O Preço Oculto Da Vaidade: O Que a Finasterida Pode Fazer Com o Cérebro
- Lidi Garcia
- 17 de out.
- 5 min de leitura

A finasterida, remédio usado contra calvície, pode causar depressão, ansiedade e até pensamentos suicidas, efeitos que levaram quase 20 anos para serem reconhecidos. Estudos recentes analisaram milhões de registros médicos e confirmaram o risco aumentado desses sintomas entre usuários, mesmo após a interrupção do tratamento. O atraso ocorreu por falhas na vigilância das empresas e dos órgãos reguladores. Especialistas defendem que medicamentos usados apenas por motivos estéticos devem ser avaliados com muito mais rigor, já que o risco pode ser maior que o benefício.
A finasterida é um medicamento muito conhecido e amplamente prescrito em todo o mundo para tratar a alopecia androgenética, a calvície de padrão masculino. Apesar de ser vista como uma solução estética eficaz, há anos surgem relatos preocupantes sobre seus possíveis efeitos colaterais no cérebro e na saúde mental.
Este estudo reuniu e analisou, de forma sistemática, todas as evidências científicas disponíveis para entender se, de fato, a finasterida pode causar problemas como depressão, ansiedade e até pensamentos suicidas, e por que essas informações levaram tanto tempo para serem reconhecidas.
Desde o início dos anos 2000, alguns estudos já apontavam uma possível ligação entre o uso da finasterida e o surgimento de sintomas depressivos. Em 2002, pesquisadores começaram a notar que alguns homens apresentavam mudanças significativas de humor e ansiedade durante ou após o tratamento.
Ainda assim, as reações foram inicialmente tratadas como raras ou isoladas, e o medicamento continuou sendo amplamente prescrito sem grandes restrições.
Somente entre 2017 e 2023 começaram a surgir análises mais consistentes e abrangentes.

Quatro estudos diferentes usaram sistemas de notificação de eventos adversos, bancos de dados em que médicos e pacientes registram reações negativas após o uso de medicamentos. Outros quatro estudos utilizaram mineração de dados em grandes registros de saúde, ou seja, analisaram milhões de informações médicas para identificar padrões de risco.
O resultado foi claro: houve um aumento estatisticamente significativo nos casos de depressão, ansiedade e comportamento suicida entre pessoas que usavam finasterida.
A finasterida age bloqueando uma enzima chamada 5-alfa-redutase, responsável por converter a testosterona em di-hidrotestosterona (DHT), um hormônio envolvido na queda de cabelo. No entanto, essa mesma enzima também atua no cérebro, onde ajuda a produzir substâncias conhecidas como neuroesteróides, que regulam o humor, a ansiedade e a sensação de bem-estar.

Quando a finasterida bloqueia essa enzima, a produção desses neuroesteróides diminui, o que pode causar um desequilíbrio nos sistemas que controlam emoções e respostas ao estresse. Essa redução afeta, por exemplo, os receptores de GABA e serotonina, neurotransmissores fundamentais para a regulação emocional.
Com o tempo, esse desequilíbrio pode levar a sintomas de depressão, ansiedade, perda de prazer e, em casos mais graves, pensamentos suicidas. Em algumas pessoas, esses efeitos persistem mesmo após a interrupção do tratamento, sugerindo que a finasterida pode causar alterações duradouras na química cerebral.

Nem todas as pessoas que usam finasterida desenvolvem sintomas como depressão ou ansiedade, e isso se deve a uma combinação de fatores biológicos e individuais. Pesquisas sugerem que diferenças genéticas podem influenciar como cada organismo reage à redução dos neuroesteróides no cérebro.
Algumas pessoas têm variações em genes que controlam a produção de neurotransmissores, como serotonina e dopamina, tornando-as mais vulneráveis a mudanças hormonais. Além disso, o histórico pessoal de saúde mental e o nível prévio de hormônios sexuais também podem aumentar o risco.
Fatores externos, como estresse crônico, privação de sono e experiências traumáticas, podem potencializar esses efeitos. Em resumo, a interação entre genética, hormônios e ambiente explica por que a finasterida pode ser bem tolerada por muitos, mas causar sérios distúrbios de humor em outros.
Essas descobertas indicam que o risco pode ter sido subestimado por cerca de duas décadas. Durante esse tempo, milhões de pessoas usaram o medicamento e, segundo estimativas, centenas de milhares podem ter desenvolvido quadros depressivos relacionados ao uso, e centenas podem ter morrido por suicídio.
Esse atraso de vinte anos em reconhecer e investigar adequadamente o problema permitiu que uma grande quantidade de pessoas fosse exposta a riscos graves sem a devida informação.

A análise do estudo destaca que o atraso não se deve apenas à complexidade dos efeitos, mas também a falhas importantes em três frentes: a indústria farmacêutica, os órgãos reguladores e o sistema científico.
Em primeiro lugar, o fabricante da finasterida não conduziu nem publicou estudos básicos de acompanhamento, chamados de farmacovigilância, que são necessários para detectar efeitos adversos após a liberação do medicamento no mercado. Tais estudos são simples de realizar com dados disponíveis em bancos de registros médicos, mas foram negligenciados.
Em segundo lugar, as agências reguladoras (como a Food and Drug Administration e outras pelo mundo) também falharam em exigir que esses estudos fossem feitos. Isso significa que o controle pós-comercialização, uma etapa essencial da segurança de medicamentos, não foi devidamente cumprido.

Por fim, o estudo sugere que houve uma resistência cultural e científica em reconhecer os efeitos adversos relacionados a um medicamento usado para fins cosméticos. Por ser visto como um “tratamento de aparência”, o potencial de dano mental não recebeu a mesma atenção que receberia em um fármaco de uso vital.
Os autores defendem que, com base no princípio da precaução, isto é, “na dúvida, deve-se priorizar a segurança do paciente”, qualquer medicamento usado para fins não vitais deve ter um nível de segurança extremamente rigoroso. No caso da finasterida, usada para tratar calvície, o benefício é estético, enquanto o potencial dano envolve riscos graves à saúde mental, incluindo suicídio. Por isso, o equilíbrio entre benefício e risco é desproporcional.
O estudo propõe uma mudança importante nas políticas de aprovação e acompanhamento de medicamentos: as agências regulatórias devem exigir, antes da aprovação, o compromisso formal de que as empresas realizarão e publicarão estudos analíticos contínuos de segurança pós-mercado. Além disso, o descumprimento dessa obrigação deveria ter consequências regulatórias sérias.
LEIA MAIS:
Failing Public Health Again? Analytical Review of Depression and Suicidality From Finasteride
Mayer Brezis
J Clin Psychiatry 2025;86(4):25nr15862
DOI: 10.4088/JCP.25nr15862
Abstract:
Finasteride, widely prescribed for androgenetic alopecia, has long been suspected of causing severe neuropsychiatric reactions, including depression, anxiety, and suicidality, even after the drug is discontinued. This study systematically reviews evidence that supports this suspicion and analyzes the reasons for this delayed recognition. Concerns about depression from finasteride were raised in several studies as early as 2002. Between the years 2017 and 2023, 4 independent analyses of adverse event reporting systems and 4 studies using data mining of healthcare records indicated a significant increase in the risk for depression, anxiety, and/or suicidal behavior with the use of finasteride. There has been, therefore, a two-decade delay in the realization of the incidences and the gravity of neuropsychiatric effects, allowing harm from a medicine prescribed for a cosmetic indication of hair loss. Over 20 years worldwide, hundreds of thousands may have endured depression, and hundreds may have died by suicide. According to the precautionary principle, such a risk from a cosmetic medication suggests a benefit-to-harm balance that justifies action to protect the public, and the burden of proving that the intervention is not harmful falls on manufacturers. The long delay in recognizing the risks associated with finasteride exposure includes the manufacturer’s failure to perform and publish simple pharmacovigilance studies using database analyses and regulators’ failure to request such studies from the manufacturer or to perform them. Current evidence shows that finasteride use can cause depression and suicidality. A historical literature review discloses gaps between research evidence and regulatory steps. The lesson is that before approving a medication for the market, regulators should require manufacturers to commit to performing and disclosing ongoing postapproval analytical studies, and this requirement needs to be enforced.



Comentários