não funcionam corretamente, como ocorre em pessoas com traços psicopáticos, a capacidade de agir de forma ética pode ficar comprometida.


Isso pode levar a atitudes que variam desde pequenos delitos até crimes graves, como fraudes em grande escala ou até atos de violência em massa, com sérias consequências para a sociedade.


ree

A psicopatia é um tipo de distúrbio de personalidade que já é estudado há muito tempo, desde o século XIX. Ela é caracterizada por uma combinação de traços específicos, como: ser superficialmente encantador, manipular os outros com facilidade, não sentir culpa ou remorso por ações prejudiciais, ter pouca ou nenhuma empatia, ser impulsivo, estabelecer metas irreais, ter comportamentos criminosos na juventude e se envolver em vários tipos de crimes ao longo da vida.


Apesar de a psicopatia não aparecer oficialmente como um diagnóstico específico no principal manual usado por profissionais de saúde mental (o DSM-5-TR), ela está relacionada a outro transtorno que aparece lá: o Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS). Esse transtorno envolve atitudes como desrespeitar os direitos dos outros, mentir, ser impulsivo, agressivo, irresponsável e não demonstrar arrependimento. 


Embora muitos traços da psicopatia apareçam também no Transtorno de Personalidade Antissocial, os dois conceitos não são exatamente iguais. Por exemplo, algumas características típicas da psicopatia, como o charme superficial e a ausência de empatia, não são obrigatórias para o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Antissocial. 


ree

Entre as ferramentas mais usadas para identificar a psicopatia estão testes e escalas aplicadas por psicólogos, como a PCL-R (Lista de Verificação de Psicopatia de Hare: Revisada), considerada uma das mais confiáveis. Esse instrumento analisa 20 características divididas em dois grupos: 


  • O primeiro (Fator 1) avalia traços como falsidade, frieza emocional e ausência de empatia; 


  • O segundo (Fator 2) analisa impulsividade, irresponsabilidade e comportamentos antissociais. 


Esses dois grupos refletem duas dimensões principais da psicopatia: uma mais emocional e manipuladora (F1) e outra mais ligada a impulsividade e agressividade (F2).


Estudos também mostram que os traços de F1 costumam estar ligados à frieza emocional e à dificuldade em sentir empatia, enquanto os de F2 são mais associados a pessoas com histórico de traumas, comportamento reativo e dificuldade em controlar impulsos. Apesar de todas essas observações, ainda há muitas dúvidas sobre como exatamente o cérebro está envolvido nesses traços. 


ree

A percepção e o reconhecimento das emoções alheias são fundamentais para a empatia, ou seja, a capacidade de entender e compartilhar sentimentos com os outros. Para isso, nosso cérebro precisa dar atenção especial a sinais sociais, como expressões faciais ou o tom da voz. Essa atenção é chamada de “saliência social”. Quando esse sistema não funciona bem, a capacidade de reconhecer e reagir adequadamente às emoções dos outros pode ficar prejudicada.


A empatia tem duas partes principais. A empatia cognitiva é a habilidade de entender racionalmente o que a outra pessoa está sentindo ou pensando. Já a empatia afetiva é a capacidade de sentir junto com o outro, como sentir tristeza ao ver alguém chorando.


A psicopatia parece afetar mais fortemente a empatia afetiva, principalmente em pessoas com traços de F1 (frieza emocional). Já pessoas com traços de F2 (impulsividade e agressividade) podem ter dificuldades principalmente na empatia cognitiva.


O cérebro tem áreas específicas que processam essas emoções, como a amígdala (envolvida no medo e empatia), o estriado ventral (envolvido em recompensas), a ínsula anterior, o córtex orbitofrontal e outras regiões relacionadas à percepção social.


Estudos mostram que pessoas com traços psicopáticos muitas vezes apresentam respostas diferentes nessas áreas do cérebro quando observam emoções em outras pessoas, como medo ou tristeza. 


Por exemplo, a amígdala tende a reagir menos em pessoas com traços de F1, o que pode explicar sua falta de empatia. Por outro lado, pessoas com traços de F2 podem reagir de forma exagerada a emoções como raiva ou frustração, o que pode levá-las à agressividade impulsiva.


Além do cérebro, o corpo também responde a emoções. A dilatação da pupila (quando a pupila aumenta ao ver algo emocional) e o foco do olhar (para onde olhamos em um rosto, por exemplo) são formas de medir o envolvimento emocional e a atenção social. Pessoas com traços psicopáticos costumam apresentar alterações nessas respostas, como olhar menos para os olhos de alguém assustado, dificultando a identificação da emoção. 


ree

A ocitocina é uma substância produzida pelo cérebro e liberada tanto no sistema nervoso quanto no corpo. Ela é conhecida como o “hormônio do amor” ou “hormônio do vínculo”, porque está envolvida em comportamentos como carinho, empatia, confiança, relações afetivas e até no parto e na amamentação.


Dentro do cérebro, a ocitocina age em várias regiões importantes para o processamento das emoções, como a amígdala, o córtex cingulado e o hipotálamo. Essas áreas são as mesmas que participam do reconhecimento de emoções e da empatia. A ocitocina também ajuda na formação de memórias sociais e na regulação do estresse.


Muitos estudos já testaram os efeitos da ocitocina administrada por spray nasal (chamada de in-OT). Em pessoas sem problemas de saúde mental, a ocitocina melhorou a habilidade de reconhecer emoções nos outros, aumentou a confiança e a cooperação e reduziu reações negativas a estímulos assustadores.


Também foi observado que ela aumentou o tempo que as pessoas olham para os olhos dos outros, facilitando o reconhecimento de expressões faciais.

A psicopatia, como vimos, afeta a forma como as pessoas se conectam com os outros e reconhecem emoções. Isso pode acontecer por diferentes razões, dependendo da combinação de traços de F1 ou F2.


Ao revisar os estudos existentes, os pesquisadores não encontraram trabalhos que examinassem diretamente a relação entre psicopatia e ocitocina ao mesmo tempo. Por isso, eles analisaram separadamente estudos que investigaram cada um desses temas em relação ao reconhecimento de emoções.


Essa análise mostrou que as duas dimensões da psicopatia (F1 e F2) se relacionam de formas diferentes com a forma como o cérebro e o corpo reagem a emoções, especialmente as negativas, como medo ou tristeza. Por exemplo, em algumas pessoas psicopáticas, a atividade cerebral diminui diante dessas emoções (levando à frieza emocional); em outras, aumenta (gerando impulsividade e agressividade). 


ree

Já os estudos sobre ocitocina indicam que ela pode ter um efeito positivo nesses processos. A ocitocina parece ajudar a aumentar a atenção aos sinais sociais, melhorar o reconhecimento de emoções, ampliar a dilatação da pupila (indicando maior engajamento emocional) e reduzir reações negativas em áreas do cérebro como a amígdala. Ou seja, ela pode agir como um “compensador” de alguns dos déficits emocionais observados na psicopatia.


Este estudo reforça a ideia de que a psicopatia não é uma condição única, mas sim um conjunto de traços que afetam o funcionamento emocional e social de diferentes maneiras. A ocitocina, por sua vez, pode ter um papel importante na correção ou redução desses déficits.


No entanto, como ainda não existem estudos que analisem diretamente a relação entre ocitocina e psicopatia com medidas fisiológicas (como respostas cerebrais e corporais), essa área ainda precisa ser mais explorada. 


Pesquisas futuras podem ajudar a identificar marcadores biológicos mais precisos para cada tipo de psicopatia e até sugerir tratamentos específicos, usando, por exemplo, a própria ocitocina como ferramenta de intervenção.



LEIA MAIS:


Psychophysiology of facial emotion recognition in psychopathy dimensions and oxytocin’s role: A scoping review. 

Sara Ferreira-Nascimento, Filipa Freire, and Diana Prata 

PLoS One, 20 (7): e0327764, July 30, 2025


Abstract: 

 

Psychopathy is characterized by social impairments that hinder effective societal functioning. It comprises two main dimensions: “Interpersonal-affective” and “Lifestyle-antisocial,” each associated with distinct patterns of traits and central and peripheral neurocorrelates, particularly concerning social salience and oxytocin function. In this review, we systematically identified and synthesized evidence from studies investigating oxytocin’s role in the psychophysiological correlates of emotion recognition across psychopathy dimensions. However, as no such direct studies were identified, we instead compiled and analyzed research examining these variables separately. A scoping review was conducted to capture studies reporting on psychopathy or oxytocin in relation to facial emotion recognition, whether or not they included central or peripheral psychophysiological measurements – retrieving 66 articles. We found distinct emotion recognition outcomes between psychopathy dimensions, some even with opposing neural activity in response to emotional expressions, particularly those of negative valence, as assessed through neuroimaging, electrophysiology, eye-gazing, and pupillometry. Oxytocin presented suggestive positive/compensatory effects on social salience, enhancing emotion recognition, and increasing pupil dilation, and eye-gazing towards faces, and decreasing brain activation towards negative emotions. This review highlights the critical need for future studies to bridge the gap between psychopathy and oxytocin research by exploring their interaction on shared psychophysiological correlates. Such efforts could facilitate the identification of dimension-specific diagnostic biomarkers and targeted interventions for psychopathy.

 
 
 

Comentários


© 2020-2025 by Lidiane Garcia

bottom of page