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Do Intestino ao Cérebro: Nova Pista Sobre a Origem da Depressão

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 14 de nov.
  • 5 min de leitura
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Pesquisadores descobriram que o estresse crônico enfraquece o intestino, tornando-o mais permeável e favorecendo a inflamação que pode contribuir para a depressão. Uma proteína chamada reelina, encontrada no cérebro e no intestino, ajuda a manter essa barreira intestinal forte e saudável. Em experimentos com ratos, uma dose de reelina conseguiu reverter os danos causados pelo estresse, promovendo a regeneração das células intestinais e reduzindo a inflamação. A descoberta sugere que fortalecer o intestino pode ser uma nova forma de proteger também o cérebro e o humor.


Nosso intestino é muito mais do que um órgão que digere os alimentos. Ele funciona como uma barreira inteligente, capaz de controlar o que entra e o que sai da corrente sanguínea. Em condições saudáveis, apenas nutrientes e substâncias seguras atravessam essa barreira intestinal. No entanto, quando estamos submetidos a estresse crônico, especialmente aquele associado a transtornos mentais, como a depressão, essa barreira pode começar a falhar. 


O resultado é um fenômeno conhecido como “intestino permeável”, em que o revestimento intestinal se torna poroso e permite a passagem de toxinas e microrganismos nocivos para o sangue.


Essas alterações são provocadas, em parte, pelos hormônios do estresse, como o cortisol, um tipo de glicocorticoide. Em pequenas quantidades, o cortisol tem uma função protetora: ele ajuda as células intestinais a se manterem firmemente unidas, evitando o vazamento da barreira intestinal. No entanto, quando o estresse é constante e o nível de cortisol permanece alto por muito tempo, ocorre o efeito contrário. 


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A barreira intestinal enfraquece, e o intestino passa a permitir a entrada de substâncias que não deveriam circular no corpo. Além disso, o sistema imunológico, que normalmente responderia de forma equilibrada, torna-se resistente ao efeito calmante do cortisol, liberando ainda mais substâncias inflamatórias. Esse estado de inflamação crônica pode atingir o cérebro e contribuir para o surgimento de sintomas depressivos. 


Recentemente, pesquisadores descobriram que uma proteína chamada reelina desempenha um papel importante na manutenção da saúde intestinal e cerebral. A reelina é uma molécula presente em várias partes do corpo, como o cérebro, o fígado, o sangue e o intestino, e está envolvida em processos essenciais de crescimento, regeneração e comunicação celular. 


No cérebro, a reelina ajuda na organização dos neurônios e na plasticidade, ou seja, na capacidade das células cerebrais se adaptarem e se comunicarem. Em pessoas com transtorno depressivo maior, os cientistas observaram níveis mais baixos de reelina no sangue e em áreas do cérebro relacionadas às emoções, como o hipocampo.


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Em experimentos com roedores, o estresse crônico também reduziu a quantidade de reelina no cérebro e no intestino. Para simular o impacto do estresse prolongado, os animais receberam injeções diárias de corticosterona, um hormônio semelhante ao cortisol humano.


Após três semanas, os ratos apresentaram comportamentos típicos de depressão e sinais de dano intestinal, como uma barreira enfraquecida e aumento da morte celular nas vilosidades, pequenas projeções que revestem o intestino e absorvem nutrientes. 


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Celulas marcadas com anticorpo em verde demostrando Reelina


A equipe de cientistas decidiu então testar se seria possível reverter esses danos com a administração de reelina. Em um experimento, os ratos receberam uma injeção intravenosa de 3 microgramas de reelina.


O resultado foi surpreendente: a proteína foi capaz de restaurar a integridade intestinal, reduzindo em cerca de 50% o número de células danificadas e reestabelecendo o processo natural de renovação das células intestinais. Essa recuperação ocorreu porque a reelina estimula as células do intestino a se multiplicarem nas “criptas” (regiões profundas) e a migrarem para as “vilosidades” (a camada de absorção), substituindo as células desgastadas.


Os cientistas também observaram que, embora a reelina atue tanto no cérebro quanto no intestino, os efeitos benéficos em um órgão não necessariamente dependem do outro.


Isso indica que a reelina pode agir de forma independente em diferentes partes do corpo, promovendo reparos específicos em cada uma delas. Mesmo sem uma correlação direta entre os níveis da proteína no cérebro e no intestino, a melhora intestinal sozinha já foi suficiente para reduzir marcadores fisiológicos associados ao estresse e à inflamação. 


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Vias de comunicação entre o intestino e o cérebro. As quatro principais vias de comunicação entre microbiota, intestino e cérebro. O epitélio danificado leva ao aumento da translocação de bactérias intestinais para a circulação (A). Metabólitos microbianos, como ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), neurotransmissores e citocinas, entram na circulação e afetam as estruturas centrais (B). O nervo vago fornece uma via de comunicação bidirecional para o intestino e o cérebro (C). A ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) leva à produção de cortisol, que aumenta a permeabilidade intestinal e altera a composição microbiana (D). Fonte: Int. J. Mol. Sci. 2024, 25(2), 814; https://doi.org/10.3390/ijms25020814


Esses resultados abrem uma nova perspectiva sobre a conexão entre o intestino e o cérebro. A integridade intestinal parece influenciar diretamente o equilíbrio emocional e a saúde mental, e a reelina pode ser uma peça-chave nessa relação.


Restaurar os níveis dessa proteína pode não apenas proteger o intestino contra os danos causados pelo estresse crônico, mas também prevenir o desenvolvimento de transtornos depressivos.


O estudo reforça uma visão cada vez mais aceita pela ciência: a saúde mental começa no intestino. Ao entender como moléculas como a reelina ajudam a reconstruir as defesas naturais do corpo, podemos caminhar para novas terapias capazes de tratar não apenas os sintomas da depressão, mas também suas origens biológicas.



LEIA MAIS:


An Intravenous Injection of Reelin Rescues Endogenous Reelin Expression and Epithelial Cell Apoptosis in the Small Intestine Following Chronic Stress

Ciara S Halvorson, Carla Liria Sánchez-Lafuente, Brady S Reive, Lara S Solomons, Josh Allen, Lisa E Kalynchuk, and Hector J Caruncho 

Chronic Stress. Chronic Stress. 2025; 9


Abstract:


Chronic stress disrupts the integrity of the gut environment, including leaking of the intestinal epithelium. Reelin, an extracellular matrix protein, is released from cells of the lamina propria and promotes epithelial cell proliferation and migration up the crypt-villus axis to facilitate renewal of the gut lining. In the present study, we evaluated Reelin expression and apoptosis in the small intestine of Long Evan's rats treated with recombinant Reelin (3 µg) or vehicle following 3 weeks of daily corticosterone (40 mg/kg/day) or vehicle injections. We show that Reelin- and cleaved caspase-3- immunoreactive cells are diminished in the lamina propria or epithelial cells of the gut lining following chronic stress (∼ 50% and 55%, respectively), and that a single injection of 3 µg of Reelin delivered intravenously can reverse these parameters. We also found Reelin cell counts in the small intestine did not correlate to counts in the hippocampus regardless of exposure to chronic stress or Reelin treatment. Our results suggest that Reelin may serve a protective function over gut barrier integrity through the restoration of epithelial cell turnover, and that Reelin may have a role in reversing chronic stress-induced changes to the gut environment.

 
 
 

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