Por Que Algumas Mulheres Matam?
- Lidi Garcia
- 25 de jul.
- 6 min de leitura

Este estudo analisou mulheres na Suécia que cometeram crimes letais para entender melhor suas motivações e traços de personalidade. Os pesquisadores descobriram que, ao contrário do que acontece com muitos homens, essas mulheres geralmente não apresentavam altos níveis de psicopatia. A maioria agiu de forma impulsiva e emocional (reativa), e não por motivos friamente planejados (instrumentais). Mulheres com transtornos mentais graves tendiam a apresentar ainda menos traços de psicopatia. Os resultados ajudam a melhorar o tratamento e a prevenção da violência entre mulheres, especialmente nos sistemas de saúde mental e justiça.
A violência letal, ou seja, quando alguém tira a vida de outra pessoa, causa um enorme sofrimento e prejuízo para a sociedade. Por isso, entender o que motiva esse tipo de crime e como ele pode ser previsto e evitado é extremamente importante.
A maioria dos casos de homicídio envolve homens como agressores, e por isso, a maior parte dos estudos até hoje tem focado nesse grupo. No entanto, pouco se sabe sobre as mulheres que cometem esse tipo de crime. Estudar as características e motivações dessas mulheres é essencial para compreender o que pode levá-las a matar, além de ajudar a desenvolver formas melhores de prevenção, tratamento e evitar que reincidam.
Embora o número de mulheres que cometem homicídios pareça estável ao longo do tempo, o envolvimento feminino em outros tipos de crimes, como agressões não letais, tem aumentado. Pesquisas anteriores mostraram que, quando mulheres matam, muitas vezes o fazem em situações de autodefesa, medo, vingança ou por motivos ligados ao contexto imediato, como brigas familiares.

Além disso, algumas mulheres apresentam dificuldade de controlar emoções, ou traços de personalidade mais instáveis, o que pode influenciar seu comportamento violento. Existe também um conceito chamado psicopatia, que tem sido mais estudado em homens do que em mulheres.
A psicopatia é um transtorno de personalidade caracterizado por traços como frieza emocional, falta de empatia, impulsividade, manipulação e comportamento antissocial. Pessoas com altos níveis de psicopatia podem ter dificuldade em sentir culpa ou remorso, e tendem a violar normas sociais e direitos alheios com facilidade.
Embora seja mais estudada em homens, a psicopatia também pode ocorrer em mulheres, mas com manifestações geralmente mais sutis e com pontuações mais baixas nas escalas de avaliação.
Estima-se que cerca de 1% da população geral apresente traços psicopáticos acentuados, sendo mais comum entre criminosos e em ambientes forenses. No entanto, nem toda pessoa com traços psicopáticos comete crimes, e muitos conseguem conviver socialmente sem chamar atenção.
Para medir a psicopatia, os pesquisadores usam uma ferramenta chamada PCL-R, que avalia diferentes aspectos da personalidade do indivíduo. Essa ferramenta já passou por atualizações e hoje analisa quatro dimensões: o jeito de se relacionar com os outros (interpessoal), o lado emocional (afetivo), o estilo de vida (impulsividade, irresponsabilidade) e os comportamentos criminosos (antissociais).

Tabela PCL-R
Em geral, estudos mostram que mulheres que cometem homicídio tendem a apresentar pontuações mais baixas nessa escala do que os homens, especialmente no fator relacionado ao comportamento antissocial.
Outra maneira de analisar crimes violentos é distinguir entre dois tipos principais de agressão. A violência reativa acontece em momentos de raiva, medo ou defesa, ou seja, é uma resposta impulsiva a uma ameaça. Já a violência instrumental é planejada, feita com um objetivo mais calculado, como obter dinheiro ou poder, e geralmente sem envolvimento emocional intenso.
Entre os homens, há estudos que mostram que aqueles com traços mais psicopáticos costumam cometer mais crimes instrumentais. Mas no caso das mulheres, ainda há muitas dúvidas, embora alguns achados sugiram que a violência delas tende a ser mais reativa do que instrumental.
Além disso, é importante considerar o estado mental da pessoa no momento do crime. Na Suécia, por exemplo, mesmo quem tem problemas mentais é geralmente considerado responsável por seus atos. Mas em casos mais graves, como em pessoas com esquizofrenia ou depressão profunda com pensamentos suicidas, pode-se considerar que a pessoa estava sob a influência de um transtorno mental grave (TMS).
Nesses casos, em vez de serem condenadas à prisão, essas pessoas podem ser encaminhadas para tratamento psiquiátrico obrigatório. Para isso, elas passam por uma investigação psiquiátrica forense (IPF), feita por uma equipe especializada, que analisa documentos médicos, entrevistas, testes de personalidade e outras informações relevantes.

Apesar desses avanços, ainda sabemos pouco sobre como os fatores de psicopatia, tipo de violência (reativa ou instrumental) e transtornos mentais graves se conectam entre si nas mulheres que cometem crimes letais. Este estudo teve como objetivo principal investigar essas relações.
Esse estudo analisou 175 mulheres suecas que cometeram homicídios ou tentativas de homicídio entre os anos 2000 e 2014, e que passaram por avaliação psiquiátrica forense. Os pesquisadores quiseram entender:
1) qual o nível de psicopatia entre essas mulheres, e se havia diferença entre aquelas com transtorno mental grave e sem transtorno mental grave;
2) qual o tipo de violência praticada por elas (reativa ou instrumental), e se isso também variava com a presença ou não de transtorno mental grave;
3) se havia ligação entre o nível de psicopatia e o tipo de violência, e se essa ligação era diferente entre os dois grupos.
De modo geral, os resultados mostraram que a maioria dessas mulheres tinha níveis baixos de psicopatia, o que está de acordo com estudos anteriores. A forma como cometeram os crimes também foi, em sua maioria, reativa, ou seja, como resposta a situações emocionais intensas, em vez de ser algo planejado ou com intenção fria e calculada.
Isso reforça a ideia de que, ao contrário do que muitas vezes se imagina, a mulher que comete um homicídio não é, em geral, uma "psicopata fria", mas sim alguém envolvida em uma situação emocionalmente extrema.
Houve uma associação modesta entre psicopatia e características instrumentais do crime, ou seja, aquelas mulheres com níveis mais altos de psicopatia tendiam a planejar um pouco mais o ato ou apresentar menos provocação anterior.
No entanto, essas ligações foram fracas, e o padrão geral permaneceu como reativo. O grupo de mulheres com transtorno mental grave (TMS) teve pontuações mais baixas na escala de psicopatia do que o grupo sem transtorno mental grave, especialmente na parte interpessoal (como charme superficial ou manipulação). Isso sugere que mulheres com transtorno mental grave cometem homicídios por motivos diferentes das que não têm esse diagnóstico.

Outro ponto interessante é que, entre as mulheres sem transtorno mental grave, houve uma leve presença maior de psicopatia e também de transtornos de personalidade, o que está alinhado com pesquisas anteriores. Em outras palavras, quando uma mulher sem transtorno mental grave comete um homicídio, é mais provável que ela apresente traços de personalidade problemáticos, como impulsividade ou frieza emocional.
Este estudo mostra que mulheres que cometem violência letal, em geral, não têm altos níveis de psicopatia e agem de maneira reativa, motivadas por situações emocionais fortes. Isso vale principalmente para aquelas com transtornos mentais graves.
Mulheres sem transtorno mental grave podem, em alguns casos, apresentar mais traços de psicopatia, mas mesmo assim, a motivação reativa ainda é predominante.
Esses resultados são importantes para ajudar profissionais de saúde mental, justiça e políticas públicas a entenderem melhor como a violência letal feminina funciona, e como prevenir que esses casos ocorram novamente. Também apontam a necessidade de mais estudos focados nesse grupo específico de mulheres, que ainda é pouco explorado nas pesquisas.
LEIA MAIS:
Links Between Psychopathy, Type of Violence, and Severe Mental Disorder among Female Offenders of Lethal Violence in Sweden
Karin Trägårdh, Malin Hildebrand Karlén, Peter Andiné, and Thomas Nilsson
International Journal of Forensic Mental Health. Volume 24, Issue 3
Abstract:
Knowledge about females who commit lethal violence is limited compared to what we know about their male counterparts. The overall aim of this study was to investigate links between psychopathy, type of violence, and severe mental disorder (SMD), among Swedish female offenders of lethal violence. All records for female offenders (N = 175) who underwent a court-ordered forensic psychiatric investigation in Sweden charged with lethal/attempted lethal violence, between 2000 and 2014, were included. Structured assessments were done based on the Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R) concerning psychopathy, and the Violent Incident Coding Sheet (VICS) concerning instrumental/reactive aspects of the crime. Overall, the female offenders were characterized by relatively low levels of psychopathy and acted based on reactive rather than instrumental motives. Modest associations appeared between psychopathy and instrumental, rather than reactive, features of the crime. However, the SMD group (n = 84) scored lower on PCL-R total and
interpersonal facet 1, somewhat higher on VICS arousal and planning
(<24 h vs. no planning), while showing inconsistent but generally lower
scoring on provocation. PCL-R facet 1, and the secondary VICS classifications appeared as covariates associated with an SMD. These results contribute to our understanding of the driving mechanisms and complexity behind female lethal violence, where the SMD group showed a somewhat unexpected multifaceted pattern, including reactive and instrumental VICS aspects. This has especially consequences for the assessment and handling of female offenders of lethal violence within forensic psychiatry and correctional services, also calling for further research focusing on this population.


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