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Música Contra o Tempo: Tocar Um Instrumento Pode Manter Seu Cérebro Jovem

  • Foto do escritor: Lidi Garcia
    Lidi Garcia
  • 23 de jul.
  • 5 min de leitura
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Estudos mostram que, à medida que envelhecemos, nosso cérebro tenta compensar as perdas cognitivas aumentando sua atividade. Pessoas que tiveram experiências enriquecedoras ao longo da vida, como tocar instrumentos musicais, desenvolvem uma “reserva cognitiva” que ajuda o cérebro a funcionar de forma mais eficiente. Músicos idosos, por exemplo, entendem melhor a fala em ambientes barulhentos e usam o cérebro de forma mais parecida com pessoas jovens. Isso sugere que o treinamento musical pode ajudar o cérebro a envelhecer de forma mais saudável.


À medida que envelhecemos, é comum percebermos uma redução nas nossas habilidades sensoriais, como visão e audição, e também nas capacidades cognitivas, como memória, atenção e raciocínio. Esses declínios fazem parte do envelhecimento natural. 


Para compensar essas perdas, o cérebro de pessoas mais velhas costuma aumentar sua atividade em certas regiões, além de estabelecer conexões mais fortes entre diferentes áreas cerebrais. Isso é uma espécie de estratégia do cérebro para manter o desempenho o mais próximo possível do que era na juventude.


No entanto, esse padrão de funcionamento pode variar dependendo da tarefa realizada ou do tipo de estímulo utilizado nos estudos sobre envelhecimento.


Pesquisadores acreditam que esse aumento da atividade cerebral em idosos funciona como uma forma de compensação. Ou seja, o cérebro estaria "trabalhando mais" para tentar manter o mesmo resultado. Essa compensação pode ocorrer de maneira automática ou como resultado de um esforço consciente da pessoa. 

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Há uma teoria, chamada de modelo de deslocamento posterior-anterior, que sugere que, durante tarefas cognitivas, os idosos ativam com mais intensidade regiões do cérebro ligadas ao planejamento e ao controle, localizadas na parte frontal. Em pessoas mais jovens, essas mesmas regiões costumam ser ativadas de forma menos intensa ou nem sequer são requisitadas para as mesmas tarefas. 


No entanto, nem todos os idosos ativam essas regiões com a mesma intensidade. Isso depende de algo chamado “reserva cognitiva”, uma espécie de “poupança mental” que cada pessoa acumula ao longo da vida, por meio de experiências enriquecedoras como educação de qualidade, bilinguismo ou, neste caso, treinamento musical.


A teoria chamada “Teoria do Andaime” sugere que hábitos e experiências positivas ao longo da vida ajudam a construir essa reserva cognitiva e cerebral. Assim, pessoas que aprenderam música, falaram mais de uma língua, ou tiveram educação prolongada, tendem a desenvolver mecanismos cerebrais extras que ajudam o cérebro a lidar melhor com o envelhecimento. 


De acordo com essa visão, indivíduos com maior reserva cognitiva poderiam apresentar uma ativação cerebral mais eficiente, o que poderia se refletir em um desempenho melhor durante tarefas desafiadoras, como entender a fala em ambientes ruidosos,  algo que costuma ser difícil para muitos idosos.

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Entretanto, ainda existe uma certa incerteza sobre como exatamente essa reserva cognitiva influencia o funcionamento do cérebro na velhice. Alguns estudos sugerem que pessoas com mais experiência (como músicos, por exemplo) usam o cérebro de forma mais eficiente, com menos esforço e ativando menos regiões. 


Outros estudos indicam que essas pessoas ativam mais áreas do cérebro, como se tivessem maior capacidade funcional. Até hoje, poucos estudos exploraram esse tema com foco específico em adultos mais velhos.


Neste estudo, os pesquisadores resolveram investigar justamente isso: como o treinamento musical de longo prazo pode afetar o cérebro de idosos, especialmente durante tarefas auditivas desafiadoras, como entender sílabas em meio a ruídos. 


A música é uma atividade que exige a integração de diferentes sentidos e áreas do cérebro, ouvir, mover os dedos, ler partitura, manter o ritmo, entre outros. Por isso, ela serve como um ótimo modelo para entender como o cérebro se adapta a experiências prolongadas. 


Já se sabe, por exemplo, que músicos tendem a ter uma percepção auditiva mais aguçada, uma comunicação mais eficiente entre regiões cerebrais e melhor desempenho em tarefas que envolvem sons, mesmo na velhice.


O estudo comparou três grupos: músicos idosos, idosos que nunca tocaram instrumentos e jovens adultos sem treinamento musical. Todos os participantes foram submetidos a exames de ressonância magnética funcional enquanto realizavam uma tarefa: identificar sílabas em meio a ruídos, em diferentes intensidades. 


O objetivo era ver como o cérebro reagia a essa situação desafiadora e se haveria diferenças claras entre os grupos, especialmente na forma como as regiões do cérebro se conectavam e se ativavam.

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Os pesquisadores analisaram com cuidado as conexões entre regiões cerebrais envolvidas na audição, na fala e no movimento, áreas conhecidas por ajudarem na integração entre som e ação, o que é fundamental tanto para tocar instrumentos quanto para entender a fala no meio do barulho. 


Além disso, o estudo observou não só o que acontecia durante a tarefa, mas também como essas áreas do cérebro se comportavam em repouso, ou seja, quando os participantes estavam apenas deitados no aparelho, sem realizar nenhuma atividade.


A partir dessas análises, os cientistas propuseram duas hipóteses. A primeira, chamada de “hipótese da compensação de reforço”, sugere que pessoas com maior reserva cognitiva (como os músicos idosos) mostrariam ainda mais ativação cerebral do que os não músicos, como uma forma ampliada de compensação. 


Já a segunda hipótese, chamada de “regulação positiva por retenção”, sugere que essas pessoas nem precisariam ativar tanto o cérebro, pois sua reserva cognitiva já garantiria um funcionamento mais próximo ao de um jovem, como se a reserva funcionasse para manter o desempenho, sem exigir esforço extra do cérebro.

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Os resultados mostraram que os músicos idosos ativaram menos intensamente certas áreas auditivas do que os idosos não músicos durante a tarefa. Ainda assim, eles tiveram desempenho melhor. Isso sugere que seus cérebros estão funcionando de forma mais eficiente, como previsto na hipótese da retenção. 


Além disso, a forma como o cérebro dos músicos idosos se conectava era mais parecida com a dos jovens adultos do que com os demais idosos. Ou seja, o treinamento musical de longo prazo parece ajudar o cérebro a manter uma “estrutura jovem”, mesmo com o passar dos anos. 

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Essa imagem mostra duas ideias principais sobre como o cérebro de pessoas idosas tenta se adaptar ao envelhecimento. No topo (A e B), vemos que idosos tendem a usar mais o cérebro (atividade neural maior) para compensar perdas naturais com a idade (A), e que pessoas com maior “reserva cognitiva”,  como aquelas que tiveram boas experiências de vida, como tocar instrumentos, possuem mais recursos cerebrais para lidar com essas perdas (B). Embaixo (C e D), são comparadas duas hipóteses. Na “Bolster compensation” (C), idosos com reserva ativam ainda mais o cérebro e têm melhor desempenho. Já na “Hold-back upregulation” (D), quem tem reserva precisa usar menos o cérebro porque já é mais eficiente, mostrando um uso neural mais parecido com o de jovens. Ambas tentam explicar como experiências de vida podem ajudar o cérebro a envelhecer melhor.


Essas descobertas são importantes porque mostram que o estilo de vida ao longo da vida, especialmente a prática musical contínua, pode proteger o cérebro contra os efeitos do envelhecimento. 


O cérebro dos músicos idosos mostrou maior eficiência, conectividade preservada e melhor desempenho cognitivo em uma tarefa desafiadora. Isso reforça a ideia de que a reserva cognitiva acumulada por meio de experiências ricas, como aprender música, pode ajudar o cérebro a envelhecer de forma mais saudável e funcional.



LEIA MAIS:


Long-term musical training can protect against age-related upregulation of neural activity in speech-in-noise perception

Lei Zhang, Bernhard Ross, Yi Du, and Claude Alain 

PLoS Biol 23(7): e3003247.


Abstract: 


During cognitive tasks, older adults often show increased frontoparietal neural activity and functional connectivity. Cognitive reserve accrued from positive life choices like long-term musical training can provide additional neural resources to help cope with the effect of aging. However, the relationship between cognitive reserve and upregulated neural activity in older adults remains poorly understood. In this study, we measured brain activity using functional magnetic resonance imaging during a speech-in-noise task and assessed whether cognitive reserve accumulated from long-term musical training bolsters or holds back age-related increase in neural activity. Older musicians exhibited less upregulation of task-induced functional connectivity than older non-musicians in auditory dorsal regions, which predicted better behavioral performance in older musicians. Furthermore, older musicians demonstrated more youth-like spatial patterns of functional connectivity, as compared to older non-musicians. Our findings show that cognitive reserve accrued through long-term music training holds back age-related neural recruitment during speech-in-noise perception and enlighten the intricate interplay between cognitive reserve and age-related upregulated activity during cognitive tasks.

 
 
 

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