O Código Da Fome: Como a Falta De Nutrientes Reescreve os Genes do Cérebro
- Lidi Garcia
- há 1 dia
- 4 min de leitura

Quando o cérebro fica sem certos nutrientes essenciais chamados aminoácidos, seus genes mudam o modo como funcionam. Nesse estudo realizado em um modelo de moscas-da-fruta, essas alterações fazem com que elas fiquem mais atraídas por alimentos ricos em proteínas, como leveduras e bactérias benéficas. O estudo mostra que até organismos simples conseguem “sentir” a falta de nutrientes e ajustar seu comportamento para buscar o que precisam, revelando como o cérebro e o corpo trabalham juntos para manter o equilíbrio alimentar.
A alimentação é um dos fatores mais fundamentais para a sobrevivência de qualquer organismo. Entre os diversos nutrientes, os aminoácidos essenciais, aqueles que o corpo não consegue produzir sozinho, são indispensáveis para a formação de proteínas, o crescimento celular e o funcionamento cerebral.
Quando há escassez desses nutrientes, o organismo precisa encontrar formas de compensar a deficiência, ajustando seu metabolismo e comportamento alimentar. No entanto, os mecanismos biológicos que convertem a necessidade nutricional em comportamentos de busca por alimento ainda são pouco compreendidos.
Buscando entender essa relação entre nutrição e comportamento, pesquisadores estudaram o que acontece no cérebro de Drosophila melanogaster, a popular mosca-das-frutas, quando esses insetos são privados de aminoácidos essenciais. Esse modelo é amplamente usado em biologia por ter um sistema nervoso bem caracterizado e permitir experimentos genéticos detalhados.

O estudo teve como objetivo investigar como a falta de aminoácidos essenciais individuais altera a expressão gênica nas cabeças de Drosophila e como essas mudanças se refletem em respostas comportamentais adaptativas, como o aumento da busca por fontes de proteína.
Os pesquisadores também buscaram identificar quais genes específicos estão envolvidos em transformar essa carência nutricional em comportamentos direcionados à alimentação, como a exploração de leveduras e bactérias intestinais.
Os cientistas submeteram moscas adultas a dietas carentes de aminoácidos essenciais individuais, como isoleucina e metionina, durante um período controlado. Em seguida, realizaram análises de transcriptoma, ou seja, examinaram todos os genes expressos nas cabeças das moscas, para detectar quais genes aumentaram ou diminuíram sua atividade em resposta à privação de cada aminoácido.
Essa abordagem permitiu distinguir assinaturas genéticas específicas, associadas à falta de cada nutriente, e padrões de resposta comuns, que refletem mecanismos gerais de adaptação a estados de deficiência nutricional.

Além disso, os pesquisadores analisaram genes ligados à percepção de odores e paladar, já que esses sentidos orientam o comportamento alimentar da Drosophila. Dois genes se destacaram:
- Or92a, que codifica um receptor olfativo essencial para detectar leveduras (a principal fonte natural de proteínas da mosca);
- Ir76a, um gene envolvido na atração por bactérias intestinais benéficas, que ajudam a melhorar a aptidão fisiológica quando há escassez de nutrientes.
A equipe observou que ambos os genes foram regulados positivamente (ou seja, tiveram expressão aumentada) durante a privação de aminoácidos, indicando que o cérebro da mosca ajusta seus sistemas sensoriais para direcionar o comportamento de busca alimentar.
As análises mostraram que, embora cada tipo de privação de aminoácido essencial (como isoleucina ou metionina) induza assinaturas transcricionais distintas, existe também um conjunto comum de genes afetados entre todas as privações. Isso sugere que o cérebro da Drosophila possui mecanismos universais de resposta à carência nutricional, complementados por ajustes específicos dependendo do aminoácido ausente.
Em particular, o aumento da atividade de Or92a faz com que as moscas se tornem mais atraídas por leveduras, enquanto a regulação positiva de Ir76a intensifica a busca e ingestão de bactérias comensais que podem compensar deficiências nutricionais.

Esses resultados indicam uma forma de adaptação coordenada entre o sistema nervoso e o metabolismo, em que a privação nutricional é detectada, traduzida em alterações genéticas e transformada em mudanças comportamentais inteligentes, uma estratégia evolutiva que melhora as chances de sobrevivência.
O estudo revela como mudanças na disponibilidade de nutrientes podem remodelar a expressão gênica no cérebro e, consequentemente, alterar o comportamento alimentar. Mesmo organismos simples, como moscas, possuem mecanismos moleculares sofisticados para identificar carências nutricionais e ajustar suas ações em busca de alimentos específicos que restabeleçam o equilíbrio interno.
Essas descobertas ampliam nossa compreensão sobre como o cérebro e o metabolismo se comunicam, lançando luz sobre princípios fundamentais da neurobiologia da fome e da nutrição, princípios que podem, no futuro, ajudar a compreender como deficiências alimentares afetam o comportamento também em mamíferos, inclusive humanos.
LEIA MAIS:
Lack of single amino acids transcriptionally tunes sensory systems to enhance microbiota intake
Gili Ezra-Nevo, Sílvia F. Henriques, Daniel Münch, Ana Patrícia Francisco, Célia Baltazar, Ana Paula Elias, Bart Deplancke, and Carlos Ribeiro
Current Biology, October 27, 2025
DOI: 10.1016/j.cub.2025.09.062
Abstract:
Adequate intake of dietary essential amino acids (eAAs) is vital for protein synthesis and metabolism. Any single eAA deprivation is sufficient to increase protein intake in Drosophila melanogaster. How such nutritional “needs” are transformed into behavioral “wants” remains poorly understood. We derived transcriptomes from the heads of flies deprived of individual eAAs to identify mechanisms by which this is achieved. While specific eAA deprivations have unique effects on gene expression, a large set of changes is shared across deprivations. Namely, we show that Or92a, which is essential for the exploitation of yeast, the main protein source for flies, is upregulated upon eAA deprivation. Additionally, Ir76a upregulation is crucial for feeding on commensal bacteria that ameliorate the fitness of eAA-deprived flies. Our work uncovers common and unique transcriptional changes induced by individual eAA deprivations in animals and reveals novel mechanisms underlying the organism’s behavioral and physiological adaptation to eAA challenges.



Comentários